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19 DE MARÇO DE 1948 371

seu grau porque de nada serve escolher escrupulosamente os dirigentes, como tantas vezes vemos fazer, se as suas ordens e o seu pulso firme não forem secundados na engrenagem executiva por funcionários conscienciosos e devidamente habilitados.
Em última análise, conclui-se sempre que o rendimento social das obras e até os seus recursos financeiros dependerão, em grande parte, do pessoal que as servir.
Nos serviços de saúde e assistência, apesar de frequentemente se abrirem concursos para o preenchimento das vagas do seu quadro de funcionários, apesar de o Estado conceder bolsas e subsídios de estudo em número cada vez maior, apesar de ultimamente se terem aberto novas escolas e cursos de aperfeiçoamento para a formação do pessoal técnico especializado -um esforço digno de louvor e para o qual muito tem concorrido também a iniciativa particular -, a falta de pessoal com os conhecimentos indispensáveis a trabalhos dessa índole agrava-se dia a dia.
Os cursos de aperfeiçoamento para médicos tisiologistas e subdelegados de saúde, os estágios clínicos de assistência materno-infantil, os cursos de enfermagem geral da Escola Artur Ravara, os da escola técnica de enfermeiras do Instituto Português de Oncologia, os cursos de enfermagem especializada do Hospital Júlio de Matos (enfermagem psiquiátrica) e os do Instituto Maternal (enfermagem puericultora), além dos demais criados ao abrigo do decreto-lei n.º 36:219 de 10 de Abril de 1947, que reorganizou o ensino de enfermagem, as diplomadas pela escola de enfermagem do Instituto de S. Vicente de Paulo, as diplomadas pelo Instituto do Serviço Social de Lisboa e pela Escola Normal Social de Coimbra, as dos cursos de auxiliares sociais da Misericórdia de Lisboa, as visitadoras preparadas pelo Instituto Central de Higiene Dr. Ricardo Jorge, etc., contrariamente ao que parece por esta longa enumeração, não resolvem a falta de pessoal técnico que já se faz sentir nos serviços de saúde e assistência actualmente a funcionar.
Porquê?
Porque as condições de trabalho oferecidas às futuras diplomadas são deficientes, quer em vencimentos, quer nas instalações onde mais tarde hão-de ficar alojadas, porque têm a certeza de que, por falta de pessoal e com os horários e remunerações actualmente em vigor, há-de fatalmente ser-lhes exigido um trabalho extenuante e sem a devida compensação.
Às candidatas a enfermeiras assusta ainda a ideia de serem obrigadas a deixar os serviços hospitalares se vierem a casar e então preferem fazer um curso que de futuro e em qualquer estado e local lhes permita o exercício dessa profissão.
Alguns bons entusiasmos esfriam perante as exigências da admissão e até se perdem as melhores vocações por essas pessoas se desviarem para campos mais remuneradores.
Se não acudimos aos nossos serviços de saúde e assistência, e quem diz a estes diz também aos demais serviços públicos, remodelando as condições de prestação de trabalho e dando a cada um o salário justo e razoável, não tardará que se tenham de encerrar alguns por falta de quem os deseje servir!
Se o facto ainda não se verificou deve-se ao zelo e excepcional dedicação dos bons funcionários que ainda nos restam.
Diz o Sr. Deputado Araújo Correia a p. 79 do seu parecer:

A saúde num país é uma coisa séria, tanto no ponto de vista moral como económico. Não pode estar à mercê de contingências ou do acaso. Há possibilidades de com os recursos ao dispor dos organismos oficiais, produzir resultados bastante mais valiosos do que os actuais, e o Governo deve fazer todo o possível por extrair das verbas despendidas maior rendimento do que o que agora delas se extrai.
A questão está posta há muitos anos e necessita de ser resolvida. Não vale a pena reclamar mais dotações se elas não forem convenientemente aproveitadas. Fornecer mais camas aos hospitais sem melhorar o seu rendimento, alargar as dotações de outros serviços e correspondentes melhorias é aumentar a despesa pública, com pouco proveito para o Estado e para a comunidade se elas não forem convenientemente aproveitadas.
Concordo, mas devo dizer ao Sr. Deputado Araújo Correia e à Câmara que as dotações nunca poderão ser convenientemente aproveitadas, mesmo com a mais perfeita organização de serviços, enquanto praticamente não sairmos do círculo vicioso em que, de há anos para cá, se debate o problema do pessoal, problema grave sob dois aspectos intimamente encadeados, e que, de per si, também o não são menos: o aspecto técnico, que o Estado, como já disse, tem tentado resolver, e o aspecto de remuneração, para o qual chamo a atenção do Governo, por ainda sobre ele não se ter tomado qualquer deliberação.
Se estou em erro peço à Câmara, entre cujos membros se encontram distintos economistas, que me esclareça e que me diga quais são os valores positivos que na economia governamental podem contrabalançar os prejuízos de ordem clínica, material e até moral que sempre resultam de serviços mal equipados em pessoal.
Embora com subsídios eventuais, os quadros dos funcionários de saúde e de assistência ainda não têm os seus vencimentos actualizados e estes ficam muito aquém não digo dos vencimentos concedidos pelos particulares, mas dos que actualmente pagam, e muito bem, por exemplo, os correios o os organismos corporativos, o que continuamente gera uma corrente centrífuga dos quadros oficiais para os dessas entidades.
Evidentemente que se vão perdendo os melhores valores, pois são esses precisamente, como aliás é lógico, que ali encontram mais facilidade de colocação.
Pelos serviços vão ficando os mais idosos, os de medíocre saúde e habilitações, ou seja os de menor capacidade potencial, e esses mesmo e os bons que ainda por lá restam esgotam-se em trabalhos suplementares extra-oficiais, feitos depois do serviço que lhes incumbe, como que num segundo dia de trabalho, para alívio do qual alguns utilizam todas as faltas e licenças e outros comprometem para sempre a saúde.
A breve trecho surge a doença, segue-se a junta médica e a reforma, e o Estado perde mais um funcionário, perde mais um elemento útil, talvez até um valor, para assumir novos e pesados encargos.
Não pensem, porém, VV. Ex.ªs que este negro quadro é exclusivo de Portugal. Este ano, por ocasião de um congresso de assistência materno-infantil a que assisti em Inglaterra, tive a oportunidade de apreciar que, tanto nas discussões do congresso, como nas conversas havidas entre os vinte e seis delegados de países estrangeiros que então ali se encontravam, houve sempre um ponto para o qual convergiram a atenção e o maior interesse dos congressistas: a falta de pessoal, as dificuldades em o recrutar, a necessidade de o instruir e, sobretudo, de o pagar melhor - primeiro para o obter e depois para o conservar!
Talvez por uma questão de educação, as raparigas de hoje -em tudo equiparadas aos rapazes- preferem ter como eles uma vida mais livre e desertam das profissões