28 DE FEVEREIRO DE 1947 679
Coube a Fisher o privilégio de ter sintetizado o pensamento quantitativista nas fórmulas mais brilhantes da sua evolução doutrinária, dando-lhe, ao mesmo tempo, uma elasticidade que lhe permite explicar muitos factos atinentes às relações entre a moeda e os preços que não tinham explicação fácil na primitiva concepção mecânica e rígida da mesma doutrina.
Apesar da forma atraente o sugestiva como Fisher expôs os seus pontos de vista, não faltou logo quem negasse o valor dos seus elementos de correcção. Fisher não precisava o conceito nem explicava o sentido do que antendia por período de transição. Por outro lado, dizia-se que a estatística só dá a conhecer o volume da moeda, não existindo sem uma documentação fragmentária para o cálculo da velocidade da circulação, sobretudo no que respeita à moeda escriturai.
O Frof. Baudin concluía um interessante estado sobre esse elemento essencial na equação de Fisher dizendo que o factor velocidade de circulação, apesar de todas
as investigações até agora realizadas, continua um pouco misterioso e serve, muitas vezes, de Deus ex machina para explicar um movimento de preços que nada justifica.
Apesar de tudo, a doutrina quantitativa, na sua essência, sujeita a maiores ou menores elementos de correcção, ganhou grande número de adeptos. E continuou a ter também opositores de nomeada. Entre estes podemos citar o Prof. Jean Lescure, que considera as altas e baixas dos preços fenómenos extramonetários, e o conhecido economista italiano Loria. que num artigo publicado ma Revue Economique International, intitulado «A superstição monetária», afirma que as causas das alterações dos preços não devem ser procuradas no círculo sedutor mas superficial dos factos monetários, mas sim nas relações da produção e da repartição das riquezas.
Nesta discussão entre partidários e opositores da doutrina quantitativa os economistas da escola austríaca - e alguns são dos mais notáveis do nosso tempo - mantiveram um princípio ecléctico, segundo o qual nas investigações sobre as alterações do valor aquisitivo da moeda se devem distinguir duas categorias de determinantes da relação de troca que une o dinheiro aos outros bens económicos: aquelas que exercem a sua influência do lado monetário da relação e aquelas que actuam do lado da mercadoria.
Doutrinas monetárias bem recentes são as do rendimento (revenu), a de Nogaro, a desse grande espírito que os seus compatriotas elevaram quase às culminâncias
do génio e que foi Keynes.
É muito difícil tomar posição em problema tão controvertido e relativamente ao qual não chegaram ainda a acordo os mestres mais eminentes da Economia Política.
Um ilustre economista inglês contemporâneo, depois de fazer referência às principais doutrinas sobre as relações entre a moeda e os preços, pôde escrever com acerto, mas talvez com certo cepticismo: «Não se pode dizer que se haja dito a última palavra sobre este tema; o futuro trará, sem dúvida, novas aclarações, embora seja lógico esperar, por outro lado, a aparição de novos problemas e que a teoria atinja gradualmente uma maior complexidade, em vez de oferecer uma solução simples e geral dos fenómenos monetários».
Keynes havia escrito já a sua Teoria Geral. Julgávamos, francamente, que nesta matéria se tivesse atingido o limite do complexo e do abstracto ... . Vejamos agora os factos:
Em 31 de Dezembro de 1939 o total das notas em circulação era de 2.050:000 contos. Em 31 de Dezembro de 1940 estava em 8.165:000 contos, ou seja um aumento de 220 por cento.
Os depósitos dos particulares nos bancos, caixas económicas e companhias de crédito subiram de 5.095:000 para 19.411:000 contos em idêntico período.
Nos depósitos há que distinguir os depósitos reais daqueles que resultam do simples exercício da função bancária, e que consistem no conjunto das somas lançadas nas escritas dos bancos e nas contas dos seus clientes a crédito destes, sem uma entrega efectiva de notas. Um autor inglês definiu o fenómeno, duma maneira geral, dizendo loans make deposits (os empréstimos originam depósitos). Vejamos a relação entre a circulação e os preços: O índice ponderado do custo da alimentação e de outros produtos do consumo doméstico em Lisboa acusava em 31 de Dezembro de 1945 os seguintes aumentos, relativamente a 31 de Dezembro de 1939 (base 100):
Alimentação ............. 198,0
Combustíveis, iluminação e higiene .... 154,4
índice total.............. 190,5
Quer isto dizer que enquanto a circulação monetária propriamente dita tinha, grosso modo, triplicado, os preços haviam duplicado apenas. Os preços não acompanharam, assim, o aumento da circulação. Ficaram muito aquém desta.
- A alta de preços foi a resultante de diversos factores. Entre eles está, evidentemente, um maior poder de compra resultante do aumento de rendimentos de grande número de actividades e de indivíduos e que a balança de pagamentos expressivamente traduz. E entre esse conjunto de motivos e de determinantes estão também, a par de uma maior procura, a falta de bens de produção e do consumo que fossem uma contrapartida desse maior poder de compra, e ainda razões de ordem psicológica e especulativa de todos conhecidas.
Mas sobre os preços internos pesou sobretudo o aumento de custo de muitos produtos essenciais à nossa economia e que tínhamos de comprar lá fora numa altura que não era a mais apropriada para regatearmos com o vendedor ...
Em 1939, ano da declaração da guerra, vejamos? quais foram os onze produtos de maior valia na nossa importação. Digo onze, e não dez, para incluir o trigo, que nesse ano vinha precisamente em décimo primeiro lugar entre os valores da nossa importação.
Temos em primeiro lugar o carvão, no valor de 194:000 contos. A seguir vêm o ferro ou aço em bruto, com 129:000 coutos, o algodão, com 103:000 contos, os óleos minerais, também com 103:000 contos, o bacalhau, com 89:000 contos, o açúcar, com 86:000 contos, as máquinas industriais, com 65:000 contos, oleaginosas, com 54:000 contos, a folha de Flandres, com 37:000 contos, o milho, com 14:000 contos, e, finalmente, o trigo, com 11:000 contos.
Em 1945, ano da cessação das hostilidades, aqueles onze produtos não ocupavam o mesmo lugar na escala de valores das mercadorias importadas. O trigo, entre elas, tomara então o primeiro lugar, com um valor de 516:000 contos. Vinham depois o carvão, com 303:000 contos, os óleos minerais, com 272:000 contos, as oleaginosas, com 157:000 contos, o açúcar, com 123:000 contos, o ferro ou aço em bruto, com 113:000 contos, as máquinas industriais, com 111:000 contos, a folha de Flandres, com 87:000 contos, o bacalhau, com 82:000 contos, e o milho, com 67:000 contos.
Comparemos agora os valores unitários, por quilograma, destas mercadorias entre 1939 e 1945, tal como constam das nossas estatísticas de importação.
Neste lapso de tempo deu-se nos grandes centros da produção mundial uma alta considerável de preços. Assim, por exemplo, a cotação do trigo subiu de 1939 para 1945 nos Estados Unidos da América do Norte de 32 para 56 dólares, com tendência para subir sempre. O bacalhau da Terra Nova, que em 1939 custava 26,5 xelins por quintal (C. I. F.), passou a custar em