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524 DIÁRIO DAS SESSÕES-N.º 148

O Ministério das Finanças merece os agradecimentos da comissão e desta Assembleia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Ponhamos agora a primeira questão que pode pôr-se num debate na generalidade. È oportuno o projecto? É oportuna a proposta?
Distingamos na proposta o que respeita a matéria diferente do inquilinato e aquilo que respeita a matéria propriamente de inquilinato.
Quanto à parte da proposta que respeita a matéria diferente do inquilinato -essencialmente as expropriações -, o problema da oportunidade nem se põe.
E não se põe não é porque esta questão das expropriações não tenha o maior interesse político (Apoiados) e não tenha a maior projecção, mesmo para aquilatar, através das soluções respectivas, do valor dos princípios que dominam a nossa orgânica constitucional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Realmente o problema da oportunidade não se tem posto, apesar da importância que tem; todos acolheram a proposta nesta matéria como correspondendo a uma aspiração geral que não era discutida por ninguém.
Porque sucedeu assim, tendo ele na verdade a maior importância política, sendo, na verdade, a matéria um padrão para se aquilatar da eficiência com que são executados certos dos nossos princípios constitucionais?
É que nós tínhamos em certo aspecto (não era em geral) uma legislação sobre expropriações que eu, pedindo desculpa para o palavrão, apelidarei de transpersonalista.
Risos.
Estabelecia soluções que podiam interpretar-se como significando que a obra vale mais do que o Homem, quer dizer, podiam traduzir-se numa espécie de esmagamento do Homem pela obra. Daqui a cem anos os homens terão desaparecido, as lágrimas que se choraram ter-se-ão perdido no pó da terra, mas a obra, essa permanecerá, lembrando o que fez em recordar o que se sofreu!
Por isso lhe chamei uma solução transpersonalista.
Ê claro que tal solução foi motivo de muitas críticas, e há, naturalmente, numa organização cristã, como a nossa, anseios de a ver transmudada numa solução personalista, em que também é importante a obra, mas por causa do Homem.

Vozes:-Muito bem!

O Orador: - Tal é a orientação da proposta.
Compreende-se que, mesmo para quem não põe estas questões, só o cheiro do sentido das soluções estabelecidas constituísse um forte motivo de bom acolhimento para a proposta. Acresce que, nesta matéria de expropriações, quem paga é o Estado ou as instituições públicas, ou as empresas encarregadas de realizar obras de interesse público, e o nosso povo olha com muito favor a ideia de que, quando é o Estado que paga, não é ele que paga... E acha bem, mesmo que se pague muito.
Não se discute, pois não vale a pena demorarmo-nos a discutir a oportunidade da proposta quanto à parte ou partes que não visam propriamente a matéria de inquilinato.
Quanto ao inquilinato, o problema da oportunidade tem sido posto, e é curioso que tem sido posto não obstante senhorios e inquilinos estarem convencidos da injustiça das soluções actuais.
É claro que de entre os inquilinos muitos afirmam que não podem pagar mais, e eu acredito, mas este é o facto: não é um juízo de valor, não é a expressão de um sentido de justiça - é um simples facto.
Pareceria então que, se realmente todos estão de acordo em que o regime actual é injusto, ao procurar-se corrigi-lo de modo a encontrar soluções justas não poderia pôr-se também o problema da oportunidade.
Poderia pôr-se o problema da oportunidade de uma ou outra solução concreta, mas a oportunidade de se discutir uma questão que todos reconhecem ser preciso pôr-
-se, porque as soluções actuais são injustas parece não oferecer dúvidas.
Porque é então que algumas pessoas a puseram?
No estado actual do problema do inquilinato -e as considerações que vou fazer suponho que responderão à questão que acabo de pôr- é impossível realizar a justiça com igualdade. Isto é o mesmo que dizer que é impossível realizar um certo ideal de justiça.
Uma imagem talvez me ajude a esclarecer completamento o meu pensamento. Vou buscá-la aos planos de urbanização.
Nós conhecemos, até por experiência, o sentido de realização desses planos por alguns urbanistas. Há nessa matéria uma solução radical, que é esta: trata-se de um plano de urbanização num local já urbanizado? Deita-se tudo abaixo e faz-se de novo! Só assim se consegue atingir o ideal que um bom arquitecto urbanista tem diante dos olhos para sé deliciar. É uma solução radical. Mas é possível outra solução: é conservar ou ajeitar o que está e criar-lhe o quadro que, sem cuidar de pormenores, dará ao conjunto a linha arquitectónica, que, por si, enche de beleza até o que, olhado fora do conjunto, é pobre e feio. Esta é uma solução que poderá chamar-se tradicionalista e a mim me parece uma boa solução.
Tem até a vantagem de evitar essa horrível linha recta que tanto magoa a nossa sensibilidade como a linha curva a abranda...
Ora eu trouxe esta imagem para a aplicar à questão que se está a discutir. O problema pode por-se da mesma maneira no inquilinato. Solução radical: deitemos tudo abaixo; acabe-se com a propriedade privada!... Como o arquitecto a quem o existente não satisfaz, no plano urbanístico, os seus ideais estéticos e, portanto, quer arrasar tudo para fazer de novo.
Eu compreendo que haja quem, tomando contacto com este problema do inquilinato e vendo as desigualdades monstruosas que existem e que o tempo tem consagrado, ponha assim o problema: está tudo errado; o melhor é deitar tudo abaixo e fazer de novo.
Mas deitar tudo abaixo, na hipótese, é acabar com a propriedade privada.
Há também a outra posição: vamos a ver se conservamos com pequenas mutações o existente, conseguindo uma solução que nos vá aproximando da justiça.
Será, correspondentemente à do urbanista tradicionalista, a solução do político e do sociólogo em face deste problema.
Ora bem: foi, então, a ambição do projecto e da proposta e dos pareceres da Câmara Corporativa e da comissão eventual, e será a desta Assembleia, criar um quadro para o estado existente sobre o inquilinato que, realizando a justiça possível, seja um primeiro momento - apenas um primeiro momento - na realização dessa justiça. Mas, em face do quadro que conserva fundamentalmente o existente e apenas procura aproximar-se da justiça, todos se queixam.
Queixa-se o senhorio, porque não se lhe respeita completamento o seu direito de propriedade; queixa-se o inquilino, porque, em todo o caso, se toca na estabilidade da sua situação.
Queixa-se o senhorio e queixa-se o inquilino, porque, realmente, não se consegue realizar a igualdade.