728 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 96
Se houvesse, simultaneamente, inflação e abundância de géneros no mercado, poderia por acaso a curva da inflação coincidir com a curva dos preços?
A este respeito, uma dona de casa responder-nos-á que chegou batata americana, que por sinal é doce, e que as mulheres gostam muito de doces, menos quando são de batata.
Escusaremos de explicar-lhe que na América, país que é exemplo de inflação, há géneros, como a batata, cujos preços, devido à abundância, baixam catastroficamente, apesar do volume crescente de notas. A dona de casa, indiferente aos fenómenos económicos, responderá.: ainda bem!
Qualquer economista explicará facilmente que é mais difícil manter-se a baixa de um género isolado do que de um conjunto de géneros.
Quando um só género abunda e é barato, o seu consumo virá a aumentar, porque passa a servir de sucedâneo a outros mais raros ou mais caros.
Conclui-se daqui que, se a abundância do mercadorias for geral, a tendência dos preços será para a baixa, mesmo em períodos de inflação monetária. A baixa de preços pode reduzir a inflação, por menores necessidades de moeda. Inversamente, a alta de preços pode aumentar a inflação.
Interessa isto, porventura, no cavador, ao mecânico, à dona de casa, ao grande público? Não.
Os nossos estudos e as nossas deduções somente serão para eles de utilidade verdadeira se apontarmos remédios e, principalmente, só demonstrarmos praticamente que tais remédios curam os males de que a população está sofrendo. Pelo que tenho ouvido lá fora, eis a reacção do público perante o debate financeiro.
A população portuguesa espera que elevemos o sou nível de vida; que o melhoremos, em vez do deixá-lo piorar. Fede que existam géneros o que os trabalhadores ganhem o dinheiro bastante para comprar esses géneros. E é isso que o povo espera de nós.
Se resolvermos rapidamente os problemas de equilíbrio de vencimentos e de abastecimento público, poderemos ter a certeza de que ninguém nos agradecerá, porque toda a gente pedirá mais e melhor. Mas se nada resolvermos, estejamos certos de que toda a gente nos amaldiçoará.
Pelo exposto, verifica-se que, embora divirja de algumas opiniões suas, concordo com muito do que afirmou aqui o Sr. Deputado Pacheco de Amorim. Digo-o sem preocupar-me com consequências, por forma desapaixonada, porque exprimo sinceramente o meu pensar.
Essa concordância transparece na parte final da moção que tive a honra de apresentar ao juízo da Câmara.
Concordo igualmente com muito do que afirmou o Deputado Sr. Bustorff da Silva, nos seus altos e justos elogios às grandes realizações financeiras do Estado Novo, na sua censura implacável e irrespondível ao caos anterior ao 28 de Maio, e nas críticas explícitas e implícitas que proferiu acerca do que nos falta realizar.
Sem desdouro para nenhum dos outros ilustres Deputados que intervieram no debate, procurarei naturalmente referir-mo em especial aos dois autores, um directo, outro indirecto, desta discussão devassadora, completa, livro e luminosa que aqui se tem realizado sobre a situação financeira do País.
Verdadeiro duelo de gigantes, este que se travou entre o professor Pacheco de Amorim e o Deputado Bustorff da Silva! Se medito no que ambos afirmaram em louvor dos Governos, concluo que o segundo foi mais concludente que o primeiro. Mas, na censura, qual deles terá sido mais violento ? «Entre lês deux, mon coeur balance!».
Necessito citar um passo do discurso do Prof. Sr. Pacheco de Amorim, para justificação da alínea b) da moção que apresentei, alínea na qual se diz que a inflação actual é precisamente o oposto da inflação anterior - a que chamarei democrática.
O próprio Prof. Pacheco de Amorim concordará com esta verdade. A nossa inflação tem contrapartida de valores positivos. Foi proveniente da acumulação sucessiva de reservas. Representa o indicio, o sintoma, a demonstração e a consequência da entrada em Portugal de ouro e cambiais que a compensaram ou, mesmo, ultracompensaram.
O público não ignora que, do começo da guerra pura cá, a proporção das reservas-ouro relativamente às notas em circulação foi melhorando ou aumentando constantemente. Os saldos positivos da balança comercial e da balança económica, provocados quer por excesso das exportações sobre as importações, quer pêlos envios do dinheiro que se acolheu a Portugal, deram-nos situação de desafogo que suponho nunca ter sido atingida na nossa história económico-financeira.
Nenhuma emissão de notas se realizou para empréstimo ao Estado. Nenhuma foi feita sem que o Banco de Portugal recebesse a garantia correspondente em ouro, cambiais ou créditos no exterior, que podem considerar-se como tal.
Tal cuidado existiu na concessão desses créditos que, de todas as nações beligerantes, só restou a dívida britânica, assegurada quer quanto ao respectivo valor ouro, quer quanto à sua liquidação integral.
Se pode chamar-se crise à existência de grandes bens reais, digamos então que a inflação vigente constitui «crise de excesso de riqueza», mas a outra, a democrática, foi pura e simplesmente a bancarrota. (Apoiados).
A actual, representativa de fortíssimas reservas, garante a execução da nossa renovação económica. A anterior significava a ruína do Estado e, consequentemente, da Nação. Coisas perfeitamente opostas podem produzir efeitos iguais? Nunca!
Por efeito da inflação democrática, vimos os homens de Estado dessa época forçados a mendigar, dentro da sua própria terra ou no estrangeiro, o pão financeiro de cada dia.
Triste modo de vida! Deve comparar-se ao do homem que, por ter amealhado como a formiga da parábola, possui direito a responder com desprezo à cigarra, que canta muito mas nunca trabalhou? Não!
Durante a guerra, sem o mais pequeno risco, emprestámos 80 milhões de libras precisamente ao mesmo pais que, há vinte e sete anos, nos considerava insolventes porque lhe devíamos 22 milhões esterlinos.
Também neste capítulo se inverteram as posições.
Assim, não receamos concluir que as duas inflações são completamente opostas, nas causas e em muitos efeitos.
Julgo que ninguém de boa fé pode divergir desta afirmação o muito menos o Prof. Pacheco de Amorim, porque é, a par de cientista, homem de boa fé.
Estou de acordo com o Sr. Deputado Bustorff da Silva nas possibilidades maravilhosas deste país.
Com o nosso desafogo financeiro e as nossas disponibilidades oficiais e particulares, criámos o ponto de apoio que Arquimedes necessitava para levantar a Terra, e que nós utilizaremos para levantar Portugal. Temos a alavanca da nossa técnica. Possuímos a força da dedicação e da doutrina.
Saberemos realizar a tarefa maravilhosa que S. Ex.ª deseja. Ao anunciá-la, o Deputado Sr. Bustorff da Silva foi o intérprete, não só do sentimento desta Assembleia, mas da vontade unânime do País. O Estado Novo cumprirá o mandato recebido.
Sentimos o que podemos e podemos o que sentimos.
Quanto às dificuldades económicas, qual a solução a adoptar?
Tantas, tantas, nos vêm sendo apresentadas!