334 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 71
tados dos efeitos, das repercussões distantes da obra de hoje, que só essas gerações poderão avaliar devidamente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A crítica contemporânea, se não pôde ou não quis exercer-se oportunamente sobre os planos e projectos, apenas interessa fazer-se agora sobre as realizações na medida necessária para evitar reincidências nos pequenos erros verificados, nuas mesmo nesta crítica é indispensável ter-se em conta o factor emocional da nossa presença, da nossa assistência à execução da obra e das reacções que, por esta circunstância, fatalmente hão-de perturbar a serenidade do nosso juízo crítico.
Neste momento o que é primacial é fazer o balanço da obra realizada e, debruçando-nos sobre ele, reflectirmos sobre as linhas gerais do programa futuro, linhas que a conjuntura actual impõe que sejam traçadas, amais cuidadosamente do que nunca, porque se o lema que inspirou o legislador de 1935 foi o de que éramos demasiadamente pobres para nos permitirmos o luxo de fazer obra sem planos, não é difícil demonstrar que ainda não estamos suficientemente ricos para podermos mudar de sistema.
De resto, Sr. Presidente, o comentário crítico, sintético e definitivo da obra realizada está luminosamente feito pelo próprio Presidente do Conselho no § 4.º da exposição que precede o relatório dos vários Ministérios por onde se executou a Lei n.º 1:914, e nada mais seria necessário acrescentar, - não propriamente às palavras, mas ao sentido dessas curtas e incisivas linhas. Tomá-las-ei como linhas condutoras de um pensamento construtivo no desenvolvimento das minhas considerações, para por elas ser levado com lógica e coerência às minhas modestas conclusões.
Começarei por fazer uma breve resenha do que se passou nesta Assembleia com a discussão da proposta de lei de reconstituição económica apresentada pelo Governo em Fevereiro de 1935.
Baseava-se essa proposta nos resultados obtidos pela Administração entre 1928 e 1934, designadamente a diminuição efectiva de 2.549:000 contos na dívida pública e de 46:000 contos nos respectivos encargos anuais e, ao mesmo tempo, a acumulação de 717:000 contos de saldos das gerências anteriores, depois de gastos cerca de 1 milhão de contos em obras e aquisições diversas, excluindo as despesas militares; daí se concluía pela possibilidade de se contar com 6,5 milhões de contos para serem despendidos durante quinze anos, a partir de 1935.
O parecer da Câmara Corporativa revela que a proposta do Governo lhe despertou inicialmente algumas dúvidas - acerca das quais, aliás, declara ter sido esclarecida no decurso da sua apreciação, mas não deixou, por isso de emitir a opinião de que, em seu entender, a contextura geral da proposta deveria ser uni tanto diferente da apresentada, sugerindo, em síntese, que deveria ser a seguinte:
1.º Far-se-ia o inventário das necessidades do fomento do País;
2.º Estudar-se-iam as respectivas soluções;
3.º Seriam orçamentados os recursos financeiros necessários;
4.º Estabelecer-se-ia o [programa de ordem das realizações, que poderia ser o seguinte: força hidráulica, combustíveis e outras fontes de energia, com a respectiva rede de distribuição; caminhos de ferro, estradas, portos e rede telegráfica e telefónica; hidráulica agrícola e urbana; saneamento e - urbanização; crédito colonial; edifícios e monumentos públicos; outras obras.
O nosso ilustre colega Sr. Deputado Araújo Correia apresentou por sua vez mina outra proposta, a que imo poderei chamar contraproposta, tanto ela se harmonizava nos seus fins com a do Governo, mas na qual, além de uma seriação diferente dos trabalhos, propunha a criação de uma junta central de economia, que fosse junto do Governo o órgão de consulta, coordenador e orientador ida execução da parte propriamente económica do programa; propunha ainda que esta execução fosse subordinada a sucessivos planos quinquenais e que estes por sua vez fossem revistos de três em três imos por aquela junta central de economia.
Em minha opinião foi pena que não tivesse sido perfilhada a ideia da criação desta junta, que deveria funcionar como um estado-maior orientador da grande batalha pelo revigoramento económico do País, organismo que, cuidadosamente constituído, daria a garantia de uma continuidade e de uma técnica de trabalho que havia de pôr a execução do programa ao abrigo das contingências das mudanças ministeriais e dos consequentes critérios de orientação.
A larga atribuição de completa liberdade de movimentos ao Governo durante um período de quinze anos mereceu àquele nosso colega, como a alguns outros, reparos inspirados no receio de uma instabilidade governativa, que felizmente não veio a verificar-se, mas essa mesma atribuição foi para outros seus colegas motivo e ensejo para calorosas afirmações de fé na perduração de uma situação política que, instaurada pela vontade do Exército Português, com o acordo unânime da Nação, tivera a felicidade de ir descobrir na sombra da sua clausura de professor universitário o maior estadista português da nossa época.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E a proposta de lei foi finalmente aprovada, sensivelmente com a redacção apresentada pelo Governo.
Vejamos agora como se desenvolveu a sua execução.
Desejaria fazer este exame com base nos elementos fornecidos pelos relatórios parcelares dos Ministérios por onde se fizeram despesas epigrafadas sob a Lei n.º 1:914, mas tive de reconhecer, ou, pelo menos, pareceu-me preferível adoptar um sistema de concentração geral das verbas despendidas com os vários sectores de fomento dispersos por aqueles Ministérios, e isto não só para facilitar comparações, como também porque são bastante diferenciados os critérios adoptados pelos referidos 'Ministérios na elaboração dos respectivos relatórios, verificando-se, por exemplo, no do Ministério das Obras Públicas que se somam despesas feitas sob a epígrafe da Lei n.º 1:914 com outras feitas dentro do orçamento ordinário do Ministério, como sucede com a rubrica de «Estradas», ou revelando despesas como é feita com «Edifícios militares», da ordem dos 436:000 coutos, de que não há a menor indicação como despesa extraordinária nas Contas Gerais do Estado, certamente porque, segundo declara o próprio relatório do Ministério, tais edifícios foram sendo feitos «com dotações anualmente consignadas no Orçamento Geral do Estado, mas dependentes das possibilidades do Tesouro, não obedecendo a quaisquer esquemas de financiamento fixados pelo Governo». Outro relatório, o do Ministério das Comunicações, refere-se em alguns capítulos apenas às despesas feitas depois da sua recente criação, não dando assim uma ideia exacta do dispêndio feito, por exemplo, com a «Aeronáutica civil», que foi realmente de ordem superior a 500:000 contos, e nele vem cifrado apenas por 261:204 contos.
É o mapa n.º 1 do relatório do Ministério das Finanças aquele que nos dá a ideia mais aproximada do dis-