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16 DE ABRIL DE 1948 469

No período de efémera paz que se seguiu a conflagração logo os males de um urbanismo excessivo, de mãos ciadas com imparáveis fenómenos de desvalorização da moeda, criaram o clima propício da crise.
A nova guerra de 1939 veio desanimar talvez qualquer eventual intenção de reforma destinada a dar, pelo monos em parte, solução a este estado de coisas. E, entretanto, nem um nem outro daqueles males deixaram de persistir e, pior do que isso, de se acentuar.
Ora a disciplina das relações jurídicas desenvolvidas entre o senhorio e o arrendatário pode influir, mas não resolve esta crise.
E, assim, o problema não é essencialmente de inquilinato, mas antes um problema de reajustamento de valores, por um lado, e -de construção de habitações, por outro.
E pode mesmo dizer-se que ele é dominantemente de construção, pois a suficiência de habitações ajudará a resolver, de algum modo, neste sector, o próprio aspecto da desvalorização, pelos elementares efeitos da lei da oferta e da procura.
Para se avaliar bem da extensão da crise de habitação, a que urge pôr cobro, basta dizer que nos nossos dois principais centros populacionais ela se exprimia, em 1940, data do último censo, pelos seguintes números:
Em Lisboa, havia 150:371 casas e existiam 170:590 famílias, ou seja 14:225 famílias sem casa; no Porto 48:433 casas e 58:232 famílias, isto é, 9:799 famílias sem casa.
E muitas vezes não há falta de casa, mas há habitações que são verdadeiros tugúrios, onde se albergam três e quatro famílias. Justamente aqui a dois passos, na freguesia de Santos, nau inquérito habitacional, concluído em 1940, revelou para certas ruas percentagens de 66,4, 73,6 e 93,9 de más instalações.
É inegável que o activo de construções que acusam hoje estas duas cidades, onde os efeitos do urbanismo principalmente se têm sentido, é muito superior ao que
acusavam em 1920, quando do termo da anterior guerra. Desta, vez, mercê sem dúvida de um acertado e nunca suficientemente encarecido rumo político, saímos da guerra com um património predial rico em quantidade e qualidade, ainda que não suficiente para as crescentes necessidades. E para este resultado, cumpre dizer, tem concorrido substanciosamente as iniciativas oficiais, tomadas por vários- departamentos, directa ou indirectamente.
Em suma: tem-se construído muito e tem-se construído bem.
Mas este labor construtivo se por um lado veio favorecer as possibilidades de uma solução desejada, por outro veio precipitar o aparecimento de novos problemas, que obrigam a uma visão mais vasta dessa solução e que, a mão serem enfrentados, poderão dentro em breve constituir um obstáculo mais perturbador do que a própria falta de habitações.
Lisboa, Porto e algum tanto duas ou três. das mais importantes cidades do País têm tido um crescimento desordenado, sem atenção às condições de vida intensa que nelas se vai desenvolvendo. Na capital, especialmente, cuja população não tardará a tocar a ordem do milhão de habitantes, o problema parece já não poder resolver-se sem subordinação a vários factores interdependentes.
É que a construção de uma cidade tornou-se numa difícil e complexa ciência e as suas regras não podem ser esquecidas ou desprezadas.
Guiar o desenvolvimento físico da cidade, estabelecer zonas onde se viva e, outras onde se trabalha ou se exerce o comércio, atender às exigências dos transportes e do tráfego, às da higiene e salubridade, às da segurança e estética dos edifícios são pontos fundamentais dessa nova ciência.
As más condições do desenvolvimento de uma cidade acarretam mesmo prejuízos graves. Em Nova Iorque, por exemplo, a congestão do tráfego calculava-se, em 1935, como causadora de perdas avaliadas em 1 milhão de dólares por dia. E as perdas económicas anuais da América do Norte derivadas desta, mesma origem computavam-se em 600 milhões de dólares.
Enfim, a preocupação naquele país com os problemas do urbanismo levou o próprio Presidente Hoover a afirmar que «os efeitos morais e sociais da vida moderna só podem ser resolvidos por uma nova concepção da construção das cidades».
O problema é, pois, não só de legisladores, mas de. arquitectos, engenheiros, economistas, médicos, paisagistas.
E neste esforço comum que há a fazer não pode também ser esquecido outro aspecto importante, para o qual ainda há bem pouco tempo o nosso ilustre colega engenheiro Araújo Correia chamava a atenção num trabalho publicado na Revista do Centro de Estudos Económicos: o da localização da indústria nas cidades.
A concentração de indústrias na cidade é uma das causas do desenvolvimento do urbanismo.
E, no entanto,, muitas dessas indústrias devem ser arrastadas para fora da sua área, em nome dos direitos vitais das populações.
Mas não são só os inconvenientes de ordem higiénica que podem ser invocados para condenar a sua permanência nas cidades; são ainda as consequências resultantes de unia fixação obrigatória melas de alguns milhares de pessoas, o que se traduz pelo agravamento do problema da habitação.
Ora muitas dessas indústrias não tem razão que justifique o seu enraizamento na cidade, pois em numerosos casos trata-se de actividades que não estão ligadas às necessidades directas da sua população e noutros nem sequer podo explicar-se pela proximidade dos mercados, que sempre foi factor .influente na localizarão das indústrias.
Passe-se em revista as concentrações industriais que se encontram disseminadas pelas cidades de Lisboa e Porto e chegar-se-á à conclusão de que muitas delas, ainda mesmo que pertencentes à categoria das de utilidade pública, poderiam ser vantajosamente deslocadas, aliviando os núcleos urbanos de efeitos deletérios sobre a saúde dos seus habitantes e descongestionando-os de grande número de famílias operárias, que não lucram, por sua vez, em aqui se manterem.
Sr. Presidente: e deste mal, do excessivo desenvolvimento das cidades, tem resultado ainda outro, não menor: o do abandono das condições de habitação das povoações rurais.
A preocupação de resolver os problemas que o urbanismo tem criado levou a esquecer os que na vida dos aglomerados rústicos também carecem de solução. E a verdade é que nós próprios estamos de alguma maneira comprometidos, não só por força de textos legislativos internos, de natureza moral imperiosa, a começar pela Constituição {artigo 14.º, n.º 1.º). mas por votos sancionados em conferências internacionais, como a de 1931, em Genebra, a elevar o nível da habitação rural.
Ha, pois, que divulgar normas de educação, tanto de cultura geral como de instrução em matéria de higiene, facilitar crédito barato para a construção, promover a melhoria da situação económica da agricultura, criar associações destinadas a edificar, promulgar legislação eficaz, e tudo isto sem perder de vista os costumes locais e as condições económicas e sociais das várias regiões.