554-(6) DIÁRIO DAS SESSÕES - N.° 88
Os nossos praxistas referem-se a duas figuras distintas: a servidão recíproca de pastagens e a servidão de (pastagem simples, que podia ainda ser pessoal ou real, conforme era estabelecida em favor de certa pessoa, sem restrição de prédio favorecido, ou em relação ao gado de certo prédio (vide, por exemplo, Borges Carneiro, Direito Civil, IV, pp. 83 e 85).
A interpretação dos preceitos citados que parece mais defensável é a que >dá à palavra "compáscuo" sentido amplo, em que se abranjam todos os encargos de pastagem, quer recíprocos, quer unilaterais; na verdade, o artigo 2266.° estaria desloca-lo se não tivesse âmbito igual ao do artigo 2262.° e se referisse, pelo contrário, só à servidão unilateral, pois em tal caso regularia matéria estranha ao capítulo em que se encontra e deveria, ter sido incluído, antes, no das servidões. No entanto, pelo exposto vê-se bem que também aqui o Código não evidencia com rigor a natureza do direito que regulamenta, o que. dificulta o juízo que se queira fazer sobre as vantagens ou desvantagens desse direito. Demais, é difícil saber-se ao certo quais as formas de encargo de pastagem que ainda subsistem e decidir qual a respectiva utilidade actual.
São, por conseguinte, mal conhecidas a natureza e importância das propriedades imperfeitas, e esse facto é outra razão para o legislador não tomar atitudes novas nesta matéria sem cuidadosa investigação sobre as condições reais em que aquelas propriedades ainda subsistem.
16. Com as observações feitas nos dois números anteriores não pretende a Câmara Corporativa diminuir o valor das razões que militem a favor da constituição da propriedade perfeita. Pretende apenas mostrar que o movimento da chamada "libertação da terra" não se funda inteiramente em motivos verdadeiros e equitativos, antes se apoia em grande parte em preconceitos doutrinários e tem sido causa de muitas injustiças.
Porque é assim e porque a própria matéria em jogo é mal conhecida., não parece prudente continuar-se, por sistema, a política de facilitar a, constituição da propriedade plena à custa dos direitos que a limitam. Só por inquérito rigoroso e cuidadosa ponderação de todos os interesses em causa parece possível encontrar-se solução que seja equitativa para os casos do passado e não inutilize para o futuro formas de propriedade que ainda possam desempenhar função vantajosa.
Está em curso a elaboração do novo Código Civil, no qual - ou, pelo menos, a propósito do qual - terá de tomar-se posição quanto às propriedades imperfeitas em todos os seus aspectos, quer no tocante às já constituídas, quer a respeito da forma que hão-de ter no direito futuro. Parece, por isso, ser mais conveniente relegar para os estudos respeitantes a esse novo Código as inovações profundas que em matéria de propriedade daquele tipo se queiram introduzir no direito vigente.
Sem embargo, não deixará esta Câmara de apreciar em especial as bases do projecto de lei n.° 91, para o caso de se entender que a reforma "planeada é oportuna.
B) Apreciação na especialidade:
1) Direito de remição (base I):
17. Como atrás se disse, o projecto concede ao posseiro, no quinhão, a faculdade de remir este encargo, irremível pelo direito vigente, e admite ainda a remição do censo consignativo e do compáscuo, qualquer que seja a duração deles, isto é, sem as restrições feitas na lei actual: ter decorrido o (prazo do contrato, ou pelo menos vinte anos. para o censo consignativo, e ter o ónus de compáscuo carácter perpétuo.
Examinemos separadamente ".s inovações do projecto quanto ao quinhão e quanto ao censo e compáscuo.
18. Será de aconselhar a remição de quinhões?
Perante o Código Civil a remição é absurda, porque o quinhão está regulamentado pomo forma de compropriedade, e a faculdade de remir redundaria, por isso, em permitir-se a um comproprietário apropriar-se das quotas dos outros, contra todos os princípios de direito.
É verdade que, se o quinhão é sempre, como sustenta o Sr. Dr. Cunha Gonçalves em relação aos casos por ele analisados, mero jus in re aliena, simples encargo lançado num prédio cuja propriedade se concedeu ao chamado posseiro, há em favor da concessão da faculdade de remir o facto de ela existir na enfiteuse e nos censos. Se é aquela, com efeito, a natureza do quinhão, o direito actual é de certo modo incongruente quanto faculta a remição de alguns ónus reais (sem excluir aqueles que ainda hoje são permitidos para o futuro) e recusa a de outro, exactamente um dos que a lei não permite constituir de novo.
Claro que essa remição teria todo o aspecto de injustiça que a remição envolve nos casos em que já é permitida, por constituir verdadeira lesão dos direitos individuais, como acima mostrámos. Ainda quando o preço pago pelo direito remido fosse justo (e veremos adiante que actualmente não o é), o titular desse direito recebe apenas uma quantia em dinheiro, que não pode colocar com as garantias que até aí tinha, e que se haviam estabelecido por acordo mútuo, do qual a remição é derrogação unilateral permitida por leis demagógicas.
Simplesmente, terá sempre o quinhão essa natureza? Não haverá casos em que ele seja simples propriedade comum, de natureza especial? E, mesmo nos casos em que isso não acontece, não terá o Código Civil, regulando o quinhão como forma de compropriedade, alterado os direitos dos quinhoeiras de maneira que hoje seja injusto substituí-los pela simples propriedade de ama quantia em dinheiro? Se os quinhoeiros são ou se tornaram compropriétários do prédio, a remição é inadmissível, pois eles são tão proprietários deste como o posseiro, que só tem a mais do que eles a posse e a administração do prédio (e esta, aliás, com limitações impostas por lei).
As dúvidas enunciadas são graves e não podem deixar de pesar no ânimo do legislador que queira abandonar a política unilateral de proteger os que detêm a terra, em detrimento de direitos alheios, tão respeitáveis como os deles.
No parecer desta Câmara, qualquer que seja a solução futura do problema, este tem de encarar-se hoje nestes termos: o quinhão tem para o direito actual á natureza de propriedade comum, e está por fazer um inquérito geral que permita, com segurança, alterar a concepção legal daquele instituto; e nem sequer se possuem elementos para saber se é possível destrinçar várias espécies de quinhão, umas que admitam a remição e outras cuja natureza a exclua. Por agora, portanto, a remição é inteiramente inaceitável.
19. A remição do censo consignativo, independentemente da duração respectiva, como o projecto propõe admitir, não parece aceitável.
Já foi importante restrição aos direitos estabelecidos nos respectivos contratos o dar-se aos censuários a faculdade de remir o encargo antes do tempo por que tenha sido convencionado. A verdade é, todavia, que, se esse princípio, consagrado no "Código Civil, veio diminuir as vantagens que aquele contrato poderia ainda oferecer, conservou-se, no entanto, em limites, razoáveis, pois só permite a remição de censos com vinte