954 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 108
que quase não se sente. Não descerá a pormenores mesquinhos.
Cito muitas vezes como exemplo flagrante da economia dirigida, quase sem ninguém o sentir, a direcção da moeda.
O Sr. Águedo de Oliveira: - E é.
O Orador: - Agradeço muito a V. Exa a sua confirmação.
Através do valor da moeda o Estado intervém decisivamente na economia, mas, por se tratar dum método indirecto, quase ninguém se apercebe da intervenção.
Ora essa o outras fórmulas de intervenção indirecta têm precisamente o condão de evitar a invasão da empresa privada pelo Estado e de simplificar os serviços. Quando, em vez delas, os burocratas utilizam métodos directos, o corporativismo surge-nos logo como a melhor defesa contra a tendência viciosa da economia dirigida de se meter nos pormenores da vida de cada qual.
Mas para isso deve estar isento de espirito de subordinação, embora animado da melhor vontade de colaborar.
Posta a questão nestes termos, que papel fica à economia autodirigida? Pensamos que a economia autodirigida constituirá o escalão imediato da economia dirigida, porque uma não dispensa a outra. A segunda é o complemento inferior ou médio da primeira. A economia autodirigida dominará quando muito um produto ou grupo de produtos.
Enquanto que a coordenação superior, directa ou indirecta (de preferência indirecta) pertence ao Estado, a coordenação autodirigida pertence à corporação, sob condirão de ela não se afastar dos interesses nacionais. Necessitamos que estes se encontrem acautelados, sem nos deixarmos dominar por ilusões, porque os homens são todos muito bons, são todos muito simpáticos, mas nas corporações antigas e modernas, estrangeiras ou nacionais, existiram e existirão sempre possibilidades de abuso que é indispensável dominar. Impeçamos que o grémio se transforme em cartel ou pluripólio, em vez de servir os interesses gerais. E impeçamo-lo de intervir excessivamente na vida das empresas privadas. Não substituamos a tirania burocrática pela ... «autotirania»!
Apoiados.
Já disse, e é verdade, que a direcção da economia será tanto melhor quanto menos a sentirmos.
Se aplicarmos este princípio à planificação da economia em todos os seus escalões, a execução dos serviços será facilitada e simplificada.
No estudo dos métodos de execução comecei pêlos conceitos de economia dirigida e autodirigida. Vou referir-me agora a processos de trabalho (centralização, coordenação de pormenor e coordenação no escalão superior) e aos homens que escolheram entre esses métodos.
Cabe aqui recordar a primeira máxima do livro alemão orientador das «empresas-modelos»:
«O verdadeiro chefe de indústria deve dar a toda a gente a impressão de nada ter que fazer».
Isto significa, por outras palavras: quem se prender com trabalho material não terá tempo para coordenar a orientação. Nas grandes casas, e em muitas médias, se o chefe se perder em pormenores, acabará por abandonar assuntos principais.
Pelo contrário, liberto de papelada, de problemas secundários e de coisas importunas, o chefe da indústria ficará em condições de pensar e dirigir com firmeza.
Quanto aos subordinados, obrigados a possuir iniciativa, trabalharão mais rápida e proficuamente.
Adoptou-se este método em Portugal?
Não. Na maior parte dos casos confundiu-se direcção, orientação ou coordenação com centralização.
Recorreu-se à centralização demasiada, que ou representou carência de colaboradores ou significou desconfiança acerca desses colaboradores.
Não chego a saber o que faltou mais: se confiança nos homens, se homens de confiança. Estes teriam aparecido e colaborado se não os desanimassem com o tratamento recebido, unias vezes filho da inveja, outras do terror do «diz-se».
Seja qual for o sistema económico, os homens tom importância primacial: no capitalismo há, no mesmo ramo de indústria, empresas prósperas e empresas falidas. No regime de economia dirigida encontramos comissões reguladoras óptimas, como a do comércio do bacalhau, que pode servir de modelo de previdência e progresso, o. outras francamente opressivas dos produtores; vemos também indústrias ricas e indústrias miseráveis. No regime corporativista há sindicatos bons e maus, raras Casas do Povo óptimas e quase todas péssimas - a par das Casas dos Pescadores, excelentes.
Donde se vê que o homem, o animador, ó quase tudo.
À falta de homens, por não se querer encontrá-los, foi-se para a coordenação de pormenor, em vez de se ir para a coordenação em plano superior. Porque o tempo não podia chegar para tudo, apesar de um trabalho exaustivo, era inevitável dar-se primazia a determinados organismos ou assuntos, abandonando mais ou menos os restantes.
As resoluções demoravam, os males, as carências e demais assuntos andavam sempre à espera de que houvesse oportunidade para estudar a solução, os colaboradores ora viam passar semanas e meses sem conseguirem despacho, ora eram forçados a trabalhar de afogadilho quando impossível esperar mais.
Tal qual o grande chefe de indústria, o Ministro da Economia, logo que montada a máquina o orgânica», deve dar a impressão de nada ter que fazer. Isto não significa que possa estar sempre a banhos ou nas termas.
Os seus colaboradores serão bastantes e suficientemente bons para a execução material e para a actuação corrente, ou diária, dentro dos limites concedidos pela coordenação ministerial.
A centralização excessiva e a coordenação de pormenor acabam por esgotar os chefes e originam a paralisação de actividades.
Mas haveria os homens que o método descentralizador exige?
Julgo que sim. Simplesmente, não puderam actuar. O grande mal não foi a desonestidade, que nos quadros oficiais só raramente se notou, mas o receio da desonestidade e o horror às responsabilidades.
Não dependo de ninguém, não preciso agradar a ninguém e não temo concluir que, salvo poucas excepções, os homens não podiam fazer mais do que aquilo que efectivamente fizeram.
Isto apesar de muitos haverem sido mal escolhidos sob o ponto de vista técnico, porque se receou apelar para os competentes e experimentados das indústrias, do comércio e da agricultura.
Um caso de força maior -a guerra-, complicado com a dispersão de serviços, as lutas de interesses ou de competência de repartições, e a falta de coordenação, que sem dúvida existiram, colheu os organismos na sua fase inicial e impediu que os homens desempenhassem mais utilmente a missão recebida.
Se quisermos fazer acusações, não as dirijamos a um único indivíduo, ou a uma única organização, mas sim a nós próprios, portugueses, que ainda não estamos familiarizados com métodos racionais. E há muita gente, habituada a trabalhar com vagarosa cautela, que confunde dinamismo com precipitação.
Temos o costume de exigir tantos papéis, tantos cuidados, tanta minudência, que acabamos por nos perder