12 DE JANEIRO DE 1952 165
nationale de Droit, Paris, 1937, p. 17). O próprio abandono do lar é geralmente havido por mero sinal exterior, da violação da disciplina doméstica, pois, em si mesmo, pode não ter gravidade superior à de outras infracções que, por falta de suficiente exterioridade, se deixam impunes.
Parece, por conseguinte, à Câmara Corporativa que o abandono só deve punir-se quando envolve violação do dever de socorro e ajuda mútua dos cônjuges ou dos deveres inerentes ao poder paternal.
d) O artigo 1.º, n.º 1.º, exclui da incriminação o abandono devido a «motivo justificado».
Esta expressão é muito vaga e pode dar lugar a grandes dúvidas. Na verdade, «motivo justificado», em rigor, só pode ser aquele que justifica o facto, o que levaria a exceptuar da punição apenas o abandono com o qual concorresse alguma das circunstâncias do artigo 44.º do Código Penal, visto no projecto não se prever nenhuma outra diferente dessas. Entendida assim, porém, a referência ao motivo justificado, seria inútil e deixaria de fora hipóteses em que não parece justo punir o abandono. Se a intenção do projecto é -como se afigura provável- ressalvar precisamente estas últimas, hipóteses, é então necessário adoptar-se redacção diversa, pois a actual é, como se vê, equívoca.
Para esclarecer este ponto convém enunciar rapidamente as diversas categorias de circunstância que, por uma ou por outra forma, são susceptíveis de excluir a aplicação do n.º 1.º do artigo 1." São elas:
1) Circunstâncias que tiram ao neto de deixar o lar as características essenciais do abandono: está neste caso o acordo dos cônjuges, pois o abandono é essencialmente unilateral; é, ainda, o que se dá no caso de o afastamento do cônjuge ser determinado por intenção diversa da de suspender ou extinguir a vida em comum, tal como sucede quando certa pessoa deixa o lar conjugal para fazer uma viagem de negócios, para socorrer um parente doente, etc., mas sem a vontade directa de se subtrair ao cumprimento do dever de coabitação;
2) Circunstâncias «que, sem ,excluírem a ideia de abandono/como tal, o tornam legítimo: são as chamadas causas de justificação, previstas (para a generalidade dos crimes) em diversos números do artigo 44.º do Código Penal, nomeadamente no n.º 4.º (cumprimento de um dever ou exercício de um direito); não abandona o marido a mulher que, por exemplo, não podendo eximir-se à obrigação de prestar certo serviço em determinada localidade, se recusa a seguir o seu- cônjuge para outra povoação afastada, com o fim de poder cumprir aquela obrigação;
3) Circunstâncias que, sem excluírem a noção de abandono, nem legitimarem este acto, lhe tiram a gravidade subjectiva, por não ser de exigir que, perante elas, o agente se comporte de modo diverso.
As circunstâncias da primeira categoria estão ressalvadas automaticamente pela qualificação de abandono atribuída à acção criminosa; as da segunda categoria estão consagradas em regra de aplicação geral e, salvo disposição em contrário, constituem elementos negativos implícitos em todos os crimes com cuja natureza sejam compatíveis, independentemente da referência expressa. Não é necessário, portanto, ressalvar as circunstâncias destas duas categorias.
No tocante à terceira categoria, pelo contrário, podemos encontrar algumas circunstâncias que, para a lei geral, não excluem a culpabilidade, e que, todavia, deveriam produzir tal efeito no crime de abandono. E o que deve afirmar-se, por exemplo, da provocação grave, não obstante, para a generalidade dos crimes, ser mera circunstância atenuante; não seria equitativo, na verdade, punir-se o abandono em casos como o da mulher que deixa o marido por este a maltratar gravemente.
É certo que circunstâncias como esta poderiam em último caso - e a jurisprudência já chegou a fazê-lo - ser incluídas ainda no próprio conceito de abandono; mas a verdade é que só muito forçadamente se admitiria esse alargamento do conceito. E impõe-se, portanto, sem deformar a noção de abandono, deixar bem claro na lei que as circunstância* em referência afastam a punição.
Para ressalvar as circunstâncias deste tipo cumpriria, segundo a técnica habitual das nossas leis criminais, enumerá-las taxativamente. Acontece, porém, que são tão variáveis as condições da vida conjugal e tão esbatidos os cambiantes que pode apresentar que não é fácil preverem-se todas as razões honestas susceptíveis de «desculpar» o abandono. Em virtude da índole especialíssima deste crime, conviria, por isso, adoptar-se uma fórmula genérica, simultaneamente maleável e precisa, a fim de dar ao julgador suficiente liberdade para apreciar os casos concretos, sem, todavia, deixar de lhe marcar a orientação devida, para evitar arbítrio demasiado. Assim, poderia exceptuar-se do disposto no n.º 1.º o abandono devido a razões sérias, perante as quais não fosse equitativo exigir-se comportamento diverso do agente.
Adoptando-se esta solução, conviria apontar, exemplificativamente, as hipóteses mais importantes, não só para, quanto a essas, evitar todas as dúvidas, mas também com o fim de fornecer ao intérprete alguns paradigmas que o elucidassem sobre o espírito da lei. Assim, no entender desta Câmara, deveria exceptuar-se, em especial, do disposto no n.º 1.º o abandono que fosse determinado por alguma das seguintes razões:
1.ª A necessidade, de subtrair os filhos a algum perigo grave, físico ou moral;
2.ª A provocação grave por parte do cônjuge abandonado;
3.ª A necessidade de evitar um mal grave para o próprio agente, quando esse mal não for ocasionado por circunstâncias que imponham .o dever especial de socorrer o cônjuge abandonado; esta restrição destinar-se-ia a manter a punibilidade do cônjuge que, para se eximir a um perigo comum - de guerra, por exemplo - ou ao contágio duma doença do outro cônjuge, abandona, este, privando-o do socorro especialmente exigido pelo mesmo perigo ou doença.
6. O n.º 2.º do artigo 1.º prevê o seguinte crime:
Os pais ou mães e as demais pessoas que, por tempo superior a, sessenta dias, faltarem voluntariamente e sem motivo justificado à prestação de alimentos a que estiverem legal ou judicialmente obrigados para com os menores.
Este crime já se encontra previsto no artigo 16.º do Decreto n.º 20:431, de 24 de Outubro de 1931, e no artigo 1465.º do Código de Processo Civil. O projecto introduz-lhe, porém, algumas alterações que convém examinar:
a) O artigo 16.º do decreto citado refere-se àquele que não prestar alimentos a um menor, decorrido o prazo de noventa dias, a contar do trânsito em julgado da. sentença ou acórdão que os decretou ou da mora do pagamento dos alimentos vencidos; parece referir-se, assim, à violação da obrigação de alimentos declarada por via judicial. O projecto, pelo contrário, refere-se aos que não prestam alimentos a que estejam legal ou judicialmente obrigados.
A nova orientação, consagrada no projecto, daria protecção mais ampla aos menores, mas apresentaria graves inconvenientes: a mera obrigação legal de alimentos recai virtualmente sobre diversas pessoas e tem por isso sujeito algo indeterminado; além disso, é de montante e vencimentos incertos - é até em si mesma incerta, visto depender de circunstâncias que carecem de ser