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422 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 75

tado ao Parlamento, e tanto aquelas como estes se ajustam ao carácter elevadamente moral e - porque não dizê-lo? - verdadeiramente pedagógico que têm revestido neste país - e até no estrangeiro - os princípios governativos e a acção política de Salazar.
Eu não pertenço ao número dos que recusam talento, boas intenções e qualidades de governo a todos os homens públicos do passado.
Aliás, ainda conheci de perto alguns deles e os pude apreciar nos seus reais méritos. Mas nenhum conseguiu, por um conjunto de circunstâncias pessoais e colectivas, criar o clima de serenidade, de perseverança e de respeito que Salazar alcançou em torno de si, clima evidentemente necessário à continuidade e êxito dos grandes empreendimentos.
Salazar tornou-se - numa terra em que há tanta inconsequência, tanta inconstância, uma tamanha tendência a sacrificar o permanente e o conjunto ao transitório e ao pormenor - o Mestre incontestado de uma geração, o paradigma de todos os que compreenderam o verdadeiro significado e o real alcance do seu papel governativo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas compreender alguém não representa necessariamente adoptar os seus princípios e os seus processos. Os homens são muito diferentes uns dos outros, e, por outro lado, eu duvido de que no campo da educação nacional, da mentalidade portuguesa, esteja feita a reforma que devia ter acompanhado, para a tornar perdurável e eficaz no desejado grau, a tarefa de que neste debate nos estamos ocupando.
Faleceu há pouco um discutido escritor político, que, a propósito de um julgamento de personalidades acusadas de participação numa tentativa revolucionária, apontava com talento e com verdade o mal existente no facto de um quarto de século de acção governativa não ter trazido à mentalidade corrente dos portugueses a modificação profunda, que seria de esperar e de desejar, em paralelismo com as notáveis realizações materiais levadas a efeito no mesmo período.
Eu não sei nem quero agora saber em que sentido o falecido escritor desejava que a nossa mentalidade tivesse evolucionado, mas o facto é que, a meu ver, ele tinha razão, pelo menos em grande parte, porque ninguém pode contestar que do clima em que temos vivido um ou outro benefício tenha resultado em tal domínio.
Ora uma Administração como a que teve de executar a Lei n.º 1:914 não é apenas um homem, mesmo, como neste caso, um Homem com um H maiúsculo, bem maiúsculo.
Houve decerto colaboradores de Salazar que se mostraram dignos do Chefe e do papel que lhes foi confiado.
Mas poderemos afirmar que em todos os domínios da Administração e da técnica se trabalhou com os métodos, a visão e a eficiência que o exemplo e o programa superiores podiam neles fazer presumir? Já aqui foi, neste debate, dito o suficiente para se concluir que, infelizmente, nem todos estiveram no espírito e na lógica do Chefe e do Mestre.
Adivinho as decepções, as desilusões, os sofrimentos dos homens de Governo perante a incompreensão, a inércia, a insuficiência de muitos daqueles de que supunham poder esperar a colaboração técnica necessária, quer pelos cargos em que estavam investidos, quer pela reputação adquirida numa especialização, quer por outras indicações que dos seus nomes teriam sido feitas...
Isto, aliás, não me surpreende que se dê. Conheço já suficientemente os homens para não me admirar com factos desta ordem. Não pretendo mesmo que se trate da mediocridade ou do egoísmo como dista ou inconfessável, na maior parte dos casos. Mas o mal está, sobretudo, numa insuficiente compreensão do papel a desempenhar e dos objectivos a atingir.
Posso asseverar, com conhecimento de cansa, que muitas entidades incumbidas em Portugal de certas funções se esquecem destas e se entregam a bagatelas que não justificariam nem de longe o encargo que elas constituem para o Tesouro Público ou para as finanças dos sectores a que pertencem.
Assim, o mal está na insuficiente compreensão a que me referi. É mais do que um defeito individual - é um defeito generalizado. E, deste modo, quando nesta Câmara se proclamou terem alguns dos nossos empreendimentos mais dispendiosos sido levados a efeito com estudos incompletos, sobre projectos em que não estavam previstos certos aspectos dos problemas, eu não vi nisso mais do que o reflexo dum defeito frequente das nossas coisas e da nossa gente.
É justo, porém, admitir que nem tudo é previsível em matéria económica. Os fenómenos económicos são, em geral, duma natureza complexa, que os torna de difícil estudo, que torna de difícil solução muitos dos seus problemas.
Funções de múltiplas variáveis. Sobre o próprio sentimento nos negócios, um comercialista de categoria escrevia há pouco numa revista económica belga:

Na hora actual, cada acto tem consequências ilimitadas e imprevisíveis. Tudo se passa como se jogássemos um jogo de bilhar: a nossa bola, em vez, porém, de ser lançada para chocar com duas outras, começaria, uma vez impelida, a procurar chocar com inúmeras outras bolas, e o espírito que a dirigiu à partida torna-se incapaz de prever a sequência da sua trajectória.
Quer se trate da alta ou da baixa dos preços, quer dos contingentamentos, quer da paridade entre as divisas, quer da estimativa do rendimento dum investimento, cada acto económico encontra-se inserido entre uma infinidade de circunstâncias que escapam inteiramente à previsão.

Deste modo, mesmo no mundo dos negócios privados, admite-se um lugar muito amplo para a intuição, para a confiança, para o sentimento, em suma, para os factores psicológicos. Não são apenas as razões egoístas de vantagem material que decidem os homens e as empresas.
Estou pensando no grande economista inglês, há pouco falecido, Mangard Keynes, que marcou tão notavelmente a sua posição entre o laissez-faire individualista e as doutrinas colectivistas e comunistas. Bibliófilo e coleccionador de objectos de arte, não foi apenas um grande economista, mas foi também membro da Junta de Belas-Artes do seu país e fomentador generoso de iniciativas como a do ballet do Covent Grarden.
É que, como já a escola histórica alemã do socialismo de cátedra admitia, em contrário da rigidez e naturalismo da escola clássica, os fenómenos económicos têm de ser considerados como inseridos o condicionados pelas instituições, pela moral, pelos costumes e pelas leis.
Se a vida humana, se a história dum povo, se os anseios do espírito tivessem de se subordinar exclusivamente ao mecanismo rígido dum plano económico stricto sensu, nem valeria a pena viver. Mas ainda pior do que a subordinação da felicidade humana a objectivos económicos seria a sua subordinação aos erros económicos, a razões pseudo-económicas.
Ora, dada a imprevisibilidade de muitos factos económicos, dada a conexão de factos da economia interna com factos da economia mundial cujo determinismo escapa à nossa intervenção e até por vezes às nossas possibilidades do conhecimento, não temos o direito de