730 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 96
De resto, que vantagem em trazer-vos críticas, muitas criticas, da minha parte, se nenhuma seria mais violenta que as dos oradores precedentes? Se eu as expusesse agora, poderia alegar em minha defesa a atitude historicamente conhecida da velha guarda de Napoleão, dos bravos grognards, que nunca o abandonaram.
Nas marchas penosas para o inimigo, nas vésperas de operações importantes e até entre n s alegrias e os ócios do descanso, andavam sempre a protestar. Quem não conhecesse a vida interna da velha guarda e os ouvisse falar, supô-la-ia um corpo de soldados indisciplinados, espiritual e materialmente inimigos do seu chefe, capazes de todas as revoltas, prontos para todos os crimes. Nunca perdiam a oportunidade de uma crítica e quantas vezes realizavam criticas injustas! Mas os velhos e anónimos grognards, embora aparentemente indisciplinados, foram maiores no heroísmo, na fidelidade e no sacrifício que muitos grandes homens desse tempo!
Porque?
Porque, chegado o instante decisivo, em que ora preciso jogar a vida para que o Chefe triunfasse, ou quando se exigia tudo pela pátria, já não apareciam criticas. Então, a velha guarda morria no sen posto, morria para além do seu posto, porque morria a conquistar a posição inimiga, sublime, abnegada, indiferente àquilo que se passava na sua retaguarda, indiferente às intrigas dos políticos, indiferente às intrigas dentro do próprio exército. No dia em que Napoleão caiu verticalmente, abandonado pelos seus marechais, entre os quais se contou o próprio Ney - bravo dos bravos -, e traído pelos políticos, como Talleyrand e Fouché, a velha guarda quebrou raivosa as espingardas, e nos rostos curtidos dos seus homens correram lágrimas sinceras.
A minha critica será sempre a- crítica útil, a crítica dos homens sempre fiéis da velha guarda, muito embora eu não possua direito a apresentar-me como representante ou como símbolo desses lutadores heróicos. Entretanto, por isso que, antes de feita por mim, foi realizada nesta Assembleia pelos oradores antecedentes, eu, se porventura quisesse fazer criticas, seria, quando muito, um pobre imitador.
Vozes: - Não apoiado!
O Orador: - Se eu, triste c fraco David...
Vozes: - Não apoiado!
O Orador: - Se eu, repito, triste e fraco David neste duelo de gigantes, não tivesse a sorte de, logo à primeira, acertar em cheio com uma pedra da minha funda, que seria de mim?
Escondo as pedras e escondo a funda, no receio de ser esmagado.
Nas críticas, limito-me a dar homem por mim. Vou responder a um grande orador com as palavras de um grande orador; à dedução brilhante da defesa com a dedução brilhante do ataque. E, para que não se diga que ponho homens de um partido contra homens de outro partido, ou me utilizo de dois adversários pessoais, ponho, de um lado e do outro, o mesmo homem a falar: Bustorff da Silva contra Bustorff da Silva.
O seu discurso foi maravilhoso, claro, brilhante e verdadeiro. Merece o aplauso entusiástico de todos nós (apoiados). Nele se encontra, por isso mesmo, a defesa da parte final da moção quo tive a honra de apresentar à consideração de V. Ex.ª, visto quo tudo quanto nela se deseja, que não esteja realizado até hoje, constitui anseio não satisfeito e, portanto, crítica.
Mas, simultaneamente, representa manifestação do confiança, pois conhecemos os motivos por que não se fez e confiamos que o futuro no-lo traga a breve trecho.
Podemos confiar, porque as faltas o demoras do passado constituem a base de experiência indispensável para não se reincidir nelas.
O Sr. Dr. Bustorff da Silva, cujo discurso passo a analisar, disse-nos a propósito da falta de mercadorias: «Não está demonstrado que fosse possível obter esses stocks nas nossas colónias; no caso afirmativo, os meios do transporte de que podíamos dispor teriam sido praticamente insuficientes; e, ainda que removidos por hipótese, não possuíamos nenhuma das instalações indispensáveis para conservar os stocks libertos dos riscos do deterioração durante tão largo espaço de tempo.
Indiscutível que a exigência de navicerts nem sempre consentiu obter esses stocks das nossas colónias; indiscutível que o pensamento, talvez errado, de quo tais existências no nosso País seriam como o mel que atraísse as moscas vindas de além-Pirenéus, pensamento dominante dos beligerantes antifascistas, nem sempre permitiu criar tais existências. Indiscutível que os meios de transportes nacionais de que podíamos dispor teriam sido praticamente insuficientes. Indiscutível que os nossos portos metropolitanos e coloniais não possuíam as instalações necessárias para armazenamento. Afora a imposição do navicerts (de que não temos culpa, por ser da responsabilidade dos condutores de uma guerra que tinha como lema a liberdade dos povos e a liberdade dos mares), imposição perante a qual tínhamos quo ceder, como o fizeram outras nações muito mais fortes do que nós, todas as carências apontadas provieram do não termos realizado oportunamente a política do apetrechamento económico quo se está começando agora.
Se faltavam barcos nacionais, porque nem som pré se aproveitaram os meios de transporte estrangeiros que nos foram oferecidos?
Se não possuíamos nos portos as instalações indispensáveis (e só agora as estamos construindo no porto de Lisboa), devemos reconhecer ter havido atraso na realização. Reconhecê-lo constitui crítica severa.
Outra declaração do Deputado Sr. Bustorff da Silva:
«As colónias acudir-nos-ão com recíproca vantagem para os nacionais de aquém o além-mar». Ninguém lhe negará justíssima razão. Mas interrogo: fez-se sempre isto? A mais próxima de todas as nossas colónias, refiro-me a S. Tomé, não vendou durante a guerra quase todas as suas oleaginosas para Espanha o outros países estrangeiros, num momento em quo carecíamos absolutamente delas?
Além da Guiné o do Angola, nenhuma outra colónia portuguesa contribuiu durante a guerra de forma valiosa e efectiva para o abastecimento da metrópole em géneros alimentícios.
Mas fez a metrópole algum sacrifício polo abastecimento das colónias que não fosse exportar para lá a preço altíssimo as mercadorias metropolitanas? Não! Por consequência - estamos pagos ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - A colónia de Moçambique abasteceu a metrópole pelo monos com grande quantidade de algodão.
O Orador: - Perfeitamente verdadeiro. Mas reparo V. Ex.ª que, conforme anunciei, todas as minhas observações são feitas sob o ponto de vista das donas do casa.
As mulheres já não gostam do algodão. Hoje preferem a soda, mesmo que seja artificial... (risos).
Posso dispensar-mo de lazer blague, porque, felizmente, a política de produção algodoeira colonial foi felicíssima. Graças a Deus, deu-nos matéria-prima que permitiu o abastecimento completo da indústria da metrópole. Assim como critico, também elogio quando há razão para isso. Verdade seja que a política de pré-