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468 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 77

Toda a política de demagogia económica, mais tarde ou mais cedo, chega a esta porta: a das notas falsas!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Noutros sectores não se vai tão longe e continua a afirmar-se a necessidade dos bons princípios de equilíbrio, mantidos através de tudo. Há princípios que entraram dentro da consciência de todos os homens que servem honesta e dedicadamente a causa pública nesta hora.
Mas discordam igualmente da severidade nos gastos, de um plano ordenado sem grandes ambições. O que é preciso - dizem eles - é um grande plano com possibilidades financeiras de 15 ou 20 milhões, com soluções integrais de todos os problemas do País, uma grande junta capaz de planear e resolver e executar a curto prazo, e tudo o que não seja isto é solução mesquinha, inferior, porque se está a deixar gerar a miséria neste pais, a deixar perder as possibilidades que nos pode dar o futuro...
Eu não duvido - seria injustiça duvidar - das boas intenções desta corrente. Faço-lhes a justiça de acreditar nas suas boas intenções e no seu patriotismo, mas direi que ela é a revivescência do romantismo económico do fontismo e da política de Regeneração.
Quando em 1935 eu defendia aqui a possibilidade do empréstimo dos 2 milhões, um ilustre Deputado dizia-me: «Mas o senhor lembre-se de que, em face do artigo 65.º da Constituição, consentir empréstimos é o mesmo que votar impostos...»
Quando recordamos hoje esta doutrina prudente de não abusar do crédito, de não pensar em possibilidades de 15 e 20 milhões, respondem-nos que a reprodução está assegurada, que há a certeza de que os lucros cobrirão largamente amortizações e juros.
Assim falavam, Sr. Presidente, os homens de 1854, os homens do romantismo económico da Regeneração, mas VV. Exas. sabem onde esse romantismo nos conduziu. Em Londres, em 1890, já nos consideravam falidos; apesar disso, o abuso do crédito manteve-se enquanto foi possível fazer empréstimos forçados, invertendo em inscrições os bens dos órfãos e das viúvas, das confrarias e das juntas de freguesia. Depois, em 1891, negámos aos credores, internos parte do que lhes era devido; e os credores externos foram-se entretendo com novos empréstimos até chegarmos à suprema vergonha de 1902, em que tivemos de hipotecar os rendimentos alfandegários.
É preciso lembrar aos românticos de hoje que foi a política de equilíbrio e de severidade nos gastos que nos permitiu, em 1933, resgatar essa vergonha nacional, pela conversão que reduziu a verba insignificante a dívida externa que fora garantida com a hipoteca.
Será para circunstâncias semelhantes que deseja conduzir-nos a revolução do fomento?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Recordarei ainda, Sr. Presidente, aquilo a que eu chamo a proposta do último romântico da geração ou do político da Regeneração. Essa proposta é de 24 de Abril de 1903.
Este homem público trouxe ao Parlamento uma proposta no sentido de se duplicar a rede ferroviária, que tinha já então 2:413 quilómetros. Esse homem queria fazer - a um ano do convénio - novos empréstimos para financiar um grande plano.
Eu permito-me ler dois ou três períodos e VV. Exaa. verão que se, onde se lê «estradas», «caminhos de ferro», «telégrafos», pusermos «barragens», «irrigação», «siderurgia», a linguagem pode aplicar-se inteiramente aos grandes projectos do nosso tempo. A proposta abria assim:

Empreender melhoramentos dispendiosos que tragam pesados encargos ao Tesouro seria criminosa loucura no momento em que, mais do que nunca, se torna indispensável, na administração dos dinheiros públicos, severa economia, que mantenha rigorosamente as despesas nos limites impostos pelos recursos da Nação.
Essa regra imperiosa só admite excepção justificada perante a segura previsão de rendimentos criados de novo e sobejamente compensadores do dispêndio que lhes deu origem.
Importa não esquecer que para regenerar o País e aumentar a sua prosperidade não basta a indeclinável reorganização das suas finanças. Forçoso é acompanhá-la da iniciativa inteligente, enérgica e tenaz, pronta em aproveitar todos os recursos e ensejos favoráveis, tão audaz na concepção dos planos como prudente e acomodatícia na sua execução, com o fim de continuar a obra de fomento da riqueza pública pelos melhoramentos materiais.

Aos 2:413 quilómetros de caminhos de ferro em leito próprio, que hoje são explorados no continente do reino, seria preciso acrescentar outro tanto para bem servir os principais centros de população e facilitar as mais importantes relações regionais.
Não é preciso, para isso, pedir um ceitil sequer ao contribuinte; pelo contrário; a sua benéfica repercussão na economia do País determinará, pelo desenvolvimento da riqueza, aumento da matéria colectável e o consequente acréscimo das receitas gerais do Tesouro.

A proposta não mereceu aceitação e por isso não tivemos necessidade ou não tivemos a possibilidade de verificar o que daria também o empréstimo que se pedia para tal fim. Mas, pelo que sucedeu aos empréstimos que se tinham feito até aí e pelo que VV. Exas. podem verificar quanto aos resultados financeiros das empresas de caminhos de ferro, facilmente se pode ajuizar dos resultados.
É interessante saber que já nessa altura havia quem visse bem o alcance que certas medidas podiam acarretar ao País. Em 1907 Anselmo de Andrade, que foi alguém como financeiro neste país e que condenava o recurso ao abuso do crédito, fazia a conta do montante dos empréstimos e dívidas feitos desde 1890 a 1907, encontrando a soma de 114:120 contos.
Com parte dessa soma haviam-se construído de facto estradas, caminhos de ferro e telégrafos, mas o seu valor real não excedia 12:790 contos; com mais 3:000 gastos em marinha de guerra e 5:900 no resgate do caminho de ferro de Lourenço Marques perfazia 21:700 contos de activo.
E os restantes 92:300 contos? Engoliu-os o déficit - respondia Anselmo de Andrade. O deficit de apetite insaciável. Todos os anos se atira para dentro de formidável ventre com milhares de contos e tudo é sofregamente devorado.
Será para situações semelhantes que desejam conduzir-nos nesta hora?
VV. Exaa. sabem o que a demagogia económica fez depois. Não vale a pena descer a pormenores desse período desgraçado, até que os peritos de Genebra voltaram a dizer que estávamos falidos, que precisávamos de um empréstimo - mas... com tutela!
Há ainda um outro ponto a que desejo fazer referência, e faço-o em defesa das intenções do Sr. Relator deste