54 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 113
nos secos e de encosta, naturalmente indicados, pela sua constituição e por esta particular circunstância de exposição ao sol, para a cultura da vinha.
Como já afirmei, o Governo e, em particular, o Sr. Ministro da Economia merecem louvores pelo intuito no novo decreto-lei manifestado e pelo sentido de equilíbrio que o decreto revela.
Terão de ir, porém, esses louvores ao ponto de afirmar que se acautelou suficientemente o perigo de uma enxurrada no País de vinhos de inferior qualidade, que mais cedo ou mais tarde virá agravar o mal da quantidade de vinhos sem mercado nem colocação nem consumo V Muito desejaria podê-lo afirmar, mas não o posso em boa consciência fazer...
Há no decreto-lei algumas injustiças, que não posso explicar nem compreender.
Permite-se, mediante requerimento pago e a uns tantos centavos por cada pé de videira, que possa ser concedida licença para plantação nova de bastantes milhares de pés em terrenos não indicados e noutros menos indicados para a cultura da vinha. Na região demarcada de Bucelas dá-se margem para que a plantação se torne possível, mesmo em terrenos férteis, desde que 75 por cento da enxertia se faça na casta «Arinto».
Vai-se até permitir novas plantações em «terrenos sujeitos a forte assoreamento ou erosão ou em terrenos frequentemente inundáveis», embora sob a condição de serem «zonas vitivinícolas, susceptíveis pelas suas condições enológicas de produzir vinhos de boa qualidade e onde outras culturas não tenham possibilidades económicas de exploração».
Seja-me Lícito perguntar se a vinha é a melhor cultura para evitar as inundações, e em terrenos inundáveis não é outra que não a vinha a plantação indicada para evitar o assoreamento e a erosão.
Disse um dia Salazar que em política o «que parece é».
O princípio é ainda aplicável à política vitivinícola. Todos sabemos o que isto parece, embora de facto o não seja.
Esta indulgência, excessivamente larga com determinadas regiões, oferece, no decreto-lei sobre plantio da vinha, singular contrasto com o rigor usado para com a região demarcada dos vinhos verdes.
É nela, sem distinção de sub-regiões, terminantemente proibida a plantação da vinha contínua, mesmo que seja mediante requerimento e a uns tantos centavos por cada pé de videira.
Ora acontece que há na região demarcada dos vinhos verdes a sub-região de Monção, onde se produz uma casta especial de vinho branco, o «Alvarinho», para que tiveram de fazer-se *leis e regulamentos especiais, tão nobre e inconfundível é, entre os vinhos portugueses, o vinho branco «Alvarinho».
Há no concelho de Monção algumas freguesias, como Sago, Moreira, Cambeses, Pinheiros e Troviscoso, uma parte de Mazedo e da freguesia da vila, e outros tractos de terreno em algumas freguesias mais do concelho que deviam produzir intensamente e quase exclusivamente vinho «Alvarinho». Terrenos secos, areentos ou de encosta, neles todas as outras culturas oferecem insuficiente compensação do trabalho e das despesas do granjeio e produzem um vinho branco «Alvarinho» de tal categoria que parece ser dali que se exportaram os primeiros vinhos finos para Inglaterra.
Há anos, um notável enólogo francês, em estudo de vinhos no nosso pais, dizia-me, encantado com o «Alvarinho», exclusivo dessa zona vitivinícola:
A massa vinícola é a melhor que encontrei. Garanto-lhe que com ela podem obter-se, pelos modernos processos de vinificação, vinhos capazes de bater as melhores e mais afamadas marcas de vinhos franceses.
Pois nem sequer nessa zona privilegiada o decreto-lei permite vinhas contínuas, quando nela se não devia cultivar senão a vinha e a casta nobre com que nesse terreno se obtém o vinho «Alvarinho». Terá de repetir-se que para o decreto-lei uns são filhos e outros enteados? Que pena, Sr. Presidente e Srs. Deputados,- que a região demarcada dos vinhos verdes, e em particular a sub-região de Monção, seja para a Câmara Corporativa, para os enólogos portugueses e para o decreto-lei sobre o plantio da .vinha «o Portugal desconhecido» de que falou Léon Ponsard.
Está assim justificado o meu critério pelo qual afirmei me parecer de grande utilidade para a economia do País que o decreto-lei sobre o plantio da vinha tivesse vindo à Assembleia Nacional.
Haveria com isso ocasião de lançar no problema estes e outros elementos que deveriam ser considerados antes da publicação do decreto-lei no Diário do Governo.
Antes de terminar quero ainda dar o meu apoio à doutrina exposta no preâmbulo do decreto, em que o Governo afirma que a melhor qualidade de vinhos há-de promover-se mediante a fundação de «cooperativas de vinicultores».
As cooperativas, não apenas de vinicultores. mas de todos os ramos da produção agrícola, são indispensáveis tanto ao melhoramento dos produtos como para assegurar ao lavrador a justa remuneração do seu trabalho e a possibilidade de continuar no exercício da sua profissão.
O comercialismo ganancioso arrebata ao lavrador, sobretudo nas regiões de pequena propriedade, o que justamente lhe pertence pelas despesas e trabalhos do granjeio. É no vinho e no milho, é nas carnes e nos gados, é no leite e na manteiga.
As afirmações do preâmbulo do decreto-lei sobre plantio da vinha dão-nos a esperança de que as cooperativas agrícolas serão de futuro tratadas com mais justiça e amparadas com o auxílio do Governo.
Porque isso vem de encontro a um ou mais pontos do aviso prévio que há dois anos anunciei a esta Assembleia sobre a crise das populações de Entre Douro e Minho, termino fazendo votos porque o Governo estimule a criação de cooperativas agrícolas e lhes dó o justo e merecido lugar na lei do condicionamento industrial, que vai ser discutida nesta Câmara.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito comprimentado.
O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: um dos mais complexos problemas da economia agrária é, sem dúvida, o da vinha.
É que ele reveste aspectos económicos, sociais e até políticos de tão grande importância para u vida do País que o simples anúncio de qualquer alteração legal no seu condicionalismo provoca interesse e - porque não dizer? - inquietação de norte a sul.
A região dos vinhos verdes, essa velha província de Entre Douro e Minho, dividida, «num tempo em que a divisão administrativa se adaptava melhor à identidade do terreno, de clima, de produção agrícola, de raça e de afinidades morais», no dizer de Campos Monteiro, citado pelo ilustre escritor e jornalista que é o Sr. Conde de Aurora - a quem eu deste lugar quero felicitar calorosamente pela sua magnífica campanha a favor da restauração da nossa velha província -, a região dos vinhos verdes, dizia eu, não se podia que dar indife