14 DE DEZEMBRO DE 1950 161
Contudo, mesmo assim há, é um facto, o desfasamento entre as possibilidades actuais de gente e o ambiente material da sua existência.
Por outro lado, mais de metade dos que somos depende inteiramente da forma como decorrem as estações e a outra metade sente pouco depois os seus efeitos. Esta a situação real quanto a possibilidades económicas e de progresso social. Esta a situação, sem quaisquer rodeios ou visões deformadas, digamos melhor, miragens do mundo da utopia. Não é caso, porém, para desanimar, porque o engenho humano não cessa de progredir.
Essa nação que todos julgamos muito rica - os Estados Unidos da América - também tem os seus graves problemas, e talvez ainda de maior acuidade que os nossos próprios.
Lá também, enquanto eram poucos com referência à extensão do território e às disponibilidades de energia e de minérios ricos, a vida foi fácil e o nível de existência subiu a altura nunca vista na velha Europa. Mas hoje também o horizonte de existência desse grande povo tem, da mesma forma, nuvens carregadas a toldar o futuro.
O ferro, a hulha e o petróleo, que constituíram as molas reais do seu avanço, estão em via de chegar a difíceis condições económicas de explorabilidade.
E, assim, já se trabalha no estudo do aproveitamento de minas distantes e no difícil transporte de tão precioso minério, bem como na exploração de poços de combustíveis líquidos hoje cobertos pelos oceanos. E no território nacional já se começou também, há muitas décadas, activamente, a valorização de grandes bacias hidrográficas dos rios que correm nas zonas secas, como o Mississipi, sujeito - este como o nosso modesto Tejo - às intermitências estacionais. E assim vão conquistando para o povo dos Estados Unidos, no mesmo espaço, mais espaço económico.
Contudo, para atingirem estes resultados, já percorreram também falsos «talhos, desbravando em exploração agrícola mineira matagais e florestas que cobriam encostas de vário pendor. E o resultado foi sentirem, poucas décadas decorridas, o feroz rugido duma natureza ferida. Cheias, tempestades de pó que tudo esteriliza, tornados e, no fim desta trágica cadeia, a dramático, erosão. E, lá como cá, os rios eram disciplinados, mantendo-se nos seus leitos de equilíbrio.
Lá como cá, foi a necessidade de aumentar o cereal e o pasto que determinou o arranque da árvore e do arbusto.
Lá como cá, as águas coraram, talvez pressentindo já consequências funestas.
Lá como cá, depositaram-se nateiros nas margens e houve lavradores enriquecidos e outros empobrecidos.
Lá como cá, a nação é que perdeu sempre.
Lá como cá, na mira de resolver dificuldades por processos considerados expeditos, errou-se e foi o povo que teve de pagar, e bem caro, os enganos de homens pouco experientes. Surgiram, prometedoras, e «s dezenas, obras hidroeléctricas, acrescendo o potencial energético da Nação; irrigaram-se milhares de hectares de sequeiro.
Mas lá, antes da era da programação das iniciativas de fomento, muitas obras foram tornadas estéreis pelas ressacas da Natureza.
Lá como cá, muitas indústrias foram montadas, para, poucos depois, serem desmontadas ou então abandonadas.
Lá como cá, árvores de fruto preciosas, constituindo verdadeiros, jardins de Hespérides, foram arrancadas ainda em plena juventude, por se ter verificado, no decurso da exploração, que os estudos preparatórios não tinham sido bem fundamentados.
Lá como cá, grandes parcelas do rendimento nacional evolaram-se assim, sem contribuir para a melhoria das condições de existência da grei. Devemos, porém, considerar estes cadáveres, que, aqui e além, entristecem a rota para uma vida mais feliz, como escolhos a impedir definitivamente a grande caminhada ou apenas alguns exemplos de obstáculos em que é mister não mais tropeçar? E claro que assim tem de ser, e só então será para lamentar, amargamente, quando se insista no erro depois de conhecer a verdade.
Teve o americano do norte, amante da verdadeira liberdade, partidário convicto do valor da iniciativa privada, respeitador profundo dos verdadeiros direitos do homem, de se sujeitar, para benefício colectivo, da programação económica. E fê-lo sem hesitar, e nunca, também, a não ser em períodos de grave emergência, se aproximou do Estado-patrão.
De resto, o enterro de 1.ª classe de algumas loucuras deste género em países outrora ricos da Europa industrial constituirá exemplo para perdurar por séculos.
Não! Lá como cá, na América como na Europa, teremos de ir para a programação nos gastos importantes do rendimento nacional. E, se o não fizermos, a estatística, acusará declínio do capital nacional e desigualdades gritantes no enriquecimento.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Programação, contudo, é obra para profissionais. Escolhida a base de estudo - bacia hidrográfica, nos países em que os rios constituem a principal fonte da vida -, é necessário estudar a terra que fica nas suas malhas, o seu valor agrícola, florestal e mineiro, os fertilizantes de que carece, a. resistência que oferecem os diferentes tipos de solo à erosão e a forma de a combater, para que depois possam ser dados úteis conselhos aos interessados.
Calculam-se os caudais e as quedas pluviométricas por forma a permitir a regulação da vida do rio. Escolhem-se os melhores locais para cada unidade talergética ou fabril, dispondo as centrais onde elas forem mais rendosas e as condutas de irrigação onde derem mais proveito. Traçam-se as vias de comunicação por forma a permitirem a maior actividade circulatória, evitando-se a concorrência inconveniente entre a rodovia e a ferrovia.
As linhas férreas, como disse o ilustre Prof. Doutor Faria Lapa numa interessante conferência há pouco proferida, o têm de constituir as grandes artérias e veias do sistema circulatório e sobre elas tem de convergir e delas divergir uma vasta e apertada rede de capilares, constituída por transportes automóveis «em regime de carreira - o único que reúne as características de serviço público».
E tudo isto, que parece tão simples, e que o é de facto, não tem sido, infelizmente, realizado senão em número muito limitado de países. E não se julgue que é preciso muitos anos para se chegar a este resultado. Temos mesmo a. certeza de que é esta a forma mais rápida e mais segura de caminhar. Porque, além dos inconvenientes ligados a uma delapidação do rendimento nacional, a fábrica construída e que depois de terminada não pode funcionar, por falta de energia ou por outra causa qualquer, ou aquela que, instalada, produza bens a custo muito superior ao do mercado internacional constituem exemplo que só vem dificultar o progresso da iniciativa privada.
Aguardamos, por isso, que o Governo, na esteira d outras úteis programações já realizadas, como a da construção da rede de estradas, dos portos, das escolas primárias, dos liceus, dos hospitais, das moradias económicas, dos quartéis, etc., inicie também, sem demora,