14 DE MARÇO DE 1947 858-(3)
mente possível valorizar certos solos com culturas que anteriormente não eram permitidas (vicie Prof. Botelho da Costa, Apontamentos de Agroloyia, p. 206). no entanto, se a carta de aptidão pode desvanecer o rigor, não deve, por sua vez, desconhecer o traçado da carta agrológica, a que se sobrepôs.
III
Prossigamos, no entanto, no nosso propósito de definir o que seja uma carta de solos, distinguindo-a de uma carta agrícola.
Se uma carta de solos conduz em linha recta e coincide com a respectiva carta agrológica, nenhuma espécie de similitude pode existir no traçado de qualquer dessas cartas quando referido a uma carta agrícola.
É que se trata de espécies essencialmente heterogéneas. Uma carta, de solos apura unidades de terreno delimitadas pela identidade de características próprias e de onde resulta a sua diferenciada aptidão cultural. É a expressão cartográfica, caso por caso, das condições e possibilidades de cada uma dessas unidades. Quer dizer, a determinação da sua utilização ou do que se deve fazer.
Uma carta agrícola é a mera representação cartográfica das culturas tais como existem, sem qualquer relação com o que se deva ou não deva realizar.
Tires razões - de estrutura, de utilidade e de permanência - distinguem nitidamente as duas espécies de cartas.
A carta de solos desvenda os segredos da terra. A carta agrícola limita-se a reproduzir a cobertura cultural existente.
A carta de solos passa desde logo a ser a orientadora do aproveitamento e defesa da terra. Se assim nos podemos exprimir, é... a sua carta constitucional. A carta agrícola é, quando muito, um índice quantitativo de trabalho nacional. Ou, se quiserem, antes: enquanto uma funciona como barómetro das culturas adequadas, a outra é indiferente a qualquer noção de acerto ou desacerto cultural.
Finalmente, a carta do solos leni um carácter duradouro, porque se refere às qualidades persistentes do solo, ao passo que a carta agrícola não tem qualquer permanência garantida, dada a extrema variabilidade das culturas. A carta agrícola regista os cultivos existentes no momento da sua elaboração. Pode dizer-se mesmo que, ao ser publicada, dada a demora na sua edição, cada carta agrícola se arrisca mesmo muito a ser, como diria Pirandelo, a reprodução de uma outra verdade.
IV
Sem perder o sentido das proporções - este parecer nunca poderia tomar a aparência de uni compêndio de pedologia - e sem de algum modo pretender dar ideia do complexo de trabalhos que pressupõe a elaboração de uma carta de solos, julgamos de interesse, para se ter uma noção pelo menos aproximada do que seja a magnitude do problema, chamar a atenção para três dos seus principais aspectos técnicos:
a) A noção pedológica de solo, base da cartografia respectiva;
b) A índole e diversidade de operações ligadas à factura de uma carta de solos;
c) A adopção da escala.
d) Sem nos determos nas usuais explanações de um tratado de pedologia, determinaremos deste modo a diferença existente entre o que se entende por solo agrícola e o que vem a ser o solo, no seu sentido pedológico.
A expressão solo agrícola é vulgarmente usada para designar a camada mais superficial de terreno, ordinàriamente atingida pêlos trabalhos de lavoura e em que principalmente se desenvolvem as raízes das plantas cultivadas, dando-se o nome de subsolo à camada em que assenta.
Solo, no sentido pedológico, poderá definir-se, seguindo Marbut, como «a camada externa da crosta terrestre ao alcance das forças que influenciam, regulam ou desenvolvem a vida orgânica».
De um modo sumário pode dizer-se que para a diferenciação das unidades ou séries da carta de solos foram contribuindo ao longo do tempo os seguintes factores predominantes:
a) A heterogeneidade da própria litosfera;
b) A acção climática, que desde a era geológica provocou as dilatações e contracções que fendilharam o material;
c) A acção das chuvas, carregadas de anidrido carbónico, que foram dissolvendo de maneira desigual as diversas substâncias;
d) Numerosos factores (como exposição, relevo, calor, frescura, condições de drenagem, etc.), que, pouco a pouco, engendraram uma cobertura ou crosta de meteorização, de composição heterogénea e espessura irregular, mais própria já ao desenvolvimento da vegetação que nesta altura a tem invadido, distribuindo-se de acordo com as suas preferências;
e) A formação do solo, que desde então passou a ritmo mais acelerado, devida sobretudo à acção dos seres vivos, com o desenvolvimento da macro e microflora, com a acumulação de detritos orgânicos, a sua subsequente transformação, e a interacção de todos estes factos e do meio mineral originário;
f) Finalmente, a própria acção do homem, como agente modificador, que interveio por sua vez, produzindo alterações profundas no estado natural, pela degradação agropédica dos solos, a formação da erosão em maior ou menor escala, etc.
Uma carta de solos é a representação do solo no sentido pedológico ida palavra, quer dizer: o solo considerado como um corpo natural, formado pelas forças naturais em jogo num determinado ponto da crosta terrestre (conceito de Dokutchaiev). E fácil compreender, nestas condições, como o estudo a bem dizer integral do solo - e só esse estudo - pode dar bases definitivas à arte do seu melhor aproveitamento. A delimitação de cada uma das suas unidades ou séries tem assim um carácter de satisfatória segurança.
V
B) A elaboração de uma carta de solos supõe três ordens predominantes de trabalhos:
1) Os chamados trabalhos de campo. - A sua principal função é a determinação dos perfis, ou seja uma secção vertical praticada no terreno desde a superfície até ao material a partir do qual o solo se forma. E a maneira de conhecer os «horizontes», ou seja as camadas sucessivas que se foram irregularmente formando, diferenciando e sobrepondo à medida que, sob a acção dos vários factores (climáticos, biológicos, morfológicos), o solo, no sentido pedológico da palavra, se foi, como dissemos, constituindo através dos tempos. Do desenvolvimento do perfil resultará em cada caso o respectivo conhecimento do solo. Está aqui o ponto de partida e a chave de toda a investigação, ou seja a base para a determinação de cada unidade ou séries.
1 «O solo agrícola - escreve o Prof. Botelho da Costa (Apontamentos de Agrologia, p. 12) - pode coincidir aproximadamente com o horizonte superficial, mais ou menos modificado pela cultura, ser apenas parte dele ou ainda ser formado pela mistura, provocada pelo homem, de vários horizontes. Pode também su-