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98 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 120

Se o legislador condena o triste espectáculo - que é um escândalo aos olhos dos estrangeiros que nos visitam - do trabalho ao domingo na construção civil e até de operários do próprio Estado, pode permitir esse outro espectáculo do trabalho nas tabernas aos domingos, que é muito mais nefasto, tanto para a saúde daqueles que o exercem, como para a dos que as frequentam?

O Sr. França Vigon: - Apenas para um esclarecimento : na indústria o descanso é ao domingo - e para todo o País -, mesmo na indústria da construção civil.
Se V. Ex.ª encontrar alguém a trabalhar na construção civil ao domingo é porque se está transgredindo.
Quanto ao trabalho das estradas, que não é tècnicamente considerado construção civil, é um trabalho que não está ao abrigo das disposições do decreto n.° 24:402 e portanto o Instituto Nacional do Trabalho não pode exercer fiscalização no horário dos serviços do Estado, e o horário de trabalho depende aí dos serviços do Estado, excepto quando nos cadernos de encargos se inclua uma cláusula que torne esse trabalho dependente da fiscalização do Instituto.
Portanto, se V. Ex.ª encontrar trabalhando ao domingo homens ou mulheres nos trabalhos de estrada não pode remeter-se àquele decreto, mas se vir na construção civil alguém trabalhando ao domingo é porque se está transgredindo.
No comércio é diferente: o trabalho ao domingo depende de não ter sido determinado o descanso semanal nesse dia, o que depende das câmaras.

O Orador: - Agradeço o esclarecimento de V. Ex.ª, mas, sem quebra do respeito, declaro que ele não tem referência com o que estou dizendo. O que importa é verificar o facto; é às autoridades competentes que toca corrigi-lo.

O Sr. França Vigon: - É absolutamente verdade! V. Ex.ª vê trabalhar ao domingo na construção civil, mas em obras de estradas, onde o Instituto Nacional do Trabalho e Providência não tem de intervir.

O Orador: - Então pergunto: quem é o responsável no trabalho das estradas? Então o Governo, que legisla o descanso, semanal obrigatório ao domingo, consente que as suas leis sejam transgredidas nos seus próprios trabalhos?
A lei é taxativa nas excepções que estabelece; não cabe nelas esse trabalho ao domingo, nem o da construção civil, nem o de outros trabalhos importantes, como diz o relatório do decreto, querendo talvez referir-se ao trabalho das estradas.

O Sr. França Vigon: - Salvo erro, a disposição da lei diz «normalmente o descanso semanal é ao domingo».

O Orador: - A lei não fala em «normalmente». É categórica e clara, precisa, absoluta.
Eu digo a V. Ex.ª que esses trabalhos por esse País fora não são trabalhos excepcionais, nos termos que a lei prevê; e pergunto, pois, a V. Ex.ª se há para eles motivo fundamentado. Não há. Só tem uma explicação: o interesse ganancioso dos empreiteiros, que tantas vezes pagam os trabalhos com salários de escravos.
Quer V. Ex.ª ouvir? Aqui perto desta Casa, na Calçada da Estrela, estes dois olhos que a terra me há-de comer viram operários trabalhar durante domingos seguidos em remendos da calçada; durante a semana nunca se encontravam trabalhando.
O trabalho só se fazia ao domingo. É que não era urgente.
Com relação às estradas dá-se a mesma coisa.
Ora isto coloca mal o prestígio do Governo e afronta a consciência nacional.
Esta, Sr. Presidente, é que é a triste verdade.
Mas eu continuo.
Conclui o relatório do decreto em questão: «o que é necessário é pôr termo aos abusos nos horários de trabalho».
Como podia estar no ânimo do legislador ordenar o abuso que representa a abertura das tabernas ao domingo ?
Porque, se é um triste espectáculo o trabalho da construção civil, e um abuso, Sr. Presidente, acho ainda mais triste, muito mais triste, o espectáculo, o abuso de rapazes e até mulheres, não só servindo nas tabernas, mas entregues à prática de actos e exercendo funções que os nossos costumes condenam.
Isto é muito mais triste do que o outro espectáculo.

O Sr. França Vigon (interrompendo): - Ainda em transgressão!

O Orador: - Estamos de acordo.
Tomos uma legislação sadia, uma legislação magnífica, uma legislação eficiente, uma legislação construtiva, uma legislação que se considera capaz para assegurar a ordem e a tranquilidade do País; simplesmente, não se cumpre. É isto só o que estou a dizer à V. Ex.ª: que o comércio de vinhos e bebidas alcoólicas como está sendo exercido é contrário à lei.

O Sr. França Vigon: - V. Ex.ª dá-me licença?
Eu estou de acordo, mas quero dar a V. Ex.ª alguns elementos.
Se V. Ex.ª vê nas disposições legais que trabalhar fora das oito horas permitidas, ao domingo, alguém com o título de empregado ou empregada isso sucede em transgressão, eu asseguro a V. Ex.ª que para o evitar, já não digo na cidade, mas nas aldeias ou lugares escondidos da serra, é preciso um exército de fiscais do horário de trabalho.

O Orador: - Isso é outra coisa à parte.
Se eu disser a V. Ex.ª que houve interessados mercenários que me disseram: Sr. fulano: vai tratar na Assembleia Nacional do regime do comércio de vinhos o outras bebidas alcoólicas, pois não se esqueça de dizer: as firmas A, B e C obrigam o pessoal a trabalhar, começando por mim, que estou nessas condições, dezassete horas por dia. Defraudam a própria lei, pois não nos dão sequer o descanso a que temos direito, utilizam fórmulas falsas de turnos e empregados que não existem, obrigando-nos assim a trabalhar das 7 até à meia-noite.

O Sr. França Vigon: - Se V. Ex.ª consultar o registo do Instituto Nacional do Trabalho, pode ter a certeza absoluta de que encontrará os nomes desses estabelecimentos autuados dez vezes e mais.

O Orador: - Mas o que está em questão são os factos e nada mais; não falo agora sobre quem tem o encargo de os corrigir.

O Sr. França Vigon: - Mas será V. Ex.ª capaz de apresentar um sistema eficiente para resolver o problema da fiscalização do horário de trabalho de modo a evitar essas fraudes?

O Orador: - Não é isso o que está em causa; o que importa é corrigir aquele escândalo e estoutro do abuso da abertura ao domingo.