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12 DE JANEIRO DE 1952 163

Digno é, portanto, do maior louvor tudo quanto possa contribuir para fortalecer e defender esta instituição. Cumpre, no entanto, ponderarem-se cuidadosamente as providências destinadas a tal objectivo, pois a acção exercida do exterior sobre a família pode ter, em muitos casos, efeitos "contraproducentes; isso mesmo nos impõe fazer algumas considerações gerais antes de analisar o projecto em pormenor.

2. A família não existe por mera criação jurídica, antes é uma instituição natural, que assenta, sobretudo, em vínculos morais, espontaneamente gerados entre os seus membros e relacionados tom q que há ,de mais profundo e recatado na vida humana.

Por esta razão, as acções exteriores exercidas sobre a intimidade familiar, por melhores intentos que as orientem, raro conseguem estreitar e fortalecer a união da família e são-lhe, com frequência, muito perniciosas. Os pequenos atritos e discordâncias que quase sempre acompanham a vida em comum, e que a estima e respeito mútuos dos membros da família vencem normalmente, azedam-se e tornam-se, em alguns casos, irremediáveis com a intervenção de estranhos - muitas vezes até com a de parentes e amigos. A simples .possibilidade legal de lazer intervir na família um tribunal pode precipitar roturas que de outro modo não se dariam; é o que afirmam do divórcio Colin e Capitant e o que, com eles, sustentou entre nós o Doutor J. Tavares: é muitas vezes a perspectiva da dissolução possível, em caso de desinteligência, que dá ocasião aos motivos do divórcio, e muitas desavenças conjugais, que se envenenam na hora actual, ter-se-iam apaziguado no império da antiga lei (ef. Doutor J. Tavares, Os Princípios Fundamentais do Direito Civil, vol. I, p. 773). Finalmente, o amor, que, mesmo por entre dissenções graves, geralmente une os cônjuges e parentes próximos, e o natural pudor, que em regra leva os homens a ocultar as misérias íntimas, tomam odiento o recurso a estranhos e tiram-lhe quase sempre toda a eficácia para resolver os problemas familiares.

Se isto é verdadeiro em geral, é-o especialmente no tocante ao Estado. Sendo pouco acessível aos Poderes Públicos a base psicológica e moral da família, sobre a qual não têm geralmente influência directa, e sendo eles estranhos ao núcleo familiar e desprovidos de título de amizade ou de confiança pessoal que lhes permita intervir tua vida doméstica sem ferir demasiadamente os sentimentos dos interessados, a acção dos órgãos estaduais neste campo é necessariamente muito restrita e cheia de melindre. Ao Estado só é possível influir directamente nos aspectos extrínsecos da instituição familiar, os quais (posto que muito importantes) de nada valem sem os vínculos morais e psicológicos; por isso, se o Estado tenta intervir nesta, zona, que foge ao seu alcance, arrisca-se a criar males maiores do que os que pretende evitar.

Decerto a família não se basta a. si mesma e carece de protecção desvelada por parte do Estado. Este, porém, quase só por meios indirectos pode cumprir essa importante função; pouco mais lhe é possível, na verdade, além de estabelecer bases jurídicas sólidas para a vida normal da família e de velar pelas condições morais e económicas necessárias para a robustecer. Esta foi, aliás, a orientação da mossa lei fundamental, que nos artigos 13.º e 15.º estabeleceu os pilares jurídicos da família, e no artigo 14.º incumbe ao Estado o dever de tomar diversas providências, quase todas indirectas: favorecer a constituição de lares independentes e instituição do casal de família, regular os impostos de harmonia com as necessidades familiares, promover a adopção do salário familiar, estabelecer e desenvolver a educação familiar, combater a corrupção dos costumes, etc. E neste sentido muito está por fazer, quer na legislação, quer, sobretudo, na realidade da vida. Ultrapassar o Estado esta acção extrínseca e indirecta e imiscuir-se na vida íntima da família é caminho que só com extrema prudência pode seguir-se.

Ora esse perigo da acção directa do Estado relativamente à família é especialmente grave em matéria criminal, pois os devassas à vida familiar podem extinguir toda a intimidade e confiança dos membros daquele organismo e ,a punição de alguns deles por causa dos outros dificilmente deixará de semear o ódio entre eles. Quando se pune o homicida ou o gatuno, pretende conseguir-se que, pela intimidação, ele não volte a delinquir e que, pelo exemplo, outros se abstenham de crimes semelhantes, mas não pode esperar-se que a pena gere no criminoso ou noutras pessoas o amor da vida ou da propriedade alheias; ora aquele efeito negativo ou à o basta à família, pois ela não pode viver sem união moral, e esta raro sobreviverá à aplicação de uma pena por causas relacionadas com a vida íntima do lar. Advirta-se ainda que a solidariedade familiar reflecte sobre toda a família a desonra de um dos seus membros, e que, em razão deste facto, a pena facilmente molestará aqueles que em especial se destina a defender; não será de temer, por exemplo, que a prisão de uma mãe, por ter abandonado o marido, venha mais tarde a dificultar o casamento das filhas?

3. Sobre ser, assim, cheia de riscos para a própria família a intervenção do Estado na vida desta por via criminal, tem, segundo todas as probabilidades, eficácia muito restrita.

Com efeito, cumpre reconhecer-se, antes de mais, que, se os factos, que o projecto pretende incriminar, se tornaram modernamente frequentes e graves, isso deve-se ao grande incremento da corrupção de costumes verificado depois da primeira guerra mundial; ora de nada servirá cominar penas para certa infracção se se deixarem actuar livremente as causas que a originam. Decerto alguma coisa se tem feito entre nós para o bem da família. Muito, porém, está por fazer: a acção dissolvente da lei do divórcio continua a manifestar-se com um número progressivo de dissoluções de família, e isto apesar de essa lei não ser aplicável aos casamentos canónicos celebrados após a Concordata de 1940; o melhoramento dos salários e das condições de habitação, embora já sensível, está ainda longe de corresponder às necessidades, e, acima de tudo, assiste-se, de há alguns anos a esta parte, à mais intensa campanha de dissolução de costumes que jamais se viu em Portugal e que, em grande parte, é deliberadamente desenvolvida por elementos comunizantes; multiplicam-se os espectáculos imorais, de que nem os menores estão excluídos, porque a Lei n.º 1:994 continua sem regulamentação (apresentam-se em Portugal filmes que, por imorais, não correm no país de origem!), e vendem-se profusamente livros, jornais e gravuras pornográficas e por muitos outros modos se fomenta, a imoralidade.

Na repressão, severa e implacável, destes factores é que o Estado pode (e deve) desempenhar papel muito eficaz. Se essa defesa dos bons costumes e da família for levada a cabo, a punição das infracções aos deveres familiares pode ter certa eficácia coadjuvante; isolada, porém, é incapaz de superar o influxo intensíssimo da corrupção crescente, que por todas as vias encaminha para a violação dos deveres familiares.

Importa acentuar, por outro lado, que o recurso a sanções penais, no campo da família, repugna intensamente aos nossos costumes, e dificilmente, por isso, se tornará uma realidade prática. Isto, que já em geral é verdadeiro, será especialmente sensível se a acção criminal não puder instaurar-se sem prévia denúncia ou acusação dos interessados; no entanto, veremos que,