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12 DE JANEIRO DE 1952 147

Lembro, Sr. Presidente, a este respeito o ensinamento de Salazar:

O Estado deve manter-se superior ao mundo da produção, igualmente longe da absorção monopolista e da intervenção pela concorrência. Quando pelos seus órgãos a sua acção tem decisiva influência económica, o Estado ameaça- corromper-se. Há perigo para a independência do Poder, para a justiça, para a liberdade e igualdade dos cidadãos, para o interesse geral em que da vontade do Estado dependa a organização da produção e a repartição das riquezas, como o lia em que ele se tenha constituído presa da plutocracia de um país. O Estado não deve ser o senhor da riqueza nacional nem colocar-se em condições de ser corrompido por ela. Para ser árbitro superior entre todos os interesses é preciso não estar manietado por alguns.

Normalmente o Estado deve tomar sobre si a protecção e a direcção superior da economia nacional pela defesa externa, pela paz pública, pela administração da justiça, pela criação das condições económicas e sociais da produção, pela assistência técnica e o desenvolvimento da instrução, pela manutenção de todos os serviços que são auxiliares da actividade económica, pela correcção dos defeitos que por vezes resultam do livre jogo das actividades privadas, como é o da desigual distribuição da população e de uma inconveniente estrutura da propriedade rural, pela especial protecção das classes menos favorecidas pela assistência, quando não pode conseguir-se, mediante a acção das instituições privadas, a conveniente satisfação das necessidades humanas.

Ideias são estas, Sr. Presidente, ainda hoje inteiramente oportunas, apesar de terem decorrido já perto de dezanove anos depois que Salazar as expôs em discurso magistral.

Não há dúvida de que o «Estado deve manter-se superior ao mundo da produção» e de que, «quando pelos seus órgãos a sua- acção tem decisiva influência económica, o Estado ameaça corromper-se».

Na proposta de lei em discussão começa-se logo por reconhecer à iniciativa particular o direito de promover a instalação de novas unidades industriais e a modificação das existentes e acrescenta-se a seguir que, quando o progresso ou o equilíbrio da economia o exigirem, o Governo regulará, mediante condicionamento industrial, o .exercício da iniciativa privada. Embora o princípio da iniciativa privada constasse já doutras disposições legais, é sem dúvida conveniente que esse princípio se reafirme num diploma que estabeleça o regime em que o Governo intervém na actividade industrial do País e se diga expressamente que esta intervenção tem carácter excepcional. Como se acentua no relatório da proposta, o princípio da iniciativa privada tem andado muito longe do espírito de muitas pessoas, até daquelas que, dada a sua posição dentro do Estado, mais obrigação têm de o reconhecer, e por isso não é demais relembrá-lo em novo diploma legal.

No douto parecer da Câmara Corporativa emitido sobre a proposta de lei em discussão lamenta-se que, de entre todos os princípios (consignados no Estatuto do Trabalho Nacional, se faça na proposta apenas referência ao princípio da iniciativa privada e que não se aluda aí à instauração do sistema permanente que o estatuto teve por objectivo principal, acrescentando-se que na proposta o condicionamento subsiste apenas como regulador excepcional dos direitos soberanos da iniciativa privada, não com fins permanentes a atingir no complexo da nova orgânica económica e social da Nação, mas como intervenção de recurso, e que, assim, a proposta, não prima nem pela concisão nem pela definição dos limites em que podem ter lugar as intervenções do Estado na vida económica.

Ora eu afirmo, Sr. Presidente, que o condicionamento industrial deve efectivamente apenas subsistir como regulador excepcional do princípio da iniciativa privada e que o Estado, fora do condicionamento, ainda tem outros meios eficazes e idóneos para conseguir a realização dos demais princípios consignadas no Estatuto do Trabalho Nacional, que aliás continuam em vigor, sem que a tal respeito possa surgir dúvida séria.

A proposta de lei em discussão destina-se a reger somente a forma por que o Estado intervém, em restrição da iniciativa particular, na vida industrial do País com respeito à instalação, reabertura e mudança do local dos estabelecimentos industriais e às modificações no equipamento industrial e fabril. Parece-lhe que a proposta de lei do Governo tem, assim, em matéria de condicionamento industrial, a necessária concisão e define expressa e claramente os limites em que o Estado pode- intervir.

De resto, embora constituindo mero regulador excepcional do princípio da iniciativa particular, o condicionamento industrial, no uso que do mesmo se faça, subsiste «com fins permanentes a atingir no complexo da orgânica económica e social da Nação», mesmo apenas como intervenção de recurso e somente quando o progresso ou o equilíbrio da economia o exigirem.

Não vemos, pois, que haja lacuna séria ou grave na omissão existente na proposta de lei quanto aos demais princípios constantes do Estatuto do Trabalho Nacional, princípios que, apesar disso, não deixarão de orientar a política do Governo.

Insurge-se a Câmara Corporativa contra a omissão ira proposta de lei da parte final da base II da Lei n.º 1:956, que diz assim:

As actividades que se acharem ou venham a estar organizadas corporativamente ou sujeitas à disciplina dos organismos de coordenação económica de feição corporativa, ou pré-corporativa ficam sujeitas ao condicionamento inerente ao seu regime especial.

Contra o parecer da Câmara Corporativa, entendo, Sr. Presidente, que esta disposição não tem razão de ser e que até é conveniente que a mesma desapareça da lei do condicionamento industrial, pela confusão a que pode dar lugar.

Em que consiste o condicionamento inerente ao regime especial das actividades organizadas corporativamente?

Este condicionamento certamente nada tem com aquele de que trata a presente proposta de lei, ou seja com o que consiste na faculdade de que o Governo fica a dispor (e já dispunha) de autorizar ou não à iniciativa particular, orientado pelos interesses superiores da colectividade, o exercício de certos e determinados actos.

Decerto o condicionamento a que se refere a parte final da base II da Lei n.º
1:956, o tal condicionamento inerente, não substitui, não pode nem deve substituir, o condicionamento industrial, cujo uso deve entrar na competência exclusiva do Estado, como árbitro e juiz supremo dos interesses superiores da economia nacional.

Pois é lá possível, Sr. Presidente, que os superiores interesses dia economia da Nação e da colectividade, interesses que tocam nos próprios meios de vida dos cidadãos, sejam julgados e decididos definitivamente pelos organismos corporativos, aos quais, pela sua estrutura e processo de formação, falta ia isenção e o equilí-