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100 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 120

volta de todas as escolas crescia e medrava uma floração daninha de estabelecimentos de venda de vinho e outras bebidas alcoólicas, com os mais sérios perigos para a mocidade que as frequentava. Só a Escola Faria Guimarães estava rodeada de vinte e quatro daqueles estabelecimentos, numa área compreendida entre 50 e 100 metros. Aquele número era apenas o índice do que se passa em todo o País, pois por toda a parte se vêem escolas e quartéis cercados por uma cintura de tabernas, numa ameaça de asfixia. Quanto a distância a que devem situar-se mùtuamente, também a lei é expressa.
Mas recordemos apenas o Código Administrativo, que proíbe a instalação de novas tabernas, e verificamos que também aqui a lei é transgredida, porque as tabernas se multiplicam sem limite e em tal ritmo que localidades há em que a sua multiplicação ameaça findar numa continuidade sem solução. Uma tal indisciplina não contraria só a letra da lei, anula e defrauda as determinações do Poder Executivo. Já em 1941 a delegação do Instituto Nacional do Trabalho no Porto, talvez alarmada com a desordem que tal regime estava semeando no País, depois de ouvidos os organismos corporativos com interesses afins no comércio retalhista de vinhos e outras bebidas alcoólicas, levou ao Sr. Subsecretário de Estado das Corporações uma larga exposição do assunto, pedindo as providências que o caso reclamava. S. Ex.ª o Sr. Dr. Trigo de Negreiros, que ao tempo ocupava aquele lugar, estudou o assunto e lavrou um despacho no qual ordenava a criação de «lugares de reunião e meios de diversão onde os trabalhadores gastem o tempo disponível por forma aprazível, mas sem prejuízo da sua saúde, devendo antes pelo contrário valorizar-se física, moral e intelectualmente», e «transformar o horário de trabalho das tabernas e casas de pasto, de maneira que, estando abertas só durante as horas de trabalho, desapareçam ou se transformem em modestos restaurantes de trabalhadores». Era a solução criteriosa, eficiente.
Mas também esta determinação do Executivo ficou letra morta.
De tudo o que acabo de expor se pode concluir que é preciso que o dia de descanso da taberna coincida com o dia de descanso do trabalho - aliás o trabalho da taberna inutiliza e arruina o descanso e a saúde dos trabalhadores.
Esta desordem jurídica, esta ostensiva e impune transgressão de leis que importam a defesa e dignidade da pessoa humana, não podia deixar de produzir igual desordem moral. E assim foi.
O comércio de vinhos e outras bebidas:
II. - «É o mais poderoso factor da degenerescência da Raça, pelas funestas consequências físicas, morais e intelectuais que a chaga do alcoolismo, que promove e alimenta, está causando».
Na verdade: antes da primeira grande guerra atribuía-se, na Alemanha, ao álcool 70 por cento dos crimes julgados nos tribunais. Na Inglaterra essa percentagem subia para 75 a 80 por cento. Na Argentina 50 por cento dos crimes eram praticados sob a influência da embriaguez.
Na América do Norte, segundo uma estatística de Everestt, «em oitenta anos o álcool produziu os seguintes malefícios: fez desembolsar directamente 300 milhões de dólares e indirectamente 600 milhões; matou 300 mil homens; mandou para os asilos 100 mil crianças e para as prisões 150 mil pessoas; causou 2 mil suicídios; produziu a perda de 100 milhões de dólares por incêndio e violências: causou 220 mil viúvas e l milhão de órfãos».
Nós não possuímos estatísticas que nos permitam aferir com exactidão o índice dos malefícios que o álcool causa à população nacional.
Possuímos, porém, números claros, expressos, exactos, que nos permitem concluir que o actual regime de comércio retalhista de vinhos e outras bebidas alcoólicas produz um índice de criminalidade bem mais alto do que o expresso pelos números que acabo de indicar.
Existo no Instituto Nacional de Estatística um grupo de gráficos referentes aos criminosos que, entre 1885 e 1915, passaram pela Penitenciária de Lisboa, que na maior parte daquele período era a única prisão celular do País.
Perdeu-se, infelizmente, o relatório que os explicava e fornecia esclarecimentos preciosos acerca das causas que influíram na prática dos grandes crimes cometidos em Portugal naquele agitado período da nossa história.
Mas as ligeiras anotações do autor do inquérito, de que resultou a confecção dos referidos gráficos, permitem concluir que dois terços desses crimes foram cometidos nos meios furais, no sábado à noite e domingo, por influência das tabernas.
E quanto aos demais crimes? Já há anos que um distinto magistrado, dos que com mais energia, tenacidade e inteligência têm combatido o flagelo do álcool, me dizia que na sua comarca a quase totalidade dos crimes julgados no respectivo tribunal tinham como grande culpado a abertura das tabernas ao domingo. O facto não era esporádico nem isolado. Já se disse na imprensa e se repetiu nesta Assembleia, com verdade, que noutras comarcas do País se verifica o mesmo fenómeno: mais de 98 por cento dos crimes julgados nos nossos tribunais são cometidos ao domingo, na taberna, em redor da taberna ou por influência directa ou indirecta da taberna.
Numa das comarcas do centro do País os respectivos magistrados levaram mais longe esse estudo e verificaram com espanto que a quase totalidade dos crimes julgados no respectivo tribunal eram cometidos no sábado à noite e no domingo depois das 15 horas, na taberna, em redor dela ou por influência dela.
É evidente que os tribunais não julgam todos os crimes de que a abertura da taberna ao domingo é ocasião e causa; muitos outros, porventura, os mais graves, os que mais profunda influência exercem na degenerescência da Raça, não vão à barra do pretório, escapam ao veredicto dos tribunais: ficam ocultos no seio das famílias, e exprimem-se pelos conflitos conjugais, pela indisciplina dos lares, pelas separações dos cônjuges e pela fuga dos filhos, que vão engrossar acrescente vaga dos inadaptados e dos viciosos.
Ao lado destes, outros, que a justiça pública desconhece também, crescem e proliferam em proporções espantosas no seio do regime que estou combatendo, e também das mais funestas e dissolventes consequências.
Em toda a parte vivem em horrível e sinistra camaradagem o álcool, o jogo e a prostituição. É uma triste e lúgubre constante da história, filha da própria natureza dos três vícios que os excitam, estimulam e alimentam mùtuamente.
Pois esse tríduo sinistro encontra-se hoje instalado em numerosas tabernas do País e ali exerce a sua perturbadora acção numa intensidade pavorosa e numa projecção de que as autoridades parecem não dar conta, mas nem por isso menos profunda e dissolvente.
Numerosas dessas casas de comércio de vinho são hoje antecâmara da tavolagem e vestíbulo da prostituição, oferecendo por vezes o espectáculo arrepiante e hediondo da promiscuidade e da camaradagem de pais e filhos na prática dos mesmos vícios. Não é fácil obter números que me permitam avaliar com inteira exactidão a grandeza no volume e na extensão desses flagelos. Uma indicação elucidativa permite, porém, afirmar que o mal lavra fundo e largo: um dos governadores civis do continente, pressentindo a grandeza do mal, procurou diligentemente atalhá-lo até onde lhe fosse possível. Para isso organizou um serviço especial de fiscalização a esses