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456 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 144

chega para pagarem as dividas contraídas por este motivo.
Chamamos a atenção do Governo para esta situação moralmente grave, pois resulta de um acto que no Catecismo se acha classificado entre os «pecados que bradam aos céus».
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Bustorff da Silva: - Sr. Presidente: em 9 do corrente mês foi publicado no Diário do Governo n.º 82, 1.º série, o decreto n.º 36:824. Quero apenas chamar a atenção do Governo para a inoportunidade dessa publicação, uma vez que se está discutindo nesta Assembleia a sua proposta referente às questões conexas com o problema da habitação, que abrangem a matéria a que o aludido decreto se refere.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Elucido à Assembleia de que o decreto a que se refere o Sr. Deputado Bustorff da Silva estabelece a forma para o reconhecimento da utilidade pública das expropriações requeridas por empresas que exploram indústrias de interesse nacional.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão, na generalidade, o projecto de lei do Sr. Deputado Sá Carneiro sobre inquilinato e a proposta de lei relativa às questões conexas com o problema da habitação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Correia.

O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: o assunto em discussão é de extrema magnitude, da maior gravidade moral e social. Há da minha parte, ao subir a esta tribuna para dele me ocupar, uma certa ousadia, visto eu estar longe de ser um técnico da jurisprudência.
Mas não entrarei em pormenores técnicos. Limitar-me-ei ao enunciado de alguns princípios, e faço-o obedecendo a um imperativo de consciência e certo de que me liga como cientista aos ilustres juristas que me escutam estreita afinidade de método e de processo, porque a lógica é só uma, o método científico é uno, havendo até íntima semelhança entre o raciocínio do jurista e o raciocínio do próprio matemático. Julgo que o melhor justa é aquele que sabe pôr em equação com nitidez e clareza o seu raciocínio, e isso aproxima-o naturalmente dos processos e da mentalidade dos matemáticos. A lógica, repito, é só uma. A verdade é a verdade.
Simplesmente, enquanto a Matemática é uma ciência exacta e rígida, o Direito sofre necessariamente uma evolução.
Ocupamo-nos da casa, do alojamento. A casa foi comparada já por Spengler, o autor famoso da Decadência do Ocidente, à concha dos moluscos, tão estreitamente ligada ela se encontra, na sua fisionomia e na sua função, com a própria existência do homem.
O grande antropogeógrafo Jean Brunhes enumerava três categorias ou três classes fundamentais de factos geográficos correspondentes às necessidades vitais primárias: a alimentação, o vestuário e a habitação. E Henri Bordeaux dizia que a «questão do alojamento é talvez o primeiro problema social».
Não quero cansar a atenção de quem me escuta com a menção de pareceres vários sobre a importância do assunto, mas, sem receio de cair num estafado lugar-comum, direi, sintetizando estes pareceres, que o lar é a melhor escola de virtudes domésticas e o bom alojamento é a melhor garantia da felicidade e da civilização dum povo.
Tenho um interesse já antigo pelo assunto. Ainda estudante de Medicina, trabalhei numa investigação sobre as condições de salubridade nas «ilhas» da cidade do Porto. Recolhi algumas dezenas de amostras de ar que respiravam os moradores dessas «ilhas», verifiquei a cubagem de muitos aposentos em que dormiam e cheguei a resultados que posso classificar de verdadeiramente impressionantes, de profundamente desoladores.
Sendo indicada a cubagem de 25 metros cúbicos como a satisfatória, cheguei a encontrar nalgumas dessas habitações números correspondentes a menos de 3 metros cúbicos por pessoa. Era gente empilhada.
Verifiquei também, Sr. Presidente, que as análises bacteriológicas do ar que se respirava naquelas mansardas conduziam a proporções de micróbios mais elevadas do que as verificadas no ar dos esgotos da cidade de Paris.
Quando presidente da Câmara Municipal do Porto, promovi um inquérito sobre as condições de salubridade dessas «ilhas», e chegou-se, entre outros resultados, à conclusão de que só 3 por cento das moradias é que tinham regulares condições de salubridade.
E viviam nas 13:000 casas de «ilhas» do Porto quarenta e tantos milhares de seres humanos. A renda predominante para cada família era inferior a 31$ mensais. O inquérito fez-se em 1939.
Tomei também, como presidente da Câmara Municipal do Porto, a iniciativa da construção de dois bairros municipais de casas económicas. E promovi a construção de um bloco de cento e quinze moradias, que foi, com grande injustiça, apelidado de «bloco Karl Marx», porque se supunha que ele tinha muito de parecido com um bloco de habitações do mesmo nome da cidade de Viena, bloco que se tornou célebre na história dos conflitos sociais dos últimos tempos. Mas verifiquei com satisfação que, quer em alguns pareceres que tenho presentes, quer em estudos publicados no Boletim de Urbanização, ainda recentemente distribuído aos Srs. Deputados, essa ideia de blocos é afinal de contas hoje plenamente aceite pelas entidades responsáveis deste País, ao lado das casas económicas unifamiliares, naturalmente preferidas.
Hoje, como quando na presidência daquele Município, direi que se não posso ser útil aos menos favorecidos da sorte não realizo a missão que me impõem a consciência e o sentir.
É preciso, no entanto, dizer bem alto nesta Casa, como lá fora reconhecer em todos os instantes, a grande importância e valor da obra realizada nos últimos anos, neste domínio, pelo Governo deste País.
Evoco, sobretudo, dois nomes ilustres de iniciadores em matéria de construção de casas económicas em Portugal, com o elogio que merecem, mormente pela largueza de visão que mostraram na sua iniciativa, de modo a que ela represente uma função social útil e real.
Refiro-me ao Dr. Oliveira Salazar e ao saudoso Ministro Duarte Pacheco.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É oportuno mencionar, sobre números oficiais, que o Estado, desde 1934, construiu neste País 5:535 casas económicas e que estão em construção 2:320.
Mas eu seria injusto se esquecesse que para a construção de casas de renda económica tem sido também excelente o labor desenvolvido por algumas câmaras municipais, por caixas de previdência e por algumas entidades privadas.