72 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 56
e a que não foi a única dessa envergadura no quadro geral das despesas do nosso recente reapetrechamento. Parece, por isso, Sr. Presidente, ter chegado a altura de o vulgar dos portugueses - que não é obrigado a conhecer os meandros da respectiva técnica- ter o direito de muito legitimamente, querer sabor o que significou para o Pais tão grandioso esforço e com que quinhão de vantagens pessoais pode ele, afinal, contar na partilha dos respectivos benefícios.
Se é fácil, quanto à primeira questão, dar alguns números que traduzem bem a ordem de grandeza dos benefícios que se devem esperar de um tal acervo de esforços e despesas, já o mesmo não sucede, infelizmente, quanto à segunda questão, pelos motivos que adiante se apontarão.
Com efeito, sem falar já nas novas possibilidades de desenvolvimento material do País que bruscamente se vão criar com um aumento de mais de 50 por cento das suas disponibilidades energéticas actuais, nem no poderosíssimo instrumento de penetração económica e descentralização demográfica que podem vir a representar as primeiras grandes artérias da rede eléctrica nacional, os novos 450 milhões de kilowatts-hora anuais equivalem - para o rendimento actual da maior parte das nossas centrais térmicas - a qualquer coisa como cerca de 300:000 a 400:000 toneladas de hulha estrangeira, num valor anual da ordem dos 150:000 a 200:000 contos, quando posta C.I.F. em Lisboa, ou muito perto dos 200:000 a 250:000 contos, quando posta nos locais, da sua utilização, dentro das salas das caldeiras!
Não pode deixar de se reconhecer que é principesco um tal juro do capital empatado.
Muito mal avisados andaremos nós, por isso, se, no velho hábito de discutirmos abstractamente todas as hipóteses de soluções óptimas - a maior parte das quais ainda nem sequer convenientemente estudadas -, hesitarmos, se o pudermos fazer, no prosseguimento imediato dos escalões seguintes dos aproveitamentos já iniciados, deixando perder assim importante energia complementar, mais barata, e as vantagens óbvias de uma sequência lógica de trabalhos, processos e pessoas já experimentadas e, para mais, correndo-se o risco de nos atrasarmos na satisfação das novas necessidades de consumo que os próximos anos fatalmente nos vão impor.
E, Sr. Presidente, pelo que respeita aos tão ansiosamente esperados abaixamentos dos preços da energia eléctrica em baixa tensão, quais as perspectivas?
A esse respeito - e pelo que me foi dado saber há pouco, quando me vi forçado pelas minhas funções a ocupar oficialmente dum caso de aumento de tarifas de energia eléctrica na minha região - eu receio que algumas pequenas desilusões tenha de haver, e que, em minha modesta opinião, muito bem poderiam ter sido evitadas.
Com efeito, e como primeiro lapso, deixou-se alimentar no espírito da opinião pública a confusão entre o preço da energia eléctrica em alta tensão nas centrais de origem - que era da ordem dos 50 a $55 por kilowatt-hora nas centrais térmicas existentes, contra os $36 a que aproximadamente ela vai passar agora a ficar nesse locais (sem incluir os encargos do sempre indispensável apoio térmico) -, e o preço a que a mesma energia -tal como a água, quase gratuita nas nascentes - pode vir a ser efectivamente distribuída aos domicílios, em baixa tensão, depois de pesados encargos de transformação, transporte e, sobretudo, de distribuição, nas actuais condições.
Não se esboçou sequer, que eu saiba, senão há muito pouco tempo, qualquer tentativa para tratar o assunto em público com a indispensável objectividade, clareza e conhecimento de causa, explicando-se às populações
o mecanismo - de pura contabilidade e equilíbrio de receitas e despesas com a venda de energia - que preside à estruturação de qualquer sistema tarifário.
Numa palavra: numa época em que tanto papel e tinta se gastam a repisar às vezes aspectos ou problemas que, não poucas vezes, só servem para nos ensombrar a legítima alegria de viver, não houve uma alma caridosa com conhecimento do assunto que se preocupasse um pouco com a informação detalhada e a preparação psicológica das populações em matéria das consequências práticas que, sem optimismos ou exaltações descabidas, cada um de nós deveria ou poderia esperar da realização dos novos aproveitamentos.
Essa imprevidência ou lapso - como VV. Ex.ªs julgarem melhor - afigura-se-me hoje tanto mais desagradável quanto é certo que desde 1947 - época em que se começou a ver que certos preços só artificialmente poderiam continuar a ser mantidos - se teimou em não adoptar uma política de realística e gradual actualização de tarifas, já então julgada inevitável pelas próprias repartições responsáveis, como se verifica, por exemplo, pelos relatórios anuais dos serviços municipalizados de gás e electricidade da Câmara Municipal do Porto, que aqui tenho à mão e de que vou ler algumas palavras:
A falta de rendimento que se regista alcança tal gravidade que por si só basta para condenar uma experiência cujo resultado à vista é conduzir à ruína económica a exploração do organismo distribuidor de energia.
De onde resulta tão manifesta deficiência? Da concepção do sistema tarifário? De erros graves no estabelecimento dos seus parâmetros? Ou de razões estranhas?
Inclinamo-nos pelo último motivo, já porque o sistema não é novidade e é aplicado com esta ou outra modalidade em várias partes do Mundo, já porque as correcções que a prática tem indicado que se introduzam nos seus parâmetros são de só menos importância.
A razão forte, verdadeira e única do descalabro económico para o qual caminham os serviços com o actual sistema de tarifas reside apenas em querer continuar a aplicá-lo como se economicamente não tivessem variado as condições de 1938, que serviram de base ao sou estudo e criação.
Como não posso pensar em que para manter tão perigosa situação se vá recorrer a qualquer desses fundos, que S. Ex.ª o Ministro das Finanças muito justamente deseja ver reformados no seu funcionamento e mecânica de prestação de contas, receio que se tenha assim protelado a resolução de um tão melindroso problema - como é sempre uma revisão de tarifas - para uma altura em que, por motivos óbvios, nenhuma sombra de descontentamento ou de maliciosa especulação deveria vir empanar o bem justificado júbilo e orgulho público pela entrada em serviço das novas grandes centrais hidroeléctricas.
Seja, porém, como for, o mal, se está feito, está feito, e o que importa agora não é criticar o que já não tem remédio, mas sanear a situação criada, explicando-se claramente às populações porque é que as novas quantidades de energia de que se vai dispor e os escassos $15 a $20 por kilowatt-hora que ela vai ficar mais barata não chegam para suportar, em muitos casos, os agravamentos verificados, como consequência da guerra, na distribuição da energia em baixa tensão em certas regiões do Pais, pelo que algumas destas se terão de preparar para uma alta das respectivas tarifas aí hoje praticadas, e não para a baixa por que ansiosamente tanto esperavam.