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24 DE ABRIL DE 1948 525

O senhorio diz assim: se por esta parte de casa, do lado direito, me pagam 3 contos e pela parte de casa igual, do lado esquerdo, me pagam 1 conto, porque é que este não há-de render-me o mesmo que me rende aquele ?
É claro que o raciocínio do inquilino é às avessas, e ele dirá então: se aquele paga 1 conto, porque é que eu hei-de pagar 3? E ainda vai, ou pode ir, mais longe nesta pergunta, dizendo: se o senhorio é rico e eu sou pobre, porque é que eu hei-de pagar-lhe uma renda que para mim é incomportável e cuja falta não alteraria fundamentalmente as condições de vida do senhorio?
Mas o senhorio dirá: porque é que eu, que sou pobre e o inquilino rico, hei-de suportar esta renda de miséria, que não corresponde ao valor locativo da habitação, quando o meu inquilino pode pagar mais, pode pagar aquilo que é justo e razoável, porque isso não lhe faria diferença nenhuma?
VV. Ex.ªs compreendem que perguntas neste género, exprimindo desigualdades vivas, transparentes, podem multiplicar-se. Mas estas perguntas que se fazem em face da nova organização jurídica, e que se têm exteriorizado perante o público, são perguntas que já se podem fazer hoje com a organização jurídica existente; tal qual as mesmas, sem tirar nem pôr.
Agora estou em condições de responder à pergunta que fiz há pouco: se isto é assim, se as desigualdades existem e se o que se procura é realizar uma primeira aproximação da justiça, porque há quem discuta a oportunidade da proposta de lei sobre inquilinato ?
Eu confesso que só explico o facto através de uma consideração que é muito verdadeira. As injustiças existem, mas a lei da inércia traz como consequência o seguinte: é que quando um certo problema constitui uma massa de injustiças, mas está quedo, já nos habituámos a não lhe mexer, e a coisa segue. Se se põe uma nova hipótese de solução, começa então a verificar-se que logo desatam a discutir-se os princípios que a dominam, embora não divirjam essencialmente dos que já estavam postos; logo começa a perguntar-se: então mexeram no problema e não fizeram isto, aquilo e aqueloutro? Está aqui, segundo creio, a justificação dos que ainda discutem a oportunidade dos diplomas sobre o inquilinato. Mas a esses pode responder-se: mas então, se o projecto é inoportuno hoje, será eternamente inoportuno.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Agravado!

O Orador: - Não é preciso afirmar isso para se demonstrar o que pretendia.
Mas porque é então que se não há-de tocar já no problema de espírito lavado, isento de pressões e humilde em frente das dificuldades?

O Sr. Rui de Andrade: - Se não se resolve, agrava-se. Essa é que é a razão da oportunidade. Não se constrói, agrava-se.

O Orador: - Arrumada assim a primeira questão que pode constituir objecto de um debate na generalidade - a questão da oportunidade-, consideremos agora a segunda, que também pode constituir objecto de debate na generalidade: a economia do projecto ou da proposta.
Também neste aspecto só me referirei ao inquilinato.
Pôr uma questão de economia de um projecto ou proposta de lei é pôr a questão do sistema desse projecto ou proposta de lei.
Como a questão central, a questão de crise, é a da renda, eu considerarei o problema só relativamente à renda.
Se economia quer dizer sistema, julgo conveniente, para elucidação do problema, enunciar, pôr diante dos olhos de VV. Ex.ªs os vários sistemas que têm sido apresentados e de que a Assembleia tem conhecimento, as várias soluções que têm sido apresentadas a respeito da questão da renda.
Classificá-las-ei assim: solução do projecto; soluções da Câmara Corporativa; solução da proposta; outras soluções, porque outras têm aparecido.
Vamos então à solução do projecto, que, como as outras, porei esquematicamente.
Primeiro ponto: a renda deve actualizar-se até ao rendimento ilíquido inscrito na matriz. Portanto, se a renda é igual ou superior ao rendimento ilíquido inscrito na matriz, não se põe, neste primeiro momento, o problema da actualização das rendas.
Pode, porém, acontecer que o rendimento inscrito na matriz esteja desactualizado, ou pelo tempo que por ela passou ou porque esteve sempre desactualizado.
Posso desde já informar VV. Ex.ªs de que, em matéria de propriedade urbana no conjunto do País, se exceptuarmos casos isolados, o rendimento inscrito na matriz, quando foi inscrito em consequência de avaliação, ficou muito abaixo do que devia ser. E até tanto mais baixo quanto mais importante fosse o proprietário.. Não tenho a intenção, de magoar ninguém, nem de acusar serviços públicos. É a triste condição da natureza humana...
O rendimento inscrito na matriz corresponde a um valor do prédio muito inferior ao valor real. Por isto, o projecto admite, para corrigir a matriz, a avaliação requerida pelo senhorio. E a renda actualizar-se-ia até ao resultado a que fosse conduzido através dessa avaliação.
Até aqui estava no projecto a caminhar-se, digamos, no terreno do senhorio; agora consideremo-lo no terreno do inquilino.
Pode acontecer que as condições do inquilino sejam tais que lhe não permitam pagar a renda a que ficará obrigado em consequência da aplicação dos princípios a que acabo de referir-me.
Estabelece-se então no projecto o principio de que o inquilino só será obrigado a pagar se puder, mas considerou-se o problema de que, tendo o senhorio o direito de receber e não sendo o inquilino obrigado a pagar se não pudesse, a solução nem económica nem juridicamente era defensável se o senhorio não recebesse o que lhe era devido e o inquilino o não pagasse.
É preciso, por circunstâncias e considerações de ordem extraeconómica, que o inquilino não pague porque não pode, mas, por motivos económicos e de justiça, é indispensável que o senhorio não deixe de receber.
Criava-se, por isso, um fundo para preencher a diferença entre aquilo que o inquilino pode pagar e aquilo a que o senhorio teria direito. Resolvia-se o problema - se se resolvia- quanto ao senhorio. Quanto ao inquilino, transferia-se o encargo que lhe cabia..
Mantém-se no projecto o princípio, que é permanente da nossa legislação, da liberdade de fixação das rendas. A renovação do contrato é automática por força de lei, e, assim, aquele principio só funciona para os arrendamentos novos.
Eis uma primeira solução: rendimento ilíquido da matriz, como limite do aumento de renda, e possibilidade de avaliação requerida pelo senhorio para corrigir esse rendimento. O senhorio tem direito, como é natural, mas direito que certamente ficaria no espaço, por insuficiência do fundo, a receber a renda; isenção do inquilino de pagar o aumento se não puder e transferência da obrigação respectiva para um fundo e possibilidade de avaliação, requerida pelo senhorio, para corrigir a matriz. Tais são as linhas gerais do projecto Sá Carneiro.