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26 DE FEVEREIRO DE 1947 643

sem conhecerem todos os aspectos dos problemas, pensava, entre várias coisas, nas consequências próximas da televisão. As casas de espectáculos não se constróem provisoriamente. Devem durar e manter-se dezenas de amos para que o capital seja remunerado e amortizado. Se essa amortização não puder realizar-se a curto prazo, o negócio virá provavelmente a ser ruinoso, porque em breve surgirá um concorrente de respeito, que fornecerá cinema ao domicílio, gratuitamente, ou, antes, sem mais gostos que os do custo e manutenção do aparelho receptor.
E ninguém pense que o condicionamento interno do filme de 16 milímetros fará os homens da rádio arrepiar caminho. Vão longínquos os tempos em que um condicionalismo excessivo quase deu razão aos proprietários e empregados das diligências contra os introdutores do caminho de ferro.
E, por mais obstáculos que lhes queiram levantar, os dirigentes da radiodifusão, dentro em muito pouco tempo, hão-de merecer o apoio da opinião popular para mais uma iniciativa norteada pelo verdadeiro patriotismo, que se firma no bem público, no desinteresse pessoal e no espírito de progresso.
Significa isto que não convém onerar-se a indústria de exibição cinematográfica com novos encargos, além dos muitos que graciosamente atiraram sobre ela, porque, na incerteza dos tempos correntes, os produtores nacionais de filmes acabarão por não ter onde exibi-los.
Repito: grande risco correrá quem construir ou melhorar cinemas se não puder remunerar e amortizar o seu capital a prazo curto.
Daqui se conclui logicamente que, em lugar de guerrear-se, produtores e exibidores portugueses devem procurar de acordo a solução protectora do cinema nacional por forma a não se dificultar a instalação ou melhoria de novos cinemas e a criar as condições de vida necessárias para que nas cidades mais importantes, ou pelo menos mas províncias, se desenvolva a exibição.
E digo «pelo menos nas províncias B porque, devido a falta de alcance, passarão ainda muitos anos antes que a televisão possa concorrer ali com a cinematografia.
Proteccionista convicto, discordo de todas as formas de protecção à indústria nacional que não distingam entre bom e mau, isto é, entre produção útil e parasitismo.
O decreto-lei n.° 36:062 constitui modelo de amplidão em matéria de protecção indiscriminada.
Atinge a raia inconcebível de ressuscitar películas velhas de cinco anos, que caíram miseravelmente perante a troça do público. Estabelece contingentes de exibição que agora são fixos e só amanhã serão variáveis, como se não devesse fazer precisamente o contrário, só tendendo para o contingente fixo quando as soluções se esclarecessem ou a produção nacional estivesse assegurada.
Baseia os contingentes em semanas de exibição, como se não fosse mais simples, para evitar confusões nos cinemas de província, multiplicar por sete o número de semanas, isto é, tomar o dia como unidade ou fixar indiscutíveis proporções aritméticas, sem qualquer designação derivada da lua ou das rotações da terra, como seria, por exemplo, esta coisa clara como água: uma exibição nacional para cinco, seis ou sete exibições estrangeiras...
No que toca a dobragens efectuadas em Portugal, o decreto-lei n.° 36:062 constitui outro exemplo concreto e malfadado de contradição entre intenções e prováveis resultados práticos.
Falo a este respeito, quer como industrial, habituado a fazer contas, à forma de conduzir despesas, quer como amador estudioso dos problemas acústicos.
A meu ver, em vez de proibir-se deveria promover-se, quanto possível por meios indirectos, a realização interna de dobragens em português.
Sob o ponto de vista industrial, os exibidores queixam-se, com justíssima razão e bom conhecimento de causa, que os trabalhos de estúdio e laboratório custam em Portugal três vezes mais que em Espanha. Este mal parasitário continuará enquanto estúdios e laboratórios não puderem atingir a produção plena ou, pelo menos, bom ritmo industrial. Logo que gastos gerais e outras despesas constantes se dividam por maior número d«i realizações, o custo por unidade reduzida baixará até que, se a administração em vez de parasitária for verdadeiramente industrial, se iguale ou aproxime do custo estrangeiro.
Sob o ponto de vista artístico ou pseudo-artístico, a dobragem em português, quando bem realizada, não prejudicará o êxito perante certo público. E se não tivesse êxito, melhor para os concorrentes nacionais.
Por outro lado, quantas películas estrangeiras veia já parcialmente dobradas da origem, quando os produtores põem uma bailarina a cantar ou um estrangeiro a falar americano?
Sob o ponto de vista linguístico, de pureza do idioma português, as dobragens não serão melhores nem piores que Pai Tirano ou Ladrão precisa-se...
Sabe toda a gente que na dobragem há a considerar, com o rigor possível, a duração da fala, os movimentos dos lábios, a expressão fisionómica, as mudanças de posição do artista, etc.
Para a tradução adequada da linguagem são primaciais os dois primeiros factores: tempo e movimento dos lábios. Os restantes funcionam como acessórios que podem graduar-se por meio da existência do dobrador e dos artifícios de sonorização. Portanto, o problema principal consiste em substituir a fala original por outra de duração idêntica, empregando palavras portuguesas que, ao serem pronunciadas, não discordem grandemente dos movimentos de lábios da imagem.
Com jeito, paciência e conhecimentos dos idiomas original e traduzido encontra-se solução quase perfeita das dificuldades. Para isso basta que os autores ou tradutores do diálogo não sejam alguns dos que figuram em certas películas nacionais e nas legendas das estrangeiras que diariamente nos servem. De resto, a dobragem de filmes falados em línguas de construção concisa talvez viesse ensinar os nossos dialogadoxes a evitar redundâncias.
Suponho que a defesa do património linguistico, citada na representação dos cinco produtores nacionais, constitui fantasia pura. Julgo eu que tal defesa se realiza melhor traduzindo bem que impondo falares estrangeiros. Basta recordar como certas locuções e termos de calão ingleses e americanos se introduziram nos maus hábitos portugueses, para «agradecer» ironicamente aos patrióticos produtores nacionais de filmes o ataque desinteressado que promovem contra as dobragens, que evitariam muitos males.
Admite-se sem restrições a importação de películas realizadas no Brasil, o que por todos os motivos tolero, compreendo e louvo.
Mas aqui os ilustres defensores do património linguístico, por que lhes interessa a reciprocidade, isto é, a exportação para o Brasil das suas produções, deixaram no tinteiro as diferenças de sentido de palavras, de construção de frase e de pronúncia entre o português do Brasil e o português de Portugal, que só oficialmente possuem ortografia comum.
Amo muito os nossos irmãos brasileiros. Perdoem-me que prefira a nossa maneira de falar a língua de Camões.