24 DE ABRIL DE 1948 521
Quer dizer: um condutor de automóveis pode ser privado do seu ganha-pão, e que o é também da respectiva família, e a colectividade terá de dispensar os seus serviços por períodos até cinco anos, porque um polícia entendeu, em seu critério, classificar determinada manobra ou atitude como transgressão dos preceitos de trânsito; por sua vez, o director geral dos serviços de viação julgou dever concordar com o critério policial e homologar a sua decisão, e, finalmente, o Ministro das Comunicações se decidiu a lançar no processo o seu último e irrevogável «concordo», que pode condenar um condutor e sua família à tragédia da privação do seu ganha-pão até cinco anos.
Evidentemente que não se trata de pôr em dúvida o espírito de justiça do guarda, nem tão-pouco o do director geral ou o do Ministro das Comunicações, cujas qualidades, na presente ocasião, são dignas do maior apreço.
É que em casos de tanta gravidade importa cercar o veredicto de todas as garantias da indispensável equidade, devendo-se para tanto substituir ao critério isolado de qualquer pessoa, por muito respeitáveis que sejam os seus merecimentos, o de um júri que os aprecie por todas as facetas e analise as respectivas consequências.
No Código da Estrada de Maio de 1930, que eu tive a honra de subscrever juntamente com os restantes Ministros de então, fora estabelecido o princípio de poder ser cassada a carta de condutor em casos de manifesta gravidade, sendo essa pesada pena umas vezes consequência de condenação pelos tribunais, mas noutras admitia-se a competência do Conselho Superior de Viação, o qual, nos termos da alínea c) do artigo 152.º do referido Código da Estrada, para que as suas resoluções pudessem ser efectivadas, deveria avisar o transgressor, e somente no caso de após tal advertência, se verificar reincidência na prática dos actos apontados é que a carta de condutor poderia ser apreendida.
De tais resoluções havia a faculdade de recurso para o Ministro, mas o processo chegaria a esta instância acompanhado de elucidativo relatório, elaborado por um júri constituído pelas maiores competências.
Sr. Presidente: para esclarecimento de V. Ex.ª e dos ilustres Deputados, eu direi que o antigo Conselho Superior de Viação, que, muito lamentavelmente, foi suprimido, sem que ao organismo que lhe sucedeu - o Conselho Superior dos Transportes Terrestres - caibam funções equivalentes, era assim constituído:
Presidente: o da Junta Autónoma de Estradas.
Vogais:
Engenheiro director da construção de estradas;
Um delegado do comércio e indústria ligados ao automobilismo, eleito pelas respectivas associações ;
O comandante da polícia de Lisboa;
Um delegado da Intendência Geral da Segurança Pública;
O vogal do pelouro do trânsito da Câmara Municipal de Lisboa;
Um jurisconsulto;
Um delegado do Automóvel Clube de Portugal;
Um delegado da Inspecção das Tropas de Comunicação ;
Delegados de cada uma das comissões técnicas de automobilismo do Norte, Centro e Sul.
E ainda os técnicos que, sob proposta do presidente, fossem nomeados pelo Ministro como agregados do Conselho.
Sr. Presidente: eu confiei e continuo a confiar mais na acção educativa do que na repressiva e, sobretudo, discordo de violências escusadas.
Quando, em 1931, sob proposta minha, foi criada a polícia de trânsito, no respectivo regulamento escrevi que aquele serviço especial de policiamento deveria impor-se pela sua compostura, forma recta de proceder, não vexar os transeuntes com palavras injustas ou acções bruscas, cumprindo-lhe proceder com a prudência necessária, ser atencioso quando lhe solicitem esclarecimentos e outras instruções, todas tendentes a marcar a orientação de que se contava mais com a sua acção reguladora do trânsito e educadora dos transeuntes do que da aplicação sistemática de multas, levantamento de autos e outros procedimentos que, provocando reacções e protestos, são por vezes contraproducentes.
Eu mantenho-me na opinião, já repetidas vezes aqui expendida por mim, de que os guardas, em lugar de permanecerem, quase sempre ineficazmente, nos quiosques que semearam por essas estradas fora, à custa de verbas muito avultadas, deveriam policiar e orientar pacientemente o trânsito, sobretudo nos locais e ocasiões Onde os abusos são mais frequentes.
No preâmbulo do aludido decreto-lei n.º 36:840 refere-se terem sido dadas instruções às brigadas para o exame da segurança dos veículos, policiamento da sinalização luminosa e outros fins tendentes a evitar desastres, a que a imprensa com frequência se refere e censura.
Repito: é aconselhando e educando que mais e melhores frutos se colhem.
Sr. Presidente: cheguei do Norte esta noite. E logo na manhã de hoje tive a satisfação de ler na imprensa a notícia da assembleia geral do Automóvel Clube de Portugal ontem realizada, e no respectivo relato, e coerentemente com a honrosa e utilíssima tradição daquele tão prestante organismo, a nota oportuníssima de que, por sugestão de um ilustre sócio, fora resolvido que a direcção daquele Clube, seguindo o critério mais aconselhado em tão aborrecida emergência, promovesse uma campanha de propaganda da indispensável educação dos condutores de automóveis, para se evitarem, tanto quanto possível, os acidentes, que todos, sem excepção -os condutores de uma maneira geral, o Governo é nós os Deputados-, estamos empenhadíssimos em evitar, para defesa dos que circulam nas estradas.
De harmonia com as considerações que VV. Ex.ªs fizeram o favor de ouvir e cumprindo o prometido na sessão de 17 do corrente, tenho a honra de enviar para a Mesa, assinado por mim e pelos ilustres Deputados Srs. Nunes Mexia, Cincinato da Costa, Braga da Cruz, Mira Galvão, Cerveira Pinto e Albano de Magalhães, o requerimento seguinte:
Nos termos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição Política da República Portuguesa, requeremos que o decreto-lei n.º 36:840, de 19 do corrente, seja submetido à apreciação da Assembleia Nacional.
O Sr. Presidente:-Lembro ao Sr. Deputado Antunes Guimarães que o decreto de que requer a apreciação, embora traga a nota «Para ser presente à Assembleia Nacional», como foi publicado durante a interrupção do funcionamento efectivo da Assembleia, não pode ser submetido à ratificação desta.
O Orador:-Efectivamente não me tinha ocorrido essa circunstância e agradeço muito o esclarecimento que V. Ex.ª acaba de fazer.
Contudo, vê-se que o Governo, que ignorava esta recente interrupção, estava no propósito louvável de submeter esse decreto à Assembleia Nacional.
Em face da determinação do estatuto constitucional, que não permite a apreciação que eu e vários ilustres Deputados acabamos de requerer, se o Governo não quiser converter aquele decreto em proposta de lei ou