30 DE MARÇO DE 1951 719
o verdadeiro sentido de uma autêntica e real liberdade, porque se faz acompanhar da sua libertação económica.
No liberalismo clássico, o livre jogo das actividades individuais deveria assegurar o máximo de bem-estar e segurança e, por isso, era abertamente hostil a um programa de previdência obrigatória, mas estes fenómenos económico-sociais de insegurança e de instabilidade, de origem colectiva, só também colectivamente poderiam ser solucionados.
A segurança social teoricamente repousa sobre uma boa redistribuição de rendimentos e só pode existir e fixar-se, na medida em que se pudesse firmar, numa extensa base de solidariedade nacional e englobar o maior conjunto possível populacional.
A alta da vida, proletarizando as classes médias, tornando-as economicamente fracas, obrigou o Governo a protegê-las adentro do esquema dos seus seguros sociais.
O nosso corporativismo deixou infiltrar e insinuar no regime da segurança social a noção eminentemente liberal de seguro e só aproveitou da sua ideologia a base profissional, como se assim melhor cobrisse e indemnizasse riscos homogéneos, quando eram bem diferentes de instituição para instituição profissional, quebrando o princípio magnifico de solidariedade nacional que é a base firmíssima de toda a segurança social num sistema corporativo.
Multiplicam-se as caixas, sem pessoal dirigente e burocrático devidamente adequado a essas novas funções. Preconizo a caixa única, embora desconcentrada, com uma base territorial, como, por exemplo, o distrito; porque ela realiza melhor e mais completamente, assim, a solidariedade nacional dos contribuintes e beneficiários; porque melhor se adapta à taxa única- que, com poucas excepções, adoptamos e mais facilmente recruta um quadro de administradores e de funcionários, semelhante ao que aconteceu ao quadro externo administrativo do Ministério do Interior.
Por agora, nas caixas, vagos dirigentes, vagamente eleitos, vagamente competentes, vagamente secundados por um pessoal escolhido ao acaso, sem verdadeiras tradições burocráticas, vão administrando o melhor de fundos de reserva que muito se devem aproximar agora de dois biliões e meio de escudos, com um acréscimo anual de meio bilião e que têm de administrar receitas que sobem a uma cifra que não é inferior à quarta parte do orçamento do Estado, e tudo isto muito descontabilizado, muito tecnicamente descontrolado. A própria criação da Federação foi implícita confissão da necessidade dessa unidade.
Compreendia-se que assim fosse, quando o grande precursor que foi o Sr. Dr. Teotónio Pereira, com uma persistência tão inteligente, criou esses organismos, de momento, numa dimensão quase mutualista. A sua dispersão hoje só convida à multiplicidade dos quadros e a uma incontrolável administração.
Caixa única, quadro único de funcionalismo; direcção tripartidamente escolhida,- um terço pelos contribuintes, um terço pelos beneficiários e um outro pelo Governo. Caixas profissionais, para quê? Se, por comodidade técnica, rasuramos a diversidade dos riscos - a indústrias esgotantes de forças dos seus operários em comparação com outras que menos esforço físico exigem, outras extremamente mecanizadas em relação com outras que não o são, numas com um peso fiscal exíguo em relação à carga social que às vezes é quíntupla dos seus impostos - para lhes dar a todas uma taxa igual. Essa taxa não foi considerada em função da produtividade industrial e económica e daí resulta a fuga à carga social de algumas indústrias ricas e extremamente mecanizadas.
O Sr. Galheiros Lopes: - Mas esses encargos com pessoal são considerados no estabelecimento da taxa industrial. Assim se procede para a determinação do preço de alguns produtos. Deste modo não pode haver benefício algum para as empresas se se der qualquer diminuição desses encargos.
O Orador: - Tais encargos são absorvidos pelo consumidor, e não pela indústria. A margem de lucros é feita pela alta de preços, e o consumidor é que sofre.
O aparte de V. Ex.ª quando muito refere-se às indústrias tarifadas, e não pode corresponder aos sectores económicos livres, como aliás o ilustre Deputado reconhece.
Mas, continuando:
Nessa reforma dos serviços de previdência, que em muito boas mãos se encontra, as do Sr. Ministro das Corporações, há que, salvo melhor parecer, conservar na organização unitária as vantagens que poderia apresentar a multiplicidade das caixas por uma certa desconcentração e descentralização de serviços. Mas, por Deus, não deixar investimentos dessa importância para o País fazerem-se num regime de microeconomia, em lugar de se realizarem com um critério de macroeconomia.
Nos países anglo-saxónicos o espectro da insegurança é o desemprego; em Portugal a doença, e mais do que a doença, o risco de uma operação cirúrgica quantiosa e totalmente, desequilibradora do pequeno orçamento familiar.
Não obtive os dados necessários, apesar da boa vontade competente dos serviços médico-sociais, para avaliar como este risco poderia ser coberto ou como ele era indirectamente resolvido pelos subsídios pagos durante o período operatório.
Um verdadeiro corporativismo instaura um regime de segurança económica que facilita e garante a própria segurança social, elimina o desemprego. Vivemos na euforia da guerra, do pós-guerra e do rearmamento, mas, se um dia sentirmos sobre nós as duras garras da crise de reconversão, certamente o esquema tão descorporativizado que fizemos para o desemprego no Ministério das Obras Públicas há-de entrar em séria crise.
Evidentemente que o Ministério das Obras Públicas dá uma taxa de meio por cento, generosamente, para a assistência, mas a certa altura, em Fevereiro, desapareceu a assistência nas corporações, sem que a taxa fosse revertida para o primeiro daqueles Ministérios. Continua a receber-se nas corporações o meio por cento que generosamente é dado para a assistência pelo Ministério das Obras Públicas, quando afinal a assistência desapareceu com a publicação do decreto de Fevereiro.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª pretende solucionar o problema por meio da assistência?
O Orador: - Não quero; o que queria era que se não. perdessem as verbas para o fim a que a lei as destinava.
O Sr. Cerveira Pinto: - O meio por cento não vai para o Ministério das Corporações, mas sim para as caixas, onde tem a sua aplicação.
O Orador: - Quer dizer: vai para as parafinanças, mas não aproveitado para fins de beneficência.
O Sr. Cerveira Pinto: - Continuo a dizer que vai para as caixas, porque não percebo o que são as parafinanças.
O Orador: - Parafinanças é um termo técnico que se aplica a todas as receitas e despesas que, pertencentes embora ao quadrante das funções do Estado, não figuram discriminadamente no seu orçamento.
Pela maneira como esclarece o Sr. Deputado Cerveira Pinto resulta daí uma auto-assistência para as caixas, porque a caridade bem ordenada começa por si própria.