12 DE JANEIRO DE 1952 167
De um modo geral entende esta Câmara que a pena de multa não deve cominar-se para estes crimes, em razão do encargo que pode representar para a família.
O disposto no § 1.º do artigo 2.º parece aceitável, mas a regra do § 2.º deve, segundo se afigura, ser de preferência aplicada aos casos dos n.ºs 1.º e 4.º
Quanto ao preceito do corpo do artigo 2.º cumpre-nos fazer algumas observações importantes.
A pena de suspensão de direitos políticos, aí cominada, poderia justificar-se pela consideração de que, quem não cumpre os deveres fundamentais, da disciplina familiar, não merece participar na vida política da Nação. Acontece, todavia, que esta pena só é eficaz quando tem duração algo importante (o projecto fixa-lhe o prazo de dois a cinco anos); ora os efeitos acessórios que por lei (artigo 77.º do Código Penal) ela produz (comuns, aliás, à prisão correccional, mas muito mais gravosos em razão da maior duração) ,podem prejudicar gravemente a própria família, quando está a cargo do delinquente: é o que acontece com a suspensão de emprego ou função pública (artigo 77.º, n.º 1.º, do Código Penal) e com a incapacidade para ser procurador em negócios de justiça (Código Penal, artigos. 76.º, n.º 3.º, e 77.º, n.º 2.º).
É preferível, por isso, não estabelecer essa pena nestes casos, em que, especialmente, se quer proteger a família.
12. Em obediência à orientação exposta na primeira parte deste parecer, e para salvaguardar, quanto possível, a unidade e estabilidade da família, afigura-se a esta Câmara necessário estabelecer, relativamente a alguns dos crimes previstos no projecto, cousas da extinção dm responsabilidade criminal que dêem às penas acentuado carácter de meios compulsórios de preferência ao de providências puramente repressivas.
Assim, a responsabilidade pelo abandono previsto no n.º 1.º do artigo 1.º deve cessar com o regresso ao lar do cônjuge delinquente, quando seja animado de manifesta intenção de restabelecer a vida em comum.
Analogamente, deve cessar a responsabilidade pelos crimes dos n.ºs 2.º e 4.º quando se provar estarem pagos os alimentos em dívida. É, aliás, o que, no tocante a alimentos devidos a menores, já se preceitua no artigo 17.º do Decreto n.º 20:431.
Estas causas extintivas da responsabilidade podem, na verdade, contribuir muito para minorar os inconvenientes da punição e intensificar-lhe as vantagens em benefício da família.
C) Condições de exercício da acção criminal
(Artigo 4.º)
13. O artigo 4.º regula um dos aspectos mais importantes e melindrosos do regime estabelecido no projecto: as condições de exercício da acção criminal pelos delitos previstos no artigo 1.º
Não é fácil deduzir-se com segurança a orientação seguida em tal matéria pelo projecto, porquanto se fala no referido preceito em participações feitas pelo Ministério Público, quando este não faz, antes recebe, as participações, visto pertencer-lhe a competência para exercer a acção criminal. Parece, no entanto, que seria a seguinte a solução adoptada: os crimes dos n.ºs 1.º, 2.º e 3.º, e do n.º 6.º quando respeitantes a menores, seriam públicos,- isto é, a acção criminal seria exercida livremente, por mera iniciativa oficial; nos restantes casos o procedimento dependeria de participação dos interessados.
Este sistema pode parecer fundado, por incumbir às autoridades públicas o processamento oficioso, quando estivesse em jogo o interesse de menores, deixando-se a iniciativa privada o desencadear da acção nos restantes casos. Não pensamos, contudo, que seja esta a boa orientação.
Na verdade, neste ponto mais do que em nenhum outro, são de ponderar os perigos, acima apontados, da intervenção do Estado na vida íntima do lar. Se se adoptasse o sistema do projecto e ele lograsse entrar nos costumes, em breve veríamos a polícia a devassar o interior dos lares, a indagar das razões do procedimento recíproco dos cônjuges, a apreciar o comportamento dos pais para com os filhos, etc.; com esta actividade, necessariamente indiscreta, e, quiçá, dura e arbitrária, soçobraria toda a intimidade e confiança do lar. Nesta matéria é especialmente verdadeiro ser mais eficaz prevenir que reprimir, e a prevenção consiste aqui em fortalecer por todos os meios a vida interna da família e em evitar tudo quanto a possa perturbar.
É certo que se invoca, em favor da oficiosidade da acção, o receio de, que os interessados, por pudor ou abnegação, deixem de requerer o competente procedimento; certo é também que pode temer-se que o partir a iniciativa processual dos membros da família torne a punição mais odiosa. A verdade é, porém, que tais inconvenientes (inevitáveis desde que se entra na repressão penal das faltas familiares) são muito inferiores aos que resultariam da mera oficiosidade; é que só os interessados conhecem verdadeiramente as condições da família, e só eles, por isso. podem avaliar devidamente as vantagens e inconvenientes do recurso aos tribunais. Por outro lado, o sistema da oficiosidade envolve o grande risco de levar os interessados a absterem-se de usar de meios cíveis para fazerem valer os seus direitos, com receio de revelarem crimes públicos cometidos por pessoas queridas.
Aliás, a prática demonstra que mesmo em países (como a França e a Suíça) onde se adoptou a acção oficiosa os tribunais raramente procedem sem a denúncia dos interessados (cf. Travaux de la Semaine Internationale de Droit, de Paris, em 1937, p. 21; François Clerc, Cours Élémentaires sur lê Code Pénal Suisse, Lausaua, 1945, vol. II, p..100).
A Câmara Corporativa é, por isso, de parecer de que se atribua aos crimes previstos no projecto o carácter de particulares, a fim de que dependa da acusação particular não só a iniciativa processual, mas também a própria determinação dos factos por que pode acusar o Ministério Público (cf. Decreto-Lei n.º 30:007, artigo 3.º e § único.); devem, porém, ter o carácter de públicos os crimes previstos nos n.ºs 3.º e 5.º, em razão da sua particular gravidade e do maior escândalo e alarme social que geralmente causam os factos que os constituem.
D) Observações complementares
14. O projecto em exame não incrimina alguns actos que são muito graves e que atacam profundamente a família; referimo-nos ao incesto e a certas hipóteses de lenocínio.
O incesto não aparece nas leis modernas sobre abandono da família porque se encontra punido na maioria dos códigos penais. O nosso, porém, só o prevê como circunstância de alguns crimes, e portanto não o pune autonomamente, apesar de se tratar de um dos crimes mais repugnantes - daqueles para que as nossas Ordenações chegavam a cominar a pena terrível de ser «queimado e pelo fogo feito em pó».
No entender da Câmara Corporativa seria incompreensível promulgar-se uma lei para completar a defesa penal da família e deixar por integrar esta lacuna gravíssima. Por isso propõe um preceito sobre este crime.
Quanto ao lenocínio, acontece que o nosso Código tem importantes deficiências, ainda agravadas pela coexistência com ele do preceito do artigo 25.º do Decreto