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470 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 145

Na Inglaterra, desde 1926, diversas medidas legislativas têm concorrido para a melhoria da habitação do trabalhador do campo, facilitando a construção de casas novas e a beneficiação das velhas.
Na Holanda a lei de 1902 impulsionou notavelmente a vida das comunas, impondo a supressão de casas que não sejam habitáveis e proporcionando a aquisição de terrenos e a construção de moradias convenientes.
O mesmo sucedeu em França, na Itália, na Bélgica.
Nesta última pequena-grande nação havia em 1927 cerca de trezentas sociedades locais criadas com fins de construção rural, com o capital de 36 milhões de francos-ouro.
É claro que em qualquer destes países o problema reveste hoje, em consequência das devastações da guerra, aspectos bem mais graves e desoladores, que em nada se assemelham ao nosso. Mas o exemplo dos seus anos de paz e prosperidade não deixa de ter aqui, a propósito as questões que estão a ser tratadas, uma justificada invocação.
Sr. Presidente: tal é, a traços largos, e como eu o vi, o quadro em que há-de movimentar-se, ainda que com modestas possibilidades, a lei que a Assembleia Nacional é chamada a elaborar.
Nele existe de tudo um pouco: habitações escassas, sobretudo nos grandes centros; famílias mal alojadas, nas cidades e nos campos; indústrias inconvenientemente localizadas; urbanismo intenso e desordenado.
São em grande parte os restos dum espólio que vem de data distante e que os esforços dos Governos saídos da actual situação política têm porfiadamente procurado liquidar.
A criação recente da Direcção Geral dos Serviços de Urbanização e a actividade dos serviços de melhoramentos rurais e da Junta de Colonização Interna são, além de outros, o testemunho vivo desses esforços.
Vejamos agora em que medida será também susceptível de se apreciar o contributo dos diplomas em discussão.
Como já tive ocasião de afirmar, a proposta do Governo visa objectivos de largo alcance. Ela não pode ser encarada apenas como mais um diploma regulador do inquilinato, pois, pelos princípios em que se inspira, pelos capítulos em que toca e pelas facilidades que estabelece, pretende ser unia medida fomentadora da construção.
A par disso (e aqui se identifica então com o projecto do Sr. Dr. Sá Carneiro) procura adaptar as regras jurídicas às circunstâncias excepcionais resultantes de uma forte perturbação económica, evitando os inconvenientes de um regresso brusco ao direito comum.
Eu tenho, até pela minha formação profissional, o desejo sincero de regressar o mais breve possível ao direito comum. Mas a verdade é que ainda não parece ter chegado o momento para tal. Por isso a lei que iremos votar é; por assim dizer, unia lei de expectativa. Daí as limitações à liberdade contratual, que têm de supor-se estabelecidas em nome do interessa e ordem pública e ditadas mais por espírito de equidade do que pelo direito estrito.
Sr. Presidente: pelo que respeita à sua natureza de medida fomentadora da construção, a proposta do Governo começa por considerar as bases de uma política de empreendimentos, já iniciada com as realidades que são hoje os bairros de casas económicas, de casas de renda económica, de casas de renda limitada e de casas para alojamento de famílias pobres.
Tudo o que está feito, ou em vias de concluir-se, neste capítulo, representa, na verdade, uma obra imensa, que todos nós temos o dever de reconhecer e aplaudir.
Mas o Governo pretende que se dê mais um passo.
E, com efeito, há que dar esse passo, há que fazer mais um esforço no sentido de proporcionar habitações condignas a rendas comportáveis, sobretudo para a classe média, que tantas vezes se aponta como um esteio precioso e inestimável da nossa estabilidade social e política.
E isto é, além de mais, unia atitude de justiça.
Para se alcançar esta finalidade o Governo sugere um conjunto de disposições que se agrupam em três categorias específicas: expropriações, direito de superfície e sociedades anónimas para a construção de casas de renda económica e limitada.
A primeira - expropriações - representa sobretudo uma melhor arrumação dos preceitos reguladores do instituto; melhor arrumação e mais unidade, pois é dispersa e múltipla a legislação que trata desta matéria.
Não deixarei, porém, de fazer duas notas: uma, de franco aplauso, ao princípio da não só justa ma«s prévia indemnização; outra, de dúvida, quanto à possibilidade de manter estável esta legislação. O incessante expansionismo da Administração, contraria-o, e um exemplo recente (a publicação do decreto n.º 36:824) bem o prova.
A segunda - direito de superfície - constitui uma inovação no nosso direito.
O Código actual não o conhece, mas vê-se que a comissão encarregada de elaborar a sua reforma decidiu incluí-lo nas novas bases, no número dos direitos reais de gozo, conforme se infere do relatório preambular da proposta.
Não tenho simpatia pelas formas de propriedade imperfeita, ainda que a afirmação pareça paradoxal num debate sobre o direito de habitação, e já desta tribuna tive oportunidade de me mostrar contrário à enfiteuse, pois representa, como o direito de supefície virá a representar, uma carga sobre os bens, que dificulta tanto a sua livre transmissão como a sua utilização.
Mas parece que a comissão .revisora do Código também decidiu mante-la, por já ter perdido o seu carácter de perpetuidade.
Seja como for, eu continuo partidário de um direito de propriedade uno, e por esta razão não acredito muito nas virtudes do novo direito de superfície.
Mais proveitosa julgo ser a constituição de sociedades anónimas, com o amparo do Estado e das autarquias locais, destinadas a construir casas de renda económica ou limitada.
Era meu intuito propor à Assembleia, ainda dentro deste núcleo de medidas fomentadoras da construção, o que a Câmara Corporativa veio fazer com a base XXV-A, no tocante à propriedade por andares, ou, talvez mais precisamente, compropriedade por andares.
Creio, na verdade, que na movimentação deste direito, que o artigo 2335.º do Código Civil potencialmente consigna, muito de útil poderá vir para a solução do problema da habitação. Através dele será possível o agrupamento de pequenos capitais, para levar a cabo uma construção que só parte deles, isoladamente, não poderia tentar, e ainda a formação de sociedades destinadas não só a construir- mas a tornar proprietários os seus associados.
Em França, com uma lei de 1938, e na Bélgica, com outra de 1924, esta modalidade tornou-se muito adoptada e nas cidades brasileiras, em especial no Rio de Janeiro, é uma prática radicada.
Há, por fim, uma outra faculdade, que aparece com a natureza de motivo de despejo, mas que, no fundo, quando cautelosamente concedida, representa um evidente factor a favorecer a construção: é a que permite a ampliação dos prédios, com aumento do número de inquilinos.