O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

142 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 61

grandes directrizes a seguir, dentro das quais os orçamentos têm obrigatoriamente de se enquadrar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Jacinto Ferreira: - Sr. Presidente: no dia 17 de Julho do corrente ano tomou posso do cargo de director da Biblioteca Nacional o Prof. Silva Marques. E no discurso que então proferiu disse, entre outras coisas, o seguinte, que transcrevo dos jornais diários:

Não há necessidade de carregar nas sombras do quadro, já de si notoriamente enegrecidas, para com sobeja razão lhe podermos chamar (à Biblioteca) uma casa desgraçada. Mais que péssima e vergonhosa instalação: graves perigos de incêndio e explosão (e ameaçando precisamente mais de perto a secção dos reservados).

As espécies, o recheio, sem exceptuar as mais preciosas, fortemente atacadas, ou, antes, a ser progressiva e incessantemente devoradas pelos bichos, desaparecendo as mais antigas, valiosas e raras e ficando as mais modernas, mais vulgares e menos valiosas; quase completa falta de espaço - tanta que não tardará que tenham de se amontoar as novas aquisições, condenando-as a não poderem ser lidas e a apodrecerem rapidamente.

Extrema escassez de meios materiais para fazer face as mais urgentes e prementes necessidades de uma Biblioteca Nacional; impossibilidade, por esta razão, de encadernar as espécies, ainda que só as mais importantes, e, em consequência, a sua desagregação e destruição certas; impossibilidade, pela mesma razão, de publicar as espécies mais raras, valiosas e inéditas, que assim continuam perdidas para a Ciência, etc. Estou muito longe de esgotar o triste rol.

Dois meses depois o director da Biblioteca, em entrevista concedida à revista católica Flama, afirmou:

Além de camiões de livros valiosos já vendidos a peso, e por várias vezes, por estarem reduzidos a uma renda, e, portanto, ilegíveis e perdidos, há milhares e milhares de outros já muito atacados de toda uma fauna de insectos bibliófagos e até de ratos.

Uma desinfecção total, mas total e feita a fundo, com cloropicrina ou ácido cianídrico está orçada em cerca de 400 contos. Ora nós temos, para todas as despesas de limpeza, higiene, etc., uma dotação anual de cerca de 20 contos. Já se vê que tem de ser outro o caminho, e este não pode ser senão o auxilio decidido e suficiente do Estado.

Todos nós sabemos que estes males não são de agora, o o próprio Prof. Silva Marques o vincou na mesma ocasião quando disse:

Já há mais de um século, em 1844, no sou relatório que corre impresso, o então director, José Feliciano de Castilho, escreveu a frase desgraçadamente profética:

Se daqui não for removida quanto antes a Biblioteca Nacional, não tardará muitos anos em que dela apenas reste memória.
Mas, pelo decorrer de muitos anos, o mal foi-se agravando e chegámos à situação angustiosa presente. A obra de destruição não pára e, a não ser atalhada rápida e eficazmente, consumar-se-á dentro em pouco.

Este quadro, verdadeiramente confrangedor, não é, infelizmente, único, pois o ilustre Deputado Dr. João Ameal, no seu discurso sobre a figura de Alfredo Pimenta, também aqui nos revelou o desgosto permanente do erudito publicista pela perda irremediável a que estavam condenadas as preciosidades encerradas na Torre do Tombo, de que era devotado director.
Em 1920 realizou-se na Biblioteca Nacional uma triste e escandalosa exposição dos livros destruídos pelos parasitas, mas não foram tomadas quaisquer providências.
Já em 1935 o Dr. António Ferrão propôs a aplicação dos meios parasiticidas usados com sucesso em bibliotecas estrangeiras e onze anos depois, em 194G, renovou a proposta.
Em 1940 o ilustre Deputado Prof. Mário de Albuquerque lançou nesta Assembleia um grito de alarme.
Também a propósito da investigação científica o ilustre Deputado Dr. Cortês Pinto se referiu largamente já este ano.
Tudo em vão.
A que poderemos atribuir, Sr. Presidente, tal indiferença, talvez mesmo tal descuido, para com estas parcelas da riqueza cultural da Nação, em contraste chocante com o zelo e o carinho que aos Governos depois do 28 de Maio tem merecido a generalidade do património nacional?
Só motivos decerto muito ponderosos terão levado a manter-se a Biblioteca Nacional nesta situação desgraçada ainda quase vinte e cinco anos depois de Gomes da Costa ter desembainhado a espada em Braga.
Não podemos, felizmente, atribuí-la à falta de recursos financeiros. Por estranha coincidência, logo no dia seguinte os mesmos jornais diários publicavam com destaque igual ao desta reportagem uma fotografia do estado de adiantamento do novo edifício do Instituto Nacional de Educação Física.
Ora não se pode censurar em absoluto a construção de um edifício novo para a educação física. É intuitivo que estas e outras obras públicas, mesmo económicamente não produtivas, representam dinheiro a circular e que esta circulação vai traduzir-se parcialmente em salários para os pobres. E é da boa doutrina social que, para estes, a melhor protecção consiste em lhes proporcionar trabalho digno.
Mas pergunto apenas: se em vez do novo Instituto Nacional de Educação Física tivesse sido planeada a construção de uma nova Biblioteca Nacional, não teria sucedido o mesmo quanto aos pobres, quanto às obras públicas, etc.? E não teria sido mais rendoso para a riqueza nacional?
Por isso, se não é condenável em absoluto a construção deste edifício ou outra qualquer obra sumptuária, não poderá deixar de o ser em relação às necessidades que ficam por satisfazer, o que deveriam ter tido primazia dentro de um plano devidamente ordenado.
Mas este caso da Biblioteca Nacional põe ainda em destaque um facto não menos de registar, que se traduz na pouca importância atribuída a este alarme público: em face deste grito aflitivo da cultura nacional, emitido por uma pessoa altamente responsável, as entidades competentes não julgaram necessário fazer qualquer declaração, tranquilizar os estudiosos, dar conta das providências a tomar ou já tomadas para evitar o desastre total.
Será isto um bem ou será antes um mal?