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950 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 108

modo. O que vou dizer poderia intitular-se: «O corporativismo visto por um homem prático e desapaixonado».
Julgo desnecessário pedir atenção para a importância vital e decisiva do debate em que andamos empenhados.
Consumidores, produtores, comerciantes, políticos, apoliticos, trabalhadores manuais, funcionários do Estado, servidores dos organismos de coordenação económica e das instituições corporativas -Todo o País, enfim- põem os olhos em nós, aguardando com maior ou menor ansiedade as decisões da Assembleia. Aquilo que resolvermos marcará a orientação futura da economia nacional. Portanto, interessando fundamentalmente ao progresso e ao prestígio do Estado Novo, interessa às forças vivas da Nação.
Muita gente considera, apaixonadamente, que este debate sobreleva quantos até aqui temos realizado.
Na análise dos acontecimentos económicos, na crítica dos homens e na apresentação de soluções, os portugueses encontram-se profundamente divididos. A verdadeira unanimidade de opiniões somente pode ir buscar-se a uma aspiração comum a todos os homens ... e mulheres : pagar menos e cobrar mais.
Risos.
Como conseguir o milagre? O ramo de ciência que descobriu esta nova pedra filosofal chama-se «racionalização da produção e distribuição».
Os meios menos perigosos de sistematizar a racionalização, melhorando os salários e barateando os produtos, sem produzir crise de desemprego nem arruinar as industrias já instaladas, são o «corporativismo» e o «condicionamento industrial».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dentro desta concepção racionalista, corporativismo e condicionamento industrial não significam limitação exagerada das iniciativas, nem proibição de instalações novas, nem cartéis, nem trusts, nem monopólios, nem defesa parasitária de instalações antiquadas. Na vida agrícola, industrial e comercial, quem não melhorar as suas instalações, quem não as modernizar cientificamente, quem não tender para produzir barato e bom deve ser condenado naturalmente ao desaparecimento. Lugar aos mais competentes! Lugar aos mais dinâmicos! Lugar aos que melhor sirvam os interesses dos seus trabalhadores e dos consumidores!
Criemos condições de vida a quem quiser progredir; convençamos os retrógrados e abandonemos os teimosos à sua sorte, porque o Mundo não pára na sua marcha progressiva.
Adepto da racionalização, apóstolo do corporativismo e intérprete do único condicionamento legítimo, acuso todos aqueles que do corporativismo e do condicionamento querem fazer o contrário de racionalização. (Apoiados). Por outras palavras: em vez de um regime parasitário, servido por parasitas, para beneficiar parasitas protegidos, o corporativismo e o condicionamento devem constituir fontes de progresso e incitamentos constantes à melhoria das condições de produção e de trabalho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Salvo excepções raras e honrosas, conseguiram-se até aqui esses resultados ? Respondo francamente: não!
Porquê? Culpa da doutrina? Culpa do sistema ou da orgânica? Culpa dos homens? Caso de força maior proveniente da guerra e da seca, catástrofes que tudo desculpam? È o que vamos ver.
Para isso comecemos por abrir os olhos de quem anda apostado em confundir tudo.
Na vida económica portuguesa há que distinguir:
1.º Ministério da Economia, com as subdivisões conhecidas, que são, entre outras, o Subsecretariado de Estado da Agricultura, o Subsecretariado de Estado do Comércio e Indústria, o Conselho Técnico Corporativo, a Intendência Geral dos Abastecimentos e os organismos de coordenação económica, tipo comissão reguladora.
2.º Ministérios das Finanças, das Colónias, das Comunicações, da Marinha e das Obras Públicas. Este último também intervém de forma importante na vida económica porque, além do mais, nele se encontra o Comissariado do Desemprego. Quer pela acção das câmaras municipais, quer por virtude do artigo 409.º do Código Administrativo, é preciso ainda não esquecer o Ministério do Interior, que através dos governadores civis, administradores de concelho e autoridades policiais, exerce intervenções locais.
3.º Federações nacionais com funções comerciais.
4.º Organismos puramente corporativos, ou que deveriam ser puramente corporativos, tipo «sindicatos nacionais» para os trabalhadores, «ordens» para as profissões liberais, «grémios» para os lavradores, industriais e comerciantes.
5.º Organizações de protecção social, tipo «caixas de previdência» e t caixas de abono de família». Este enunciado, embora incompleto, demonstra a complexidade e variedade da orgânica. Prova também quão difícil será uniformizar critérios.
Tudo isto é englobado, pêlos ignorantes, na designação geral de grémios.
Se os géneros escasseiam, a culpa é dos grémios. Se são caros, a culpa é dos grémios. Se há «mercado negro», a culpa é dos grémios. Se carecemos de transportes, a culpa é dos grémios. E os pobres grémios, mesmo que não existam ou só funcionem como prolongamento das comissões reguladoras e do Estado, desviados da sua função doutrinária ou legal pela força das circunstâncias, são hoje os bodes expiatórios de tudo quanto se passa e não se passa em Portugal.
Como se generalizou esta noção errada, absurda, simplista e caluniosa em muitos casos?
Em primeiro lugar porque o público, -o chamado grande público - é, sob o ponto de vista de raciocínio, uma criança pequena. Os seus contactos, como lavrador, como consumidor e como comerciante, limitavam-se ao plano do grémio. Não iam mais além.
Em segundo lugar porque, como diz o relatório da comissão parlamentar de inquérito, certas actividades económicas privadas, para se desculparem perante uma clientela de mentalidade primária, invocavam sempre um único e grande responsável: o grémio.
O grémio! Entidade vaga, ora papão de crianças pequenas, ora cabeça de turco de ambições indesejáveis.
A coisa partiu, a meu ver, dos armazenistas e retalhistas de mercearia, que mais contactam com a população. Foram eles os autores directos ou indirectos da campanha, e não vale a pena apurar agora se a responsabilidade foi directa ou indirecta. Criado o estado de espírito, não tardou que fosse aproveitado por políticos de mentalidade igualmente primária. Alguns armazenistas desviavam os géneros ou demoravam o levantamento e diziam aos retalhistas que o grémio não lhos entregara. Certos retalhistas, depositários das senhas de racionamento dos agregados familiares que as donas de casa lhes confiavam, desviavam os géneros para o «mercado negro», reduziam as rações a sen talante ou atrasavam as entregas por «culpa dos grémios».
Quando a papelada a que os grémios eram obrigados dificultava as entregas, ou quando os géneros não eram distribuídos aos grémios, ou quando efectivamente não existiam, ou quando existiam e os organismos competentes do Estado os mantinham em reserva ou esque-