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14 DE DEZEMBRO DE 1950 157

Sr. Presidente: a escassez de gado bovino corresponderá de facto ao que se afirma em numerosos artigos, muitos deles assinados por competentes na matéria?
Pelo que tenho averiguado, julgo que, embora muito, aquém do número de reses que as largas possibilidades do solo nacional poderiam e deveriam comportar, a existência de gado bovino é, contudo, de molde a garantir um abastecimento, já não digo a, farta, mas sem a mingua que actualmente se verifica em alguns mercados.
Pelo que respeita à região nortenha, que eu saiba, apenas na cidade do Porto é notória a falta de carne. Tanto nos restantes concelhos do distrito, como, de uma maneira geral, nos restantes distritos, não sómente há facilidade em adquirir carne, mesmo de vitela, como a das reses ali abatidas contribui para o abastecimento do burgo portuense, provocando certo estado de crise entre os empregados dos respectivos açougues, onde o movimento passou a ser bastante reduzido, porque à carne exótica que em grande parte os abastece o consumidor portuense prefere a abatida nos concelhos limítrofes, embora os transportes e certa especulação lhe encareça o preço.
E por que não acorrem as reses ao matadouro portuense?
Ouçamos o Sr. Cunha Melo, ilustre presidente do Grémio da Lavoura de Vila do Conde.
Na cidade do Porto não vigora o auto-abastecimento.
A compra do gado é, ali, da competência da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, que depois faz o respectivo rateio pelos marchantes.
O preço pago à lavoura é calculado segundo uma tabela em que figuram quatro categorias -designadas especial, 1.º, 2.ª e 3.ª-, consoante a qualidade das reses, mas previamente abatido da respectiva gordura, que é paga a preços muito mais baixos.
Um exemplo:
Por uma junta do bois que, segundo a classificação obtida, e ao preço correspondente de 225$ cada arroba, deveria ser paga por 19.240$, visto pesar 1:283 quilogramas, o proprietário apenas recebeu 18.045$, isto é, menos 1.2005, porque fora despojada de 120 quilogramas de gorduras, pagos apenas por 600$.
Este procedimento tão prejudicial para a lavoura é justificado pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários pela necessidade de contrariar a engorda excessiva do gado bovino.
Ora, diz o Sr. Cunha Melo, tais casos apenas se verificam na escassa percentagem de 2 por cento do gado abatido, mas a aplicação de tão considerável e incomportàvelmente prejudicial despojo de gorduras generaliza-se a quase todas as reses ali entradas.
Desta forma, diz ainda o Sr. Cunha Melo, não é de estranhar que, tendo a lavoura outros mercados para onde mandar o seu gado livre de tais esbulhos, o faça.
Mas, acrescenta aquele considerado agricultor, a quem a lavoura confiou a presidência de um dos seus grémios, a Junta Nacional dos Produtos Pecuários, constituída a pedido dos lavradores, para os defender da actuação, para eles ruinosa, dos marchantes, deve subsistir.
A sua interferência, convenientemente orientada, será útil a produtores e consumidores.
Mas deve agir simplesmente como entidade reguladora de preços, isto é, orientando por oportuna e inteligente intervenção a fixação de preços satisfatórios para o produtor e acautelando os consumidores de intoleráveis especulações.
E, assim, defendidos a produção e o consumo, só vantagens haverá em caminhar-se para o auto-abastecimento, deixando a compra de gado confiada à competência de pessoas especializadas na profissão de marchantaria.
É possível que o auto-abastecimento, apesar das vantagens que acompanham sempre a intervenção de técnicos competentes, quando defendida de abusos pela função reguladora de um organismo idóneo, não agrade à totalidade dos profissionais daquela actividade, porque, como diz o povo, «quem tem unhas é que toca guitarra».
O Sr. Cunha Melo entende ainda não haver inconveniente em que o auto-abastecimento vigore nos concelhos vizinhos da cidade do Porto e que a carne ali abatida continue a entrar naquele grande burgo, pois, sem concorrer incomportavelmente com a marchantaria portuense, muito poderá contribuir para o abastecimento daquela população numerosa e activa, não só em quantidade, mas com garantia de boa qualidade o de preços justos.
Sr. Presidente: trouxe estas considerações à Assembleia Nacional porque nas suas linhas gerais, estão certas.
Ainda recentemente ecoou neste grande hemiciclo a afirmação oportuna e eloquente de que os organismos oficiais e similares deveriam evitar toda e qualquer concorrência às actividades privadas, para se confinarem na função reguladora e orientadora que por lei lhes compete.
O comércio deve pertencer aos comerciantes, como a indústria aos industriais.
E convencido estou de que, embora sem atingir proporções de grande fartura, a carne não faltará à população portuense.
Mas uma tal política não deixará de concorrer também para que a bovinocultura tome no território metropolitano, como seria da maior conveniência, considerável incremento, já não digo para concorrer, como noutros tempos, nos mercados estrangeiros, sobretudo no britânico, com a carne frigorificada da Argentina, do Brasil e doutros países sul-americanos, mas para abastecer como convém a população portuguesa, que as estatísticas demonstram ir aumentando em ritmo anual que já excede a centena de milhares de habitantes.
Simultaneamente valorizar-se-á a lavoura com valiosa adubação orgânica e garantir-se-ão a variadas indústrias subprodutos de alta categoria, como os couros, que, convenientemente defendidos do bárbaro aguilhão, não têm rivais nos produtos similares importados do estrangeiro.
Sr. Presidente: mais que a cultura cerealífera, que ocupa área apreciável do sector agricultável do nosso território metropolitano, a pecuária, nos seus diversos ramos, encontra nas respectivas condições mesológicas habitat conveniente à sua exploração.
E se as varas porcinas, sobretudo nas montanheiras alentejanas, as recuas, em que se apreciam magníficos exemplares, e o armentio fornecedor de boas lãs e apreciáveis queijos, e que imprime nota pitoresca, sobretudo nas serranias beiroas e trasmontanas, constituem valores muito apreciáveis, o gado vacum, que vai medrando por toda a parte, aqui mais adequado à fracção, ali a constituir zonas leiteiras de 1.ª categoria, e, duma maneira geral, figurando como factor valioso da alimentação e fonte de subprodutos utilizados por variadas indústrias, já figura na riqueza nacional com elevado expoente, mas é ainda susceptível de aumentar e melhorar consideràvelmente, dispensando-nos de variadas importações, contribuindo assim para o equilíbrio das nossas balanças comercial e de pagamentos.
Sr. Presidente: o que eu acabo de dizer, e o muito mais que sobre tão importante tema poderia aventar-se, justifica o tempo tomado à Assembleia Nacional com a exposição que VV. Ex.ªs tiveram a paciência de ouvir.
Não apoiados.
Além disso, estes depoimentos que o Diário das Sessões vai publicar não deixarão de ser apreciados pelo ilustre titular da Economia ao elaborar a sua anunciada