21 DE MARÇO DE 1947 941
E o que pesa profundamente na consciência da minha missão de Deputado é a necessidade de se reconhecer que o peso das soas enormes realizações excede em muito o peso de alguns desvios.
Não pode caber-me a mim -repito-, sob pena de ser réu do delito de premiar a obra em que afinal também coloquei um desajeitado- tijolo, não pode caber-me a missão de desenhar aqui o edifício construído.
Mas há pelo menos uma parte que tenho de pôr perante os olhos de V. Ex.ªs Com o ser Deputado da Nação como V. Ex.ªs, o não fazê-lo deixar-me-ia condenado em minha consciência.
Não aludirei a mais, mas isso terei de dizer.
Refiro-me, Sr. Presidente, aos efeitos sociais dos contratos colectivos de trabalho.
Não os quero considerar propriamente como instrumento jurídico da regulação de direitos e deveres. Isso ó a acção directa através daquilo que se fez, de que fala o relatório. Quero aludir a certos efeitos sociais, ou seja à acção indirecta através daquilo que ela tornou possível.
Em geral não se estima o beneficio da paz social proveniente desses contratos. Mas chega a parecer que a comissão também o não estimou.
Desde a celebração dos primeiros contratos colectivos, juntando-se cada vez mais aos anteriores, decorreram anos, e já não são poucos aqueles em que o País se viu livre das greves, que imobilizavam quase todas as suas actividades económicas e até os serviços públicos, e dos tumultos, que lhes faziam companhia fiel.
A luta de classes entre os patrões e os trabalhadores deu noutro tempo desassossego do público, perdas das empresas, inquietação das populações, aflições das mulheres, das mães e dos filhos, sangue, punições, ódios cada vez mais fundos, diminuição da autoridade, desprestígio dos Governos, empobrecimento da economia nacional, enfraquecimento do Estado.
Essa luta de classes foi substituída pela luta, esta desejável, no estudo e na realização das convenções do trabalho, em combates que não precisaram, para terreiro, de outro maior do que a área de um gabinete de trabalho.
E o País goza da paz social que emana de todas estas realizações, sem que se aperceba de que não era com a polícia que ela poderia ser construída.
Que o público ou mesmo o Pais, à força de sentir o benefício, já não dê pela sua origem ainda aceito. Que a Assembleia Nacional não o proclame não creio. Que a nossa comissão de inquérito não o tenha apontado como grande virtude do sistema e sua indiscutível realização não compreendo.
E mais do que tudo, não aceito por modo algum a concepção de que isto se tenha conseguido à força de um radicalismo fanático que impôs o primado do social sem estremecer perante a fraqueza da nossa indústria, do nosso comércio e da nossa agricultura.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença para um parêntese?
Eu gostava que V. Ex.ª esclarecesse, já não digo a comissão, mas a Assembleia sobre isto: se realmente não valerá mais esse radicalismo fanático do que a espécie actual de burocratização a que estamos a assistir ?
O Orador: - Disse há pouco a V. Ex.ª e repito: eu já vou fazer a esse respeito a minha profissão de fé.
Parece que a comissão ignora ou esquece que os contractos colectivos são assinados pêlos organismos representativos das actividades; que os acordos são assinados individualmente pelas entidades patronais que a eles querem sujeitar-se; que as comissões de estudo dos despachos de salários mínimos são constituídas por lei, com representação destas entidades e com representação, quase sempre na sua presidência, dos Ministérios económicos
respectivos, e que, mesmo assim, as disposições das comissões têm sofrido, antes de aprovadas, as correcções cautelosas impostas pêlos membros do Governo que as estudam, sancionam ou despacham e, depois de entrarem em vigor, as cautelas de aplicação das comissões arbitrais e dos tribunais de trabalho.
O Sr. Bustorff da Silva: - V. Ex.ª refere-se aos princípios consignados na lei ou à forma como muitas vezes são efectivados?
O Orador: - Refiro-me ao processo de ajustamento dos contratos e à fiscalização a que é sujeita a sua aplicação, tudo feito tendo em conta, entre o mais, o evitar tais radicalismos.
Muito havia u dizer a este respeito, mas o tempo não chega.
Parece que a comissão ignora que algumas convenções colectivas não estão celebradas, outras não foram alteradas e certos despachos de salários mínimos não foram proferidos por se ter verificado em estudos exaustivos que constam dos arquivos do Instituto Nacional do Trabalho a impossibilidade ou a inconveniência económica momentânea da sua aplicação.
Para findar esta parte do meu arrazoado, apenas uma declaração.
Não sei o que pensa a comissão acerca do primado do social em nosso tempo, nem tenho o direito de o saber.
Por mim declaro abertamente que o professo, mas não com os extremismos de acção que o relatório imputa aos do apostolado social. Eis a profissão de fé de que já falei.
E porque aqueles professam também a fé desse primado, agradeço à comissão, por eles e por mim, e agradeço ao sen presidente terem reconhecido a nossa sinceridade e a persistência da nossa vontade. Poucas vezes ouvimos um louvor. Em geral somos açoitados de uma banda e de outra.
O acharmos imerecidos alguns juízos da comissão de inquérito não nos impede, porém, de aceitarmos o magnífico espírito com que profere outros, os quais recolhemos como coisas preciosas no fundo dos nossos corações de crentes, missionários da justiça social.
Segue-se na parte do relatório em que pude tomar algumas notas o capítulo respeitante às Casas dos Pescadores e do Povo.
É reconfortante o que só diz relativamente às primeiras. Constitui o reconhecimento e a sanção da sua notável obra. Ainda bem que o principal operário, o comandante Tenreiro, se encontra nesta Assembleia, para aqui mesmo ter a consagração justa do seu mérito, do seu sacrifício e da sua fé de pioneiro da acção social junto dos pescadores.
Mas o acabo dos trabalhos está na parte referente às Casas do Povo.
A mesma generalidade excessiva quanto à verificação e atribuição dos defeitos e o mesmo pessimismo a resultar de tal generalidade.
Há que reconhecer, contudo, e com o relatório, que, de facto, um grande número de Casas do Povo não corresponde aos seus objectivos e que ó preciso vitalizá-las, como se diz agora, e impulsioná-las.
Levando uma vida vegetativa relativamente aos fins que deviam prosseguir e não prosseguem, porque, devendo ser fonte de acção espiritual, são apenas assim como que pequenas repartições burocráticas, essas mostraram-se até agora incapazes de seguir a magnífica ideia que as imaginou. Essas -direi- são muitas, mas não o maior número o estou longe de aceitar quo a sua identificação se faça. para o efeito, com um simples traço que divida o mapa do continente em duas regiões: a das Casas do Povo más e a das Casas do Povo aceitáveis.