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946 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 108

teóricos mensais por cabeça, demo-nos ao luxo de queimar em Angola e Moçambique milhares de toneladas de sementes de algodão); que nos podiam, enfim, fornecer todos os alimentos de que essencialmente carecemos- e que algumas delas dificilmente satisfazem as necessidades do seu consumo.
O panorama é o mesmo relativamente às matérias-primas.
Desta desarrumação económica resulta natural, automaticamente, uma situação de preços, ainda agravada pela procura em épocas como a actual, que ora se põe contra o produtor colonial para proteger interesses instalados na metrópole, ora se eriça contra o consumidor metropolitano para defender os chamados direitos de uma multidão- de intermediários - desarrumação e tão desarrumada» que o milho da Argentina pode chegar ao Tejo a preço mais baixo do que sai do Lobito, e os produtos coloniais, pagos na origem ao produtor a preços irrisórios, saídos das colónias e entrados no Tejo ainda a preços acessíveis, chegam ao consumidor (quando chegam) a preços intoleráveis. O milho de Angola, pelo qual o produtor indígena recebe, teoricamente, entre $40 e $50, realmente entre $30 e $40, é pago pelas classes pobres que o consomem a l$80. Sofre entre o produtor e o consumidor uma elevação de quase 600 por cento. O café, que se vende em Lisboa, ao balcão, a 25$ cada quilograma, sai de Angola, das mãos do produtor, a pouco mais de 2$. E o mesmo acontece com o feijão, a carne, o arroz, etc. Entre o produtor e o consumidor -7 os extremos do sacrifício e sobre os quais pesam todos os amargores desta desarrumação - ou antes: contra o produtor e o consumidor forma-se uma escala inacreditável de encargos fiscais, de taxas, de despesas de transporte, de lucros de intermediários, etc., que sendo manifestação clara de descoordenação, só por si explicam a prosperidade afrontosa de certos indivíduos e a miséria pungente de muitos mais.
E não há um poder coordenador que se exerça, oriente e domine a economia dos produtos, desde que se produzem até que se consomem.
Atribuo aos desacertos deste mecanismo, funcionando com peças desarticuladas -e não é difícil prová-lo-, responsabilidades na situação de carência e nos amargores sofridos pela população com o nível que os preços atingiram, pelo menos, tão directas e pesadas como as que aqui se atribuíram à inflação da moeda. E não compreendo que não se tivesse considerado então, durante o debate acerca da política monetária, - a medida em que a coordenação económica entre a metrópole e as colónias teria contribuído para reduzir o excesso de meios de pagamento a que se atribui quase exclusivamente o custo da vida em Portugal. E lamento que a política, ou simplesmente medidas de deflação, nos tenham de conduzir nesta emergência a comprar no estrangeiro tantas mercadorias essenciais que as colónias nos poderiam fornecer - e quem sabe! - a cultivar também nas colónias um problema grave de inflação.
Estas considerações, ou antes, estes factos brevemente alinhados, demonstram, sem necessidade de ir mais além, que o sistema de coordenação económica gizado na esfera dos Ministérios das Colónias e Economia para os produtos coloniais não correspondeu às intenções.
Forque se constituiu organicamente errado?
Porque funcionou mal?
Por uma e outra razão.
Convém examinar as causas da sua incapacidade perante os objectivos essenciais, com o espírito de ver claro quanto a ideias de reforma - as causas orgânicas e as causas funcionais.
Sirvo-me para isso dos elementos fornecidos, em síntese, .pelo relatório da comissão e relatórios das secções
em que se organizou e de elementos que requeri e outros de meu conhecimento directo.
Pela ordem de importância, julgo que o sistema de coordenação económica instituído pelo Ministério das Colónias, e praticamente desarticulado do Ministério da Economia (primeiro erro grave de organização coordenadora), ficou muito aquém dos seus objectivos e foi muito além dos erros e pecados que, por insuficiência orgânica, poderia justificar, pêlos seguintes motivos:
1.º Falta a esse conjunto de organismos, criado com nítido espírito de improvisação, uma direcção económica de conjunto vigilante, competente e activa. Teoricamente essa acção é exercido pelo Ministro das Colónias. Praticamente nenhum Ministro das Colónias a poderá exercer directamente, nem dispondo de dias de quarenta e oito horas. Demais, uma acção directiva verdadeiramente coordenadora da economia dos produtos coloniais tem de exercer-se também para além das fronteiras do Ministério das Colónias. Se assim não acontecer, o problema pôr-se-á, de entrada, em termos que não podem deixar de o condenar a promover a desarticulação de dois sistemas de meios, que são, na verdade, indissociáveis e complementares. A economia dos produtos só poderá defender-se eficazmente, em proveito de todas as partes intervenientes e com o mínimo de prejuízo para todos, e naturalmente para o País, comandados que sejam sob o mesmo critério geral todos os fenómenos que a condicionam, desde os que informam a produção até aos que se referem ao consumo, isto é, desde que consigamos articular as operações de produção e exportação nas colónias com as operações de importação e distribuição nos mercados consumidores.
Não existe hoje uma direcção económica activa e constante sobre a economia geral dos produtos-e não existe também porque os Ministros têm muitos outros assuntos de que se ocupar e são mais que, exclusivamente, directores de sectores económicos em cada uma das partes desarticuladas: Ministério das 'Colónias e Ministério da Economia.
Só assim se explicam os absurdos verificados no desenvolvimento da economia do algodão, café, milho, trigo, etc., e até o agravamento constante dos preços, nem sempre justificável pelas dificuldades da hora presente: desorganização na produção, nas indústrias, no comércio, sem outros meios, de correcção que não sejam improvisações precipitadas sobre problemas de emergência.
A coordenação principia por faltar o poder coordenador.
2.º Porque os organismos são vários, muito diferentemente organizados, independentes como compartimentos estanques, e todavia exercendo actividades que não podem nem devem considerar-se separadamente.
Existe uma junta imperial de exportação do algodão colonial. Tem a sua sede na metrópole (distante demais dos centros de produção e exportação para os poder comandar eficientemente na metrópole), onde a direcção económica do produto deixa de pertencer-lhe, para ser praticamente exercida pela comissão reguladora dependente do Ministério da Economia.
Quer dizer: pelo afastamento dos centros de produção e exportação diminui consideravelmente a sua capacidade de comando e direcção e onde está deixa de dirigir. Cede aí lugar a outra direcção, a outros critérios, a outros interesses, que, sob o mesmo produto, se desligam da direcção, critérios e interesses anteriores.
Existe uma. junta imperial de exportação dos cereais, que, não exercendo também funções de comissão reguladora e não tendo praticamente outro campo de actividade que não seja Angola, afastou de Angola a sua direcção.