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174 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 63

O Orador: - Eu bem sei que Junqueiro foi - como diz um crítico da sua obra - «o poeta da multidão e da praça pública, sempre atento ao rugido ou aos uivos da cidade revoltada, e não se enclausurou, como outros poetas, na sua torre de marfim».
Isto significa que a obra de Guerra Junqueiro foi uma expressão da época. Já Camilo, no seu vernáculo e inconfundível estilo, afirmara que «a poesia, essência fétida ou aromática da literatura, é a expressão de uma época».
Mas, se tal circunstância pode interessar as razões da obra e absolver em parte o autor, ela não invalidou as consequências ou os maus resultados da mesma obra.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Querem falar-nos do Junqueiro dos últimos meses ou anos da sua vida? Mas esse não interessa senão na medida em que renegou muitos excessos e injustiças dos seus versos. A contrição e o arrependimento são actos morais que aproveitam para o futuro, mas não destroem os males produzidos. Esses, tal qual acontece com o incêndio que tudo destruiu, não podem anular-se senão na misericórdia de Deus e no perdão da posteridade. Mas os malefícios, esses lá ficaram e produziram seus frutos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O escritor, cultor apaixonado da Língua e da educação, elevado a professor universitário em homenagem a uma vida e a um labor postos ao serviço da língua e literatura pátrias, Dr. Agostinho de Campos escreveu, com a sua responsabilidade de crítico e de autoridade reconhecida, em Julho de 1923, as seguintes palavras:

Não há, em língua portuguesa ou noutra qualquer, sátiras contra o catolicismo de virulência comparável às da Velhice do Padre Eterno; e a Pátria é libelo tão feroz contra a dinastia de Bragança e contra o seu último representante, D. Carlos I, que não será exagero chamar-lhe um breviário de regicídio.

Mais que breviário, acrescentarei, pois chega a ser incitamento. Que outra interpretação podem ter estas palavras:
Papagaio real, diz-me quem passa?
É alguém, é alguém que foi à caça.

(Do Caçador Simão.)

Colérico, rebelde, anárquico em nome de um falso cristianismo panteísta, simulando doçura através de gangrenas, é incitador à revolução social da desordem. É o que dizem, na sua aliciante revolta, tantos versos como estes:

Faminto, nu, sem mãe, sem leito,
Roubei um pão.
Quem vai além de farda e de grã-cruz ao peito?
Um ladrão.

E ainda estes:

Que prostituta está cantando àquela esquina?
A Lei.

Por isso, como acrescenta Agostinho de Campos, «graves são perante a História as responsabilidades políticas e sociais de Guerra Junqueiro ou dos seus versos vingativos e demolidores».
Sr. Presidente: é ministrando pábulo de vingança e de demolição que se quer educar a juventude portuguesa?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É chamando a Cristo, na Morte de D. João, «Um Deus cadáver, um cadáver frio»?
É negando que o mesmo Cristo seja o amparo supremo dos desgraçados, como ele faz nos seguintes versos:

Como há-de ele amparar os desgraçados
Se tem os braços lívidos, pregados
Nos braços de uma cruz!?

Mas basta de citações. Eu bem sei, repito, que os últimos tempos da vida do poeta foram de contrição e arrependimento. Não se ignora que ele repudiou A Velhice do Padre Eterno, chamando-lhe um livro de mocidade. Também é conhecido que entregou a Luís de Magalhães um exemplar da Pátria com várias supressões, fazendo desaparecer os passos mais injustos para a dinastia de Bragança e para o desventurado e grande rei D. Carlos I.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Alegramo-nos com a justiça das suas últimas palavras e decisões e com o reconhecimento dos seus erros e injustiças. Mas porque as reconheceu, denunciou e repudiou não significa que a obra tenha ficado isenta e, sobretudo, que se justifique a elaboração de uma antologia para uso da juventude.
Antologias morais e patrióticas?
Façam-nas com Fernão Lopes e Garcia de Resende, Sá de Miranda e João de Barros, Gil Vicente e Camões; com Rodrigues Lobo e D. Francisco Manuel de Melo, Frei Luís de Sousa e os padres António Vieira e Manuel Bernardes; com Frei Heitor Pinto e Frei Tomé de Jesus; com Garrett e Herculano, João de Lemos e João de Deus; com António Sardinha e Afonso Lopes Vieira e tantos outros, louvado Deus, tantos outros!
Sr. Presidente: anda desviada, consciente ou inconscientemente, em vários sectores e detida por muitos que dizem servi-la a revolução do Exército feita em 1926 por alto imperativo nacional.
Julgo ter suficiente autoridade para o afirmar quem viveu no inconformismo e na luta a sua mocidade nesses conturbados tempos, que têm seu ádito no duplo regicídio, a que um grande orador sagrado dos princípios deste século tanto a preceito chamou também regnicídio.
Morte de reis foi, na verdade, e morte do reino de oito séculos de operosa e gloriosa história. Deve assistir suficiente autoridade a quem viveu e sentiu a vigília e a alvorada da libertação e lhe prestou o seu concurso dedicado e desinteressado.
Festejem, embora, o nascimento do poeta, exaltem méritos ou virtudes, admirem-lhe a cadência dos versos, louvem-lhe as intenções, se bem lhas descobrem e conhecem, deixem-se encantar com a melodia do seu estro - mas não façam dele mestre ou guia da juventude.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Essa precisa de exemplos mais altos e de doutrina mais sã.
Quer e precisa de Cristo no seu lugar verdadeiro de Deus e os que servem a grei na altura a que os elevou um magnífico ideal patriótico.
Precisa de viver no amor de Deus e da família, da Pátria e da tradição, e não no ódio ou na revolta. Não pode aprender a ser injusta, mas a ter fé na justiça do Deus e na melhoria do homem. Em suma: precisa de formar-se cada vez mais cristã e cada vez mais portuguesa!