21 DE MARÇO DE 1947 953
tantemente a berrar contra os grémios, julgam atacar o corporativismo e atacam exactamente a sua antítese. Por consequência, são corporativistas sem o saberem...
Risos.
Porque não sabem estudar seja o que for, esses senhores, enganaram-se no rótulo do continente.
Émulos de D. Quijote na cavalgada contra os moinhos de vento, combatem como se fosse corporativismo uma coisa que nunca o foi e que, repito, constitui claramente o contrário de corporativismo.
Por isso a doutrina surge intacta deste debate. Verifica se que os erros não lhe pertencem, mas sim a outros sistemas que ela própria condena.
Fica dito o indispensável acerca do desvio nas missões superiores, consequentes à criação e funcionamento dos chamados organismos de coordenação económica. Vejamos agora o desvio nas missões primárias ou elementares : os grémios e sindicatos nacionais.
É indiscutível que neste País existem grémios e sindicatos a funcionar maravilhosamente. Todos aqueles que, por força das circunstâncias ou por verdadeira capacidade dos dirigentes, não quiseram intervir de forma excessiva nas actividades particulares e defenderam as liberdades e iniciativas individuais desempenharam verdadeiramente o seu papel.
O desvio de função na «orgânica» de grémios e sindicatos nacionais mistura-só frequentemente com erros de «actuação», tornando-se quási impossível discriminar se aquele desvio funcional foi causa ou efeito destes erros de actuação.
Exemplificando:
Todos aqueles que só subordinaram ao Estado, para além da legitimidade da subordinação, procederam mal. Erro de orgânica ou do actuação? Do legislador ou do dirigente corporativo?
E pior procederam aqueles que, em vez de zelarem o interesse do público ou dos agremiados, defenderam os interesses das suas direcções; que em vez de contribuírem para a melhoria das condições de vida do consumidor, abusaram da força excepcional que em má hora lhes foi entregue, a pretexto da guerra. Todos esses, como, indicando um paradoxo, muito bem disse o Sr. Dr. Mário de Figueiredo, por desvio da função, comprometeram a organização...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas não fui eu quem disse; foi a comissão...
O Orador: - Não enjeite a paternidade...
Risos.
É desvio da função subordinar-se ao Estado, em vez de cooperar com ele, defendendo os agremiados; é também desvio da função abusar dos poderes que lhe foram confiados e aproveitá-los para uso das direcções ou dos amigos das direcções; é ainda desvio da função aceitar missões comerciais, embora impostas pela guerra e pelo Estado. Por errada concepção económico-social, houve grémios que nas barbas da fiscalização oficial se transformaram em «cartéis», suprimindo a concorrência entre associados e promovendo lucros ilegítimos, obtidos à custa do interesse geral. Num país em que já não se admitem monopólios, certos grémios criaram a forma moderna do piuripólio. Todos estes, barreiras fechadas à liberdade de iniciativa e à racionalização, necessitam normalização imediata.
No entanto, interroguemo-nos: por acaso, seria missão corporativa aquela que lhes entregaram? Temos de responder francamente: não.
Houve desvios de função nitidamente provocados pelo Estado e houve, não menos nitidamente, aproveitamento de pessoas que não estavam preparadas para o exercício de cargos directivos. Disso tratarei quando falar dos
homens e da execução. Mas, vamos com Deus, é justo que se diga desde já que, na maior parte dos casos, as direcções que erraram foram substituídas por comissões administrativas. Está certo.
Também algumas vezes foram demitidas aquelas que, perfeitamente dentro da lei corporativa, protestaram contra o intervencionismo exagerado dos burocratas.
Não está certo.
Quanto à doutrina intacta e quanto à orgânica imperfeita, já dei opinião. Analisemos agora a execução, isto é, a actuação de governantes e governados. E procuremos as origens dos males.
Andam a apresentar-se nesta contradita político-económica a que assistimos todos os dias três concepções da economia. Uns preferem a economia liberal, outros a dirigida o certo número de pessoas falam numa coisa a que chamam economia autodirigida.
Tenho andado, de há anos para cá, como Diógenes, de candeia acesa, a percorrer os países do Mundo que se rotulam de liberais, à procura da economia liberal.
Conforme toda a gente sabe, o país mais democrático do Mundo, e que portanto merece os maiores elogios dos liberais, 100 por cento, é a Rússia...
Risos.
Estudei através de muitos livros, e de conversas com várias pessoas, as doutrinas económicas russas, a orgânica antiga e actual e os métodos de execução.
E embora a Rússia seja tão bom modelo de democracia que pretendo conquistar o Mundo para si própria em nome dessa mesma democracia-não foi difícil descobrir que não existe lá a mais ligeira sombra de economia liberal.
Vejamos se esta aparece pura nas outras democracias, que são precisamente o inverso da russa.
Na América, com o seu new decd, na Inglaterra, com o seu governo conservador, o de coligação nacional e o trabalhista, encontrámos intervenção constante do Estado na economia. Nos outros países passa-se igual. Aparece em todos eles a intervenção, que quase não se sente, tipo «direcção de moeda». Outras vezes revela-se através do proteccionismo de certos decretos; outras ainda mostram-se no avultado número de organismos coordenadores, que logo à nascença contêm o micróbio do socialismo de Estado. Por mais que busquemos, não encontramos nenhum país liberal onde não haja economia dirigida. Dirigida apenas no plano superior ou comandada também no pormenor, é dirigida sempre. Eis os factos. Não os discuto. Ninguém pode negá-los.
Ao reconhecer-se hoje a necessidade de relações entre os Estados para a troca de mercadorias, para a fixação ou estabilização dos valores da moeda, para a garantia dos transportes e para tantas coisas mais, não podemos afastar-nos da inviabilidade da economia dirigida. Não a disfarcemos sob outras designações. Não lhe chamemos liberal. E também não a digamos auto dirigida, porque isso produzirá confusão e poderá determinar ambições nos dirigentes corporativos, expressas na tendência de subirem de conselheiros técnicos a mentores dos governos.
A economia dirigida num plano superior é função dos governantes. Não deve chamar-se-lhe, imprecisamente, economia autodirigida, porque, em plano superior ou de orientação geral, esta só pode ser imprimida pelo Estado. Nunca surgirá automaticamente das relações entre as corporações, ou das ideias individuais dos dirigentes das corporações, embora, ouvidas umas e outros, deva resultar sempre do choque de opiniões e da harmonização- dos interesses, e não do arbítrio ministerial.
Admitamos o fenómeno, admitamo-lo como impossível de o evitar, e, logo de entrada, procuremos encontrar para ele a correcção devida: a meu ver, o Estado não deve afastar-se do plano superior, isto é, daquela direcção