956 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.9 108
protegê-las por meio da muralha da China, contra a qual é inevitável protestar. Ninguém esqueça o exemplo histórico da Revolução Francesa. O seu móbil político simbolizou-se no ataque a uma espécie do Tarrafal desse tempo, que era a Bastilha, dentro da qual os ingénuos «libertadores», no dia 14 de Julho, encontraram apenas quatro presos sem importância...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Tal qual como o Tarrafal agora.
O Orador: - A verdade histórica mostra-nos que o regime de opressão contra o qual se fez a Revolução Francesa era menos de natureza política que de natureza económica.
As corporações haviam-se desviado do seu papel e impediam o progresso social, por não darem lugar aos novos.
A Revolução Francesa, para destruir o exagero, caiu no exagero oposto.
Apareceu-lhe como justo exactamente o invés do sistema corporativo e suprimiu radicalmente o direito de associação, que só bastante mais tarde veio a ser restabelecido.
Apesar dos bons desejos de muitos ignorantes, entre nós não irá passar-se a mesma coisa, porque não o permitiremos. Não emendaremos alguns erros por meio de erros ainda maiores.
For isso, Sr. Presidente, tentemos evitar todas as causas de protesto. Apesar da propaganda injusta, ou só justa em certos casos, que nos acusa de consentirmos monopólios e pluripólios, na realidade somos contra eles. Só por culpa de poucos homens e de vários erros de método o vício pôde aparecer, e nalguns ramos florescer e... frutificar. Por consequência, há que corrigir os exageros de condicionamento, quer provenham do Estado, quer das corporações.
Resta-me analisar, sob ponto de vista exclusivamente pessoal, a posição da comissão de inquérito perante toda esta série de problemas, e também as da mesma comissão de inquérito perante a Nação, perante a Assembleia e perante o Governo.
Certos sectores do País pedem demagogicamente que lhes indiquemos os culpados dos a grandes crimes que se diz terem sido cometidos.
Já perguntei aqui uma vez: existem muitos culpados? Quem os apontou? Não foram enviados centos deles aos tribunais? Onde param os restantes? Como adquirir provas quando tudo se limita a e diz-se» ou a simples indícios ?
Quanto a pessoas, indícios e só indícios, digo bem. Estão referidos nos relatórios. E acerca deles seguir-se-á o caminho natural das coisas: averiguação e envio à jurisdição competente, nuns casos, disciplinar, noutros criminal, quando a investigação resulte. Mas é preciso que expliquemos ao País o que realizámos. Um julgamento? Não. Um inquérito policial? Muito menos. Um inquérito político? Sim. Um inquérito corporativo? Sem dúvida. Um inquérito económico? Principalmente. Não somos juizes. Não invadimos as atribuições de outrem.
É também evidente que não realizámos nem podíamos realizar um inquérito policial; nem ele interessava ao País, porque para isso já existem, além das várias policias e da fiscalização da Intendência Geral dos Abastecimentos, as inspecções do Conselho Técnico Corporativo, as sindicâncias ordenadas pelo Governo e ainda outras formas de conhecer faltas ou crimes.
É claro que, por efeito do nosso inquérito, veio parar-nos às mãos um certo número de queixas relativas a delitos ou supostos delitos, que transmitimos ou transmitiremos às entidades competentes. Mas, na realidade, não era esse objectivo policial o que pretendíamos atingir. Desejámos muito mais, e muito mais importante.
O quê? Uma coisa que nunca se fez em qualquer situação política: a revisão técnica, honesta, corajosa e profunda daquilo que durante os últimos anos se passou no sector económico. E esse estudo geral foi realizado, doesse a quem doesse, para conhecermos as causas dos males económicos e encontrarmos o remédio respectivo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Que mais interessa ao País?
Entregarmos-lhe duas ou três cabeças de criminosos ou darmos solução aos problemas económicos, de maneira a quo todos vivam melhor?
Se fôssemos demagogos, optaríamos pelo método usado nessa sublime democracia que eu amo sobre todas as coisas - a Rússia. Na Rússia, quando um plano económico não dá resultado, o Governo, em vez de confessar o erro, arranja um bodo expiatório, acusa esse bode de sabotagem económica, promove um julgamento soleníssimo, condena o bodo e fuzila-o ou dá-lhe um tiro na nuca. Em seguida afirma quo o sistema está intacto e que a orgânica está também intacta. A culpa fora apenas de certos elementos de actuação, homens miseráveis que traíram, e por isso mereceram punição exemplar.
Tudo continua como dantes, excepção feita do número de covais nos cemitérios, mas o povo fica satisfeito com o «Paizinho», porque lhes entregou uma cabeça de responsável ou de pseudo responsável.
Em vez de estudar problemas, é sempre mais fácil apontar um ou mais homens como criadores de todas as misérias. Mas quase nunca ó verdadeiro.
Não pretendemos, nem podíamos pretender, coisa semelhante. Não buscamos desculpas nem subterfúgios. Buscamos remédios.
Realizámos um inquérito económico, e um inquérito» corporativo. Supomos ter definido as causas dalguns males e nas conclusões do nosso relatório julgamos ter encontrado os remédios. Encontrámo-los? Não os encontrámos?
A Assembleia julgará!
Afinal, perante a Assembleia Nacional, somos as únicas pessoas que vão ser julgadas, pois vimos pedir para os nossos actos a sanção de V. Ex.ªs, se porventura a merecermos. Para que bem nos julguem, há que verificar que não adoptámos o elogio sistemático dos aduladores, nem a condenação também sistemática que usam as oposições.
Nuns casos a comissão de inquérito foi completamente radical. Atirou-se aos erros com a mesma coragem que S. Jorge aos mouros. Noutros entendeu haver atenuantes. Noutros admitiu as dirimentes. Mas sempre decidiu sem olhar a pessoas ou a situações políticas, e apenas de harmonia com a nossa própria consciência.
Mas serão justas as soluções que apresentámos? Estou convencido de que acabaremos por não agradar a ninguém. No dizer de alguns, seremos excessivos. No de outros, benevolentes ou imprecisos. E, para muitos homens nulos, não passaremos de zeros.
Como exemplo desta impossibilidade de agrado, permitam V. Ex.ª que lhes conte um pequeno episódio do inquérito.
Ia passado o dia em que terminara o prazo de entrega das queixas e reclamações. Eis senão quando, dos píncaros mais altos do Olimpo, iluminados pela luz vermelha do sol oriental, uma comissão delegada de Júpiter omnipotente mandou-nos pelo centurião da guarda uma nota combinatória:
«Salvé, ó comissão de inquérito! Esperámos precisamente que terminassem todos os prazos de queixa para vos dizer o seguinte :
«Somos portadores das verdades eternas. Sabemos quanto se passou e quanto vai passar se. Mas como aque-