276 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 126
do dividendo distribuído, ou de uma tal perspectiva, «não me parece que seja de aconselhar o alargamento da posição do Estado nessas empresas», nem mesmo a manutenção da posição inicial.
Não será este o caso dos três bancos emissores - Angola, Nacional Ultramarino, e de Portugal?
Não será também o caso da Sacor, da Companhia de Petróleos de Portugal, das indústrias fosforeiras, etc.?
Apesar disto, é patente um apego, que a mim me parece exagerado, em relação a estas posições, das quais o Estado mostra não só não se querer alhear, como até cada vez mais as reforça, caminhando para uma nacionalização mansa, encapotada, mas, afinal, autêntica e inegável.
Cito, para exemplo, o caso do Banco Nacional Ultramarino, e, para melhor compreensão, permito-me fazer um breve resumo histórico:
Em Fevereiro de 1931 os membros do conselho de administração deste Banco puseram à disposição do Governo os cargos que nele exerciam, gesto motivado por grave crise financeira, que punha em risco as possibilidades de pronta solvência dos encargos desse estabelecimento de crédito.
Então o Governo, solicitamente, considerando que esse Banco anão poderia suspender por um só momento as suas operações, pela grande repercussão que tal facto teria na actividade nacional», acudiu-lhe com o auxilio de 100:000 contos e nomeou um conselho administrativo de pessoas de sua confiança.
E que o Governo de então não cometeu imprudência, nem a empresa era temerária, provou-o o facto de sete anos depois o Estado, no relatório do Decreto n.° 28:489, poder anunciar o completo restauro da vida financeira do Banco Nacional Ultramarino e ao mesmo tempo declarar que o erário público não ficara desfalcado em um só centavo com o auxilio prestado.
Igual sorte não teve o capital dos accionistas, o qual foi reduzido a um quinto do seu valor inicial e suplantado pela emissão de quase o dobro em valor de acções preferenciais do Estado, salvador oportuno da instituição.
Também o mesmo não aconteceu em outros países igualmente atingidos pela depressão geral, e é o próprio Decreto n.° 28:489 que no seu preâmbulo nos informa das avultadas quantias perdidas pêlos erários públicos desses países.
Mas, enfim, não se pode, nem ninguém deve, censurar o Estado Português por ter feito recair sobre alguns mais favorecidos de bens o prejuízo que outros Estados em idênticas condições preferiram fazer suportar pela comunidade inteira.
Em virtude do desafogo do Banco, o decreto referido estabeleceu no seu articulado o que designou por segunda fase transitória da sua vida administrativa, mandando atribuir dividendo e anunciando a terceira e última fase, que seria a entrega total dos destinos do estabelecimento aos seus accionistas.
Delicado eufemismo este, aplicado a uma instituição onde o Estado dominava e domina todas as resoluções, pelo predomínio do capital que possui, na proporção de 2,5 para 1,5, e com o reforço da concentração da primeira dessas parcelas em face da dispersão da segunda.
Autorizou este mesmo decreto a elevação do capital social para 50:000 contos, mas essa autorização não só não foi ainda usada, como seria mesmo assim insuficiente para alterar a situação presente. Porque de duas uma: ou os destinos do Banco não estão entregues aos seus accionistas, porque é o Estado que tudo domina, ou então nunca deixaram de o estar depois de existirem acções preferenciais, porque a situação actual é idêntica à anterior.
E mantém-se assim esta situação de um estabelecimento de crédito distribuindo um dividendo condicionado à sua minoria accionista, talvez como prémio de a existência desta guardar para o Banco as aparências de instituição privada.
Pretendeu-se efectuar um novo contrato, e já o relatório de 1940 do conselho administrativo dizia o seguinte:
S. Exa. o Ministro das Colónias encarregou uma comissão, composta de três membros, todos vogais do conselho administrativo, de elaborar um projecto de contrato entre o Estado e o Banco. Por expressa indicação de S. Ex.ª esse projecto foi submetido ao conselho administrativo, para sobre ele, com toda a liberdade, se pronunciar.
O conselho entendeu que devia elaborar um outro projecto, aliás baseado no que foi presente. Este projecto foi entregue a S. Ex.ª o Ministro, aguardando agora que se chegue a acordo sobre o texto definitivo, para ser presente à apreciação dos seus accionistas.
Pois são passados três anos. E que poderemos concluir?
Que o contraprojecto não agradou ao Estado? Que lhe não convém a celebração de qualquer novo contrato?
Há uma terceira hipótese, que eu considero mais aceitável: a de o Estado ter julgado mera superfluidade a celebração de um contrato consigo próprio.
De facto, para quê estabelecer negociações entre o Estado, por um lado, e um organismo que ele domina inteiramente, por outro?
Deseja-se, na realidade, entregar os destinos do Banco aos accionistas, conforme se escreveu no referido decreto? Deseja o Estado, sinceramente, iniciar um retraimento como accionista de grandes empresas?
Pelo artigo 25.° da proposta da Lei de Meios de 1951 foi o Governo autorizado a despender 1.500:000 contos, durante três anos, nas necessidades de defesa militar e a cobrir essas despesas com várias receitas, entre as quais o produto da venda de títulos.
Como Deputado da Nação, permito-me sugerir que, à sombra desta autorização, o Estado se não limite a vender os seus próprios títulos de crédito, mas se liberte igualmente, no todo ou em parte, consoante o indicar o interesse nacional, da sua posição de grande accionista de empresas privadas, entregando-a aos capitais particulares, que, decerto, não hesitarão em a tomar, dado o volume actual dos depósitos bancários, e depondo nas mãos dos accionistas os destinos das empresas, colocando-se na posição de tudo fiscalizar e não assumindo responsabilidades que lhe não cabem.
O interesse comum não será, por isso, afectado, pois, não só, por força de contratos a celebrar, ou já celebrados, o Estado, como representante de todos, fica habilitado a exercer funções fiscalizadoras, como também, por intermédio dos seus delegados, poderá actuar efectivamente na administração.
A S. Ex.ª o Ministro das Finanças dirijo esta sugestão. Convém que o Estado, depois de ter renunciado, em princípio, a ser comerciante e industrial, afirme igualmente o seu propósito de só ser accionista de empresas comerciais ou industriais na medida em que as circunstâncias extraordinárias ou anormais isso lhe imponham.
É bom não esquecer que a vida dos povos não é tecida à custa de situações presentes e que os princípios perigosos revelam toda a sua possibilidade maléfica quando passam, na sua aplicação, de cérebros bem intencionados para outros maldosos.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.