O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

686 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 93

O Sr. Ministro das Finanças, que é um professor ilustre de Economia e o Sr. Dr. Marcelo Caetano, que, além de outros títulos científicos, tem o de especialista em questões monetárias, sustentam a afirmativa. O Sr. Dr. Pacheco de Amorim, com a autoridade do seu saber, formula objecções.
Confesso que neste momento me domina uma grande perplexidade. Como se pode discutir o que é indiscutível?
Como se podem estabelecer dúvidas em pleno domínio das certezas?
Desde que a inflação foi determinada pêlos saldos credores da balança de pagamentos e teve a sua contrapartida na aquisição de ouro e de divisas estrangeiras, é evidente que, à medida que aumentem as importações, esta posição se inverterá: as notas são substituídas por cambiais e estas por bens de produção e de consumo.
Diminuirá assim a circulação real e potencial, com abatimento correspondente nas reservas que lhe servem de garantia.
Isto não é apenas uma verdade económica. É uma evidência de bom senso, que L. M. Edmond expõe nesta fórmula incisiva: «As exportações representam sempre mais dinheiro e menos mercadorias, isto é, inflação; as importações, ao contrário, significam menos dinheiro e mais mercadorias e, portanto, deflação.
Mas objecta o Sr. Dr. Pacheco de Amorim: c A aquisição de divisas para pagamento das importações, por conta dos depósitos bancários, obrigará os bancos comerciais, para refazerem a sua posição de caixa, a levantar iguais importâncias pela rubrica «Bancos e banqueiros e do Banco de Portugal. Consequentemente, manter-se-á o volume das notas em circulação, único que «importa verdadeiramente ao custo da vida e pelo qual se faz o alinhamento dos preços».
Há aqui - salvo a muita consideração que me mereço o alto espírito do Sr. Dr. Pacheco de Amorim - um erro económico e um equivoco manifesto.
O erro está na atribuição das variações dos preços a causas exclusivamente monetárias e na redução simplificadora de um mecanismo extremamente complexo a uma relação simples de causalidade, desconhecendo-se, contra o ensinamento dos factos e da ciência económica, que nesta matéria causas e efeitos são de tal modo interdependentes que, se muitas vezes é o volume monetário que determina a alta dos preços, outras vezes são os preços que impelem a moeda.
O equívoco está no asserto de que só a circulação de notas influi no nível dos preços e na proposição implícita de que os depósitos bancários constituem moeda esterilizada ou poder de compra neutralizado.
A verdade é, porém, que estes depósitos actuam, sob a forma de moeda escriturai, sobre os índices dos preços, designadamente dos preços por grosso, e, através deles, sobro os preços de retalho o sobre o custo da vida.
Esta influência, que já aliás Fisher admitia na sua famosa equação das trocas, podo apreciar-se no movimento das câmaras de compensação.
Em 1939 compensaram-se 885:000 documentos, no valor de 9.558:000 contos; em 1945 esses números elevaram-se, respectivamente, a 1.564:000 documentos o 32.084:000 contos.
Por outro Indo, a actual posição dos bancos, traduzida na proporção da reserva-caixa para os depósitos, é de tal forma sólida que não carece de qualquer reforço para manter o actual nível de crédito ou proporcioná-lo, em medida adequada, às necessidades da economia.
Os números que seguem são de um significado iniludível.

[Ver tabela na Imagem]

Quer isto, porém, dizer que os receios manifestados pelo Sr. Dr. Pacheco de Amorim, quanto à conversão da circulação potencial em real sejam inteiramente inconsistentes e que não deva estar-se atento ao movimento das responsabilidades à vista do banco emissor?
Numa conferência recente que fiz no Porta exprimi também as aninhas inquietações a esse respeito e considerei aquelas responsabilidades «como um perigo virtual para a estabilidade dos preços».
Efectivamente, se os depósitos à ordem no Banco do Portugal não destinados a investimentos económicos ou à renovação de stocks e equipamentos fossem levantados e se precipitassem sobre o mercado do consumo, a consequência seria uma grave perturbação no nível geral do» preços.
Esse perigo é posto em relevo por Kenneth Boulding nos seguintes termos:

Durante a guerra o público dispõe-se fàcilmente a aceitar sacrifícios e submete-se a toda a espécie ti e restrições de consumo; mas terminado o conflito este estado de espírito muda e começa o perigo da inflação. O clima do après-guerre não é feito de abnegação e de ascetismo; torna-se egoísta e é naturalmente inclinada a despesas exageradas. A população, fatigada de provações e de lágrimas, procura obter a recompensa dos seus sofrimentos. Os trabalhadores reclamam salários mais elevados; as pessoas abastadas utilizam as suas reservas em consumos desordenadas; o sistema fiscal tende a subverter-se e tudo isto agrava os elementos de inflação que já existiam, anteriormente (Economia de Paix, 1946, p. 32).

Este risco de um movimento inflacionista provocado pela alta dos consumos é acentuado também num livro que já citei - Le Passage de l'Economie de Guerra à l'Economie de Paix -, onde, a p. 48, se observa que a libertação da procura, longamente comprimida durante a guerra, se não for objecto de uma regulamentação minuciosa, pode constituir um factor de desequilíbrio e ter graves repercussões indirectas, por intermédio dos preços.
As mesmas apreensões se traduzem nos tratados económicas - Gaetan Pirou, La Monnaie, p. 481 -, nos trabalhos das comissões internacionais - La Stabilté Economique dans le Monde d'Après-Guerre p. 202 e seguintes -, e nos relatórios dos institutos e crédito, nomeadamente no 16.° rapport do Banque des Règlements Internationaux, onde, a pp. 48 e seguintes, se descrevem as tendências inflacionistas ulteriores à guerra e se aconselham os métodos a utilizar para prevenir ou atenuar os seus efeitos.
O problema não é também desconhecido do Governo, que no relatório das contas públicas de 1944 aponta a necessidade de se restringir a utilização do poder de compra em potência e de se manter a satisfação de necessidades como forma de se evitar o ritmo ascensional dos preços para além das causas que originariamente o determinaram.