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164 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 119

para evitar males maiores, será precisamente esse o caminho aconselhável.

4. Em conclusão, a »Câmara Corporativa, prestando homenagem ao alto objectivo do projecto em exame, não pode ocultar o receio de que a eficácia prática da lei projectada não anule os riscos da intromissão do Estado, por via criminal, na- vida da família.

Não se quer, todavia, tom isto, negar valor ao projecto: quer acentuar-se, (principalmente, que ele só será aceitável se for orientado pela maior prudência.

Infelizmente, vê-se a Câmara Corporativa obrigada a trabalhar sobre matéria tão melindrosa e difícil, em regime de extrema urgência, que decerto não é o mais propício para se atingirem resultados perfeitos. Tem consciência da escassez do tempo - mas a isso não pode dar remédio.

II

Apreciação na especialidade

A) Factos Incriminados

(Artigos 1.º e 3.º)

5. O primeiro tipo de crime previsto no artigo 1.º do projecto é o seguinte:

Os pais ou mães, com filhos legítimos menores, que, voluntariamente e sem motivo justificado, abandonarem o domicílio comum por período de tempo superior a sessenta dias, embora continuem a cumprir os outros deveres inerentes ao poder paternal.

A definição deste crime, porém, tem de ser completada com o disposto no artigo
3.º, onde se estabelece a seguinte doutrina:

O prazo de sessenta dias estabelecido no n.º 1.º do artigo 1.º pode ser contínuo ou interpolado, excepto quando, neste último caso, o regresso ao lar resulte de manifesto propósito de restabelecimento da vida em comum e se prolongar por mais de seis meses consecutivos.

Analisemos este tipo criminal:

a) Cumpre notar, antes de mais, que a incriminação prevista no n.º 1.º do artigo 1.º - abandono do lar conjugal - se destina a proteger os filhos legítimos menores: os sujeitos activos do crime seriam, na verdade, «os pais ou mães com filhos legítimos, menores», e o final do artigo refere-se ao cumprimento dos outros deveres inerentes ao poder paternal. O abandono não seria, pois, punido quando não houvesse filhos menores, salvo se coubesse em outros preceitos do artigo 1.º, os quais têm todos âmbito mais restrito que o do n.º 1.º

Ora é muito perigoso atribuírem-se garantias diferentes aos deveres recíprocos dos cônjuges, consoante têm ou não filhos, tratando com maior rigor a hipótese de haver prole, sobretudo se para tal caso se cominam penas. Es

A aceitar-se a incriminação do abandono, a prudência acima aconselhada leva-nos, conseguintemente, a preconizar que se protejam em iguais termos os filhos e o cônjuge. É essa a orientação de muitas legislações, como o Código Penal Italiano (artigo 570.º), e essa é também a mais conforme à natureza do casamento, que, destinando-se essencialmente à procriação, tem de ter sempre o mesmo tratamento, seja ou não de facto prolífero.

Note-se, aliás, que esta ampliação do tipo criminal é largamente compensada pelo proposto na alínea c).

b) A acção criminosa que constitui o núcleo central deste crime é o abandono do domicílio comum por tempo superior a sessenta dias (contínuos ou interpolados). Várias observações nos sugere este elemento:

1) «Abandono» é expressão algo imprecisa, pois literalmente compreende só a hipótese de um dos cônjuges se afastar, enquanto, no condenso comum dos juristas, abrange na realidade outros casos, como o da recusa ilegítima, por parte da mulher, de seguir o marido para nova residência, etc. Estando, todavia, esclarecido na prática o alcance daquela locução, não vemos necessidade de a substituir por outra, que, fosse qual fosse, poderia «suscitar dúvidas novas.

2) Refere-se o projecto ao abandono do domicílio comum. Parece-nos preferível adoptar a expressão «domicílio conjugal», já consagrada em outras leis.

3) Especifica o projecto que o abandono, para ser incriminado, deve ser voluntário. Em rigor esta característica contém-se na própria noção de abandono, pois este não é o mero afastamento material, mas sim só aquele que é determinado pela vontade de mão cumprir o dever de coabitação, qualquer que seja o fim que o agente pretende atingir com essa infracção.

4) Requer-se, para considerar punível o abandono, que ele perdure por mais de sessenta dias, contínuos ou interpolados.

O prazo de sessenta dias é demasiadamente curto perante a necessidade de se evitar a intromissão do Estado em irregularidade» da vida familiar, quando não tenham acentuada gravidade ou possam ainda remediar-se por meios normais. Afigura-se, por isso, a esta Câmara que o prazo mínimo deve ser elevado para seis meses.

A contagem global de períodos descontínuos de abandono, tal como se apresenta no projecto, não parece aceitável, por idêntica razão. Se se verificam diversos períodos de abandono, intervalados por outros de presença no lar, cada um daqueles constitui, em princípio, um facto autónomo que, se tiver duração inferior a seis messes, não terá gravidade suficiente para ser punível; e é correcto e justo somarem-se esses períodos descontínuos quando, pela intenção unitária de que são animados, na realidade formem, em conjunto, um abandono único.

c) Esclarece expressamente o n.º 1.º do artigo 1.º do projecto que o abandono nas condições referidas é punível, embora o infractor continue a cumprir os outros deveres inerentes ao poder paternal.

Não nos parece aconselhável esta orientação. Decerto o abandono é, em si mesmo, facto grave, e ocasiona, de per si, males importantes, porquanto priva o cônjuge abandonado do exercício de direitos essenciais ao casamento e torna deficiente a educação dos filhos, que exige a acção, com binada dos dois progenitores. Estes efeitos, porém, são tão íntimos e subtis, e o abandono pode ser devido a motivos tão pessoais e ocultos, que a intervenção do Estado seria, nesta hipótese, extremamente perigosa. Não se nega, portanto, a gravidade do facto: entende-se sómente que o abandono, quando não acompanhado de outros sinais inequívocos de falta de cumprimento dos deveres familiares, é um facto em que o Estado não deve intervir, porque se confina naquela zona de profunda intimidade de família que o Poder Público deve respeitar escrupulosamente.

A maioria das legislações estrangeiras, que prevêem este crime, bem como a maioria dos autores, exigem que, por causa do abandono, se deixem de cumprir outros deveres de família, por vezes, até, estritamente o dever de assistência pecuniária (veja-se o relatório geral sobre abandono de família, in Travaux de la Semaine Inter-