19 DE MARÇO DE 1948 377
na administração pública, realçando as vantagens ou inconvenientes duma ou outra orientação e fazendo que, facilmente, o «homem da rua» se dê conta do destino e utilização do que pagou ao Estado e da forma como as suas necessidades vão sendo satisfeitas em todos os campos.
Mas, porque assim é, estes relatórios deviam ser entregues com certa antecedência, direi com bastante tempo, de forma a permitir o seu merecido e cuidadoso estudo pela Assembleia, que assim melhor contribuiria para o estudo de todos os problemas neles versados. O atraso não é da culpa de V. Ex.ª, Sr. Presidente, nem da Comissão. Mas o inconveniente é manifesto, pois não é em três ou quatro dias que se pode, conscienciosamente e utilmente, estudar um documento desta natureza.
O primeiro comentário que eu desejava fazer refere-se à cobrança das receitas dos impostos. Li há dias num jornal, em grandes letras, que neste parecer se indicava que ainda neste ano de 1946 os lucros excepcionais de guerra haviam rendido 93:921 contos, o que fazia um total de 1.026:526 contos. Portanto dizia-se, com verdade, que este imposto rendera ao Estado mais de 1 milhão de contos. Mas o que se não dizia, mas diz o Anuário de Contribuições e Impostos relativo a 1946, é que o número médio de colectas de 1942 a 1945 foi inferior a 4:000. Os números exactos foram os seguintes:
1942.................. 4:243
1943.................. 3:272
1944.................. 3:982
1945.................. 3:873
Destes números parece poder tirar-se certas conclusões, oportunas de apontar, numa ocasião em que há justo motivo para se dizer, como se diz no parecer, que a carga tributária é já grande em certos casos, e se não pode, sem (prejuízo dos superiores interesses da economia -que é o nervo da Nação-, aumentar ainda a receita de certos impostos directos enquanto os indirectos devem ser olhados com certa desconfiança.
De facto, este número de menos de 4:000 colectas anuais foi absurdo: é evidente, a quem recorde com atenção os factos incontroversos de certa euforia que a guerra criou, que muito superior foi, decerto, o número de contribuintes cujo volume de transacções ultrapassou 20 por cento a média de 1937-1939, visto ser esta a definição, digamos, de um lucro de guerra.
Não foi, decerto, culpa do fisco nem daqueles que se prezam de cumprir os seus deveres para com o País. Mas os meios eram insuficientes e a fuga deu-se escandalosamente. Este imposto, na opinião de alguns, devia ter subido no total talvez ao dobro da cifra atingida. E, no entanto, muitos houve, provavelmente, gravosamente tributados.
Eu conheço casos de contribuintes que tiveram prejuízos de exploração e no entanto pagaram este imposto, o que foi outro absurdo. Que prova isto? Que houve, e há, má distribuição do imposto, e é para este grave mal que pretendo agora chamar aqui a atenção do Governo.
Longe de mim, quero dizê-lo bem alto, sugerir que há menos zelo ou insuficiente competência nos serviços a que cumpre esta ingrata missão. Bem ao contrário: eu sei o escrúpulo e preocupação que os anima, mas, por quaisquer motivos, alguns da responsabilidade dos próprios contribuintes, o serviço é imperfeito. Um dos males, por exemplo, é o que resulta do funcionamento das comissões no caso da contribuição industrial. Muitas vezes nem são nomeados os representantes das classes, outras vezes não aparecem quando convocados.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença para uma interrupção? Às vezes o que sucede é que vão lá mas ninguém faz caso do que eles dizem.
O Orador: - Já previa essa observação. Mas eu sei que têm sido tomadas medidas para que isso não aconteça. Mas, admitindo que acontece, é preciso pedir ao Sr. Ministro das Finanças que tome medidas para que a colaboração do contribuinte seja apreciada, útil, valiosa. O sistema não é perfeito, mas devemos fazer por melhorar a sua eficiência no interesse do Estado e do contribuinte.
Se há ainda qualquer motivo que justifique que a sua intervenção seja inútil deve esclarecer-se para que, pelo contrário, seja profícua e construtiva a sua colaboração. Se houver melhor e mais justa repartição talvez que as 368:000 colectas de 1946 -que hoje devem ser mais- rendam mais ao Estado, mas em qualquer caso haverá mais equidade na distribuição, e este, afinal, deve ser, e é, decerto, o desejo de todos.
Mas tal fim não se obtém sem uma mais íntima colaboração entre o fisco e o contribuinte, difícil de obter, mas não impossível de tentar. E, além desta, uma mais perfeita e atenta fiscalização e um melhor regime e sistema de informações.
Não fala o parecer nos encargos de previdência, o que é pena. Já há anos o fez, mas, por qualquer motivo, não voltou a encontrar-se neste documento esses elementos, hoje fundamentais, para apreciar o que afinal é ainda carga tributária do País. As receitas das caixas de previdência são hoje enormes, os fundos - dizem-me - excedem 1 milhão de contos, mas os benefícios em nada correspondem a este número. Não posso, nem pretendo, discutir nem o critério nem a orientação seguida nesta matéria. Mas julgo interpretar uma justa e generalizada preocupação ao exprimir o voto que, ou compreendido nestes pareceres ou em documento semelhante e detalhado, se diga anualmente ao País o como e o porquê. Repito: não discuto nem o princípio nem o propósito: a previdência e assistência impõem-se por si e não carecem, julgo eu, de defensores. Mas porque ao bastante- ou muito que paga ao Estado o contribuinte vê que se juntam estes encargos de que ainda não colhe benefícios correspondentes, é preciso, é necessário, é indispensável mesmo que à Assembleia se diga regularmente aquilo que o público deve saber. São já encargos pesados os que se pedem hoje aos contribuintes, sobretudo se atendermos aos condicionamentos e restrições que limitam muitas actividades e os custos de exploração. A todos acresce hoje importante tributo de previdência, que não exclui. nem desonera quem os paga da necessidade de remediar ou ajudar gente doente em vários graus. Não está certo que esta situação se não explique.
Desejaria agora referir-me, mais uma vez, ao assunto do ensino primário. O parecer é bastante explícito: houve reduzida frequência de alunos inscritos e é preciso tomar providências para remediar este mal. O gradual mas progressivo desenvolvimento do País, inspirado pela sua missão histórica, a que se não furta, não se compadece com a ainda terrível percentagem de analfabetos. A todo o custo há que levar os alunos às escolas, tornando estas higiénicas e acolhedoras. São esplêndidas as modernas, mas levará inevitavelmente muitas anos a concluir as planeadas, e no entanto o ensino faz-se muitas vezes em locais impróprios e que deviam melhorar-se sem prejuízo do plano. Os professores primários continuam com insuficiente preparação, sem vencimento suficiente, e a sugestão de um pequeno aumento de 3.000$ anuais merece carinhoso estudo. Estas, sim, são