376 DIÁRIO DAS SESSÕES-N.º 138
parte do público pelas bebidas não fermentadas tendo por base o sumo de frutas.
Já era tradicional a avidez do povo pelo vinho doce, do qual se consomem muitas pipas por ocasião das pisadas, havendo toda a vantagem em não contrariar este uso, porque, não perturbando a saúde, constitui fonte de escoamento de grande parte das uvas das nossas vinhas.
No parecer sobre as contas públicas salienta-se a importância futura da cultura frutícola, sobretudo como elemento de exportação e, portanto, fonte apreciável de divisas para fazermos face aos elevados encargos da importação.
Estas tentativas de equilibrada cooperação da lavoura e indústria são de louvar e poderão ser coroadas de êxito desde que a matéria-prima de origem agrícola seja paga a preços compensadores e não se proponham aniquilar as instalações de menor vulto que a lavoura legitimamente já explore, ou pretenda explorar, para operações complementares do seu trabalho agrícola.
Sr. Presidente: de princípio ao fim, no parecer em questão salienta-se, como base essencial de continuação do nosso ressurgimento, o fomento de todas as fontes de produção.
Para isso, ao lado das considerações propriamente de ordem agrícola e industrial, salienta-se a indispensabilidade, não sómente de se acelerarem os grandes aproveitamentos hidroeléctricos em construção, mas fazem-se oportunas considerações sobre o potencial do rio Douro, que, mercê das notáveis características do seu grande caudal, em parte já regularizado, e da possibilidade da sua utilização para transportes fluviais, atendendo-se sobretudo à sua situação junto dos principais jazigos de ferro, deveria ter constituído a l.ª fase da política das grandes centrais hidroeléctricas.
A este respeito recordo que quando deixou o Poder o Governo de que eu fizera parte, em Julho de 1932, isto é, há quase dezasseis anos, tinha sido dada a concessão do Castelo de Bode, no Zêzere, e efectuara-se o concurso, que fora largamente concorrido, para o l.º troço do Douro nacional.
Tudo parou, para, finalmente, volvidos cerca de quinze anos, se iniciarem os trabalhos do Zêzere; e só agora se anuncia que o Douro, fulcro da nossa política hidroeléctrica, está a ser considerado pelos Poderes Públicos.
Mais vale tarde do que nunca...
Sr. Presidente: quanto haveria ainda a dizer sobre a extensa e fundamental matéria do parecer das contas públicas !
Mas vou concluir as minhas considerações abordando um tema sugerido por aquele diploma, quando, com muito fundamento, se alude à importância que para nós pode vir a ter o turismo.
De entre tantos aspectos desta fonte de recursos e de prestígio para o nosso País, eu, muito rapidamente, vou citar a caça e a pesca, que, podendo vir a contribuir de forma apreciável para a alimentação do nosso povo, proporciona a prática de desportos venatórios e piscatórios, actualmente muito em voga por todo o Mundo e, assim, capazes de atrair numerosos turistas.
No que respeita às espécies piscícolas, além do conveniente repovoamento dos nossos ribeiros, não sómente por espécies indígenas, mas por outras susceptíveis de aclimação, e ainda pelo regresso periódico das que, vivendo no mar, deixaram de visitar as nossas águas continentais porque as encontravam inquinadas ou repletas de obras que impediam a sua subida até às cabeceiras dos rios, para aí desovarem; no que respeita à fauna dos rios, vinha eu dizendo, já dispomos de albufeiras que podem vir a constituir zonas particularmente favoráveis ao seu desenvolvimento e à prática da pesca desportiva, como já sucede na Lagoa Comprida, da serra da Estrela.
A regularização dos caudais para produção de energia ou irrigação dos campos irá sucessivamente aumentando o número de albufeiras, que não deixarão de constituir elementos valiosos para a piscicultura, compensando desta forma e até certo ponto os prejuízos para a lavoura resultantes das inundações de vastas áreas de terras, muitas delas produtivas.
É bem de ver que todos aqueles esforços resultariam vãos se continuasse a praticar-se quase em liberdade, e geralmente com deplorável impunidade, a destruição das espécies cinegéticas, o envenenamento dos rios e, duma maneira geral, os assaltos às propriedades, as razias nas culturas e tantos outros desacatos que sobressaltam as populações rurais e tornam muito precários os resultados das culturas.
O ideal seria que tão deplorável sudário fosse desaparecendo mercê da educação do povo.
Mas, embora confiados em que a política da ordem, já afirmada em vários sectores da actividade nacional, não deixará de levar seus benefícios às zonas rurais onde ainda se praticam as depredações a que venho de aludir, a solução urgente e desde há muito solicitada é de eficaz policiamento rural.
Seria tema para largas considerações. Mas como não deve tardar a apreciação do meu projecto de lei, que visa a constituição de uma guarda rural, sem a exigência de pesado contributo à lavoura, ou verba orçamental, porque os fundos precisos devem sair do exercício da caça e da pesca e desportos conexos, bem como dos respectivos petrechos e munições, projecto que já foi apreciado pela Câmara Corporativa, que sobre ele elaborou o respectivo parecer, aguardo para essa oportunidade o desenvolvimento desta matéria importantíssima, sem a qual toda a exploração dos valores rurais seria precária e não encontraria a fé e entusiasmo indispensáveis à vitória em que todos os portugueses estão patrioticamente empenhados.
Disse.
Vozes:-Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Basto: -Sr. Presidente: a nossa ilustre colega que hoje usou em primeiro lugar a palavra na discussão do parecer das contas apresentadas à Câmara, tirou-me de certo modo da boca, como sói dizer-se, as palavras com que eu queria começar umas breves e rápidas considerações que me dispunha fazer, quando se referiu, como aliás acaba de fazer o Sr. Dr. Antunes Guimarães, à forma como é apresentado à Câmara este trabalho.
De facto, mais uma vez a Assembleia Nacional tem diante de si o parecer das contas públicas, agora relativo ao ano de 1946, elaborado, como os anteriores, com a calma objectividade e sereno, ponderado espírito crítico que tornam este documento um dos mais interessantes repositórios ida vida política do País. Por isso, antes de tocar em dois ou três pontos que num inevitavelmente rápido estudo deste trabalho me sugeriram, quero prestar justa homenagem à Comissão responsável pela sua preparação, e em especial ao seu relator.
Creio, de facto, não exagerar dizendo que de certo ânodo estes pareceres são expoente indicador da nova vida portuguesa dos últimos vinte anos. E que em breve mas criterioso exame, que traduz um esforço imenso, eles põem diante de todos e ao alcance de qualquer -pela sua clareza - o principal do que se vai passando