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15 DE ABRIL DE 1948 461

Não me conformo, consequentemente, com o lacto absurdo e injustificável que acabo de referir.
Para ele solicito a atenção dos meus ilustres colegas e do Governo.
As assinaturas de SS. Exas. o Presidente do Conselho e o Ministro da Justiça num diploma promulgado tão insolitamente hão-de ter explicação atendível. Sinto-o, como de ciência certa.
Entretanto, e como sintoma de que somos um corpo vivo, referi-me hoje, antes da ordem do dia, a esse excêntrico decreto n.º 36:824, de 9 do corrente.
É natural e quase certo que não poderá vir a ser revisto nos últimos dias de trabalho que nos restam.
Mas na discussão na especialidade da proposta n.º 202 há igualmente boa oportunidade para lhe acudirmos com o remédio mais propício.
Se o meu impedimento se prolongar para além dessa fase do debate, aqui deixo a sugestão para que qualquer de VV. Ex.ªs a aproveite, querendo.
Passemos agora às bases respeitantes ao inquilinato.
A discussão na generalidade tem de limitar-se à apreciação da oportunidade e da economia do projecto.
Será oportuna esta pretensão de acudir ao problema do inquilinato, tal como ele se nos depara?
Valia-me Deus! - que demonstrar a afirmativa não é senão o trabalho de arrombar ... uma porta aberta.
Em primeiro lugar e no aspecto legislativo do caso, vivemos num regime de proliferação de diplomas reguladores dos vários aspectos do inquilinato, autêntica manta de retalhos formada por uma teia de dezenas - digo mais - de cerca de uma centena de diplomas, na sua maior parte fruto de arranjos de ocasião, de acomodações ou transigências com impulsos de momento, de preocupações de jogar na aura populaceira, de correr ao aplauso fácil das massas.
Dei-me ao trabalho de contar os diplomas publicados desde 1910 que directa ou indirectamente se relacionam ou pretendem regular o instituto jurídico do contrato de locação de imóveis.
Sabem VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, a que cifra cheguei?
Nada mais nada menos que 98!
Mete-se, portanto, pelos olhos dentro a inadiável necessidade de pôr ordem nesta baralhada de textos, caminhando-se aberta e corajosamente para a elaboração de um código do inquilinato.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E a proposta que vamos apreciar traz um contributo valioso para que tal aspiração se transforme em realidade.
No aspecto social, digamos, a paisagem é, se possível, ainda mais tenebrosa.
De uma parte, todos ou quase todos os senhorios proprietários de prédios construídos antes de 1939 e locadores das casas arrendadas até essa altura debatem-se numa vida de autênticas tragédias caseiras.
Apoiados.
As rendas médias dos prédios nessas condições não excedem, em Lisboa, 1500 a 200$ mensais; e o número de inquilinos em cada prédio é também, na média, de 4 a 5.
Destarte, o rendimento médio anual obtido em relação a cada prédio aproxima-se dos 8.001$, que raramente excede.
Ora as contribuições não deixam de ser onerosas.
Mas não são elas o ponto negro do quadro.
As obras de reparações, essas atingiram quantias astronómicas (Apoiados); o espirito de insatisfação de certos inquilinos (Apoiados), esquecidos das reduzidas rendas mensais que pagam e facilmente acolhidos em certas instâncias oficiais, dá azo a sucessivas intimações
para obras que é frequente absorverem, só por si, a totalidade dos rendimentos anuais de todo o prédio.
E, como um mal nunca vem sòsinho, de sete em sete anos as pinturas e as obras de limpeza e beneficiação das fachadas impostas pela Câmara!
Esses trabalhos, mesmo relativamente a um prédio de modestas proporções, importam actualmente em mais de uma dezena de contos; num prédio grande, de oito a dez inquilinos, ascendem, mesmo, a dezenas, a algumas dezenas de contos.
Quer dizer: absorvem as rendas de mais de um ano.
De modo que para aqueles que não tem outra fonte de rendimentos a situação é de angústia, de desespero, de contínuo e justificado protesto.
Em flagrante contraste com estes «novos-pobres», uma minoria de senhorios, elevada a tal categoria por virtude da aplicação dos fabulosos lucros amealhados à custa de especulações durante o período de guerra, dos malabarismos do «mercado-negro», pavoneia-se em regime de franca liberdade contratual, exigindo - pelo menos em Lisboa - rendas mensais de 3.000$, 4.000$, 5.000$ e 6.000$, que só os raramente afortunados poderão aceitar.
Por outro lado, uma inumerável alcateia de especuladores, que de arrendatários se transformaram em sublocadores, vive da exploração abusiva e intolerável das casas que tomaram de arrendamento.
Aos proprietários pagam, em geral, rendas diminutas, mesquinhas. Aos seus sublocatários arrancam-lhes implacàvelmente a pele.
E o desespero do senhorio ascende a autêntica, mas legítima, fúria quando intenta reagir contra a injustiça de que está sendo vitima e decai nos tribunais, nas acções que propõe, visto que se tem espalhado, como nódoa de azeite, uma desarrazoada jurisprudência no sentido de ampliar o conceito de albergaria ou pousada a situações que um justo entendimento da lei faria classificar de sublocações autentiquíssimas.
Para que a cena ganhe em pitoresco encontram-se também numerosos senhores, em geral do grupo dos tais senhorios saídos das águas turvas da guerra, que vivem em casas arrendadas e se recusam ao mais suave aumento das rendas que por elas pagam, embora sem rebuço de não moderarem as suas ambições no que respeita às rendas que cobram... nos seus próprios prédios, onde bem melhor deveriam residir.
Outros ainda protestam não poderem suportar rendas que excedam uma ou duas centenas de escudos mensais e arvoram-se em intransigentes defensores das garantias da lei do inquilinato, mas fazem-se transportar em carros luxuosos, que os esperam espectacularmente às portas dos prédios onde residem... pagando rendas diminutas...
E é um nunca acabar de escândalos, injustiças, abusos gritantes!
Perante estas facetas do problema, quem for atreito a decidir pelas aparências proclama sem hesitar que a solução única se encontra na permissão para a elevação geral das rendas baixas e na redução equitativa das rendas altas.
Mas qual!?
O nível médio da vida portuguesa é mais que modesto.
Olhando neste momento apenas para a chamada classe média - professores, militares de terra e mar, funcionários públicos, empregados por conta de outros, reformados, pensionistas, etc. - ninguém com senso-comum e elementar conhecimento da microscópica escassez dos seus réditos mensais se atreverá a conceber a possibilidade da aplicação súbita do regime de ampla liberdade contratual.
A corajosa abnegação de uma grande maioria desses chefes de família, o seu espírito de sacrifício e a forçada renúncia sem protesto às mil e uma pequeninas coisas