448 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 132
Só através de acordos devidamente estudados e celebrados os nossos emigrantes poderão gozar de uma assistência séria e constante exercida por curadores, que lhes dispensem conselho e amizade e os animem, a, todo o momento, na fé do valor e dos destinos da Pátria.
Não quero dizer curadores funcionários. Cairíamos no processo burocrático do repartição montada, para mais em terra distante. Refiro-me a curadores dotados d o espírito de missão, ainda que suficientemente ajudados, como esses sacerdotes que tão luzentes provas têm dado em toda a nossa história, e, no nosso tempo, como já descrevi e todos podem ver, sem recompensas oficiais, na América do Norte.
Poderá ser que para o Brasil, por exemplo, e por razões de ordem política, o sistema não seja de aconselhar, por ser para aquele país, mas outro se deverá encontrar.
Talvez uma delegação da Junta da Emigração, com gente bastante escolhida.
O que importa é avançar bem e depressa nestes sectores da preparação e protecção ao emigrante. Quando pensamos no que se leve ao seu esforço isolado, ao que ele tem feito por si, a bem de Portugal, sobretudo no Brasil e na América do Norte, mais se nos impõe o dever de não o deixar abandonado à sua sorte e à fatal integração na massa que o envolve.
O natural seguimento destas minhas considerações leva-me direito ao último tema que me propus desenvolver: o futuro da emigração.
Como vai perdido no passado o tempo em que os fenómenos migratórios iam com a onda do deus-dará, e os que queriam partir partiam para onde lhes indicasse a sua estrela, sem entraves e com poucas ou nenhumas formalidades.
Mudar de terra, de país, ir viver para debaixo de outro céu, não era caso para obedecer a tanta lei, para preencher tanto papel, para correr a Ceca e Meca de tanta repartição pública. Era a bem dizer o mesmo que ser romeiro e deitar os pés à estrada, só com o esforço de voltar a cabeça na primeira curva para dizer adeus aos que filiavam.
Tudo se transformou.
Uma densa proliferação legislativa e diplomática, uma febre de organizações nacionais e internacionais, de conferências, de estudos, de condicionamento da saída de emigrantes, de exame das suas condições físicas e morais, todo um vasto movimento de análise e regulamentação do problema emigratório mundial, fechou porcas, barrou caminhos, peou destinos, e agora secam-se as almas à esperto de uma aberta por onde se divise espaço livre.
Consequência dos tempos, da saturação populacional nos territórios de maior emigração e esse medo real de que a terra mão chegue, instalado já no comando de muitas nações.
Se o futuro da emigração nos diferentes países tende para horizontes cada vez mais estreitos, o que será da nossa emigração?
Enquanto o quadro das possibilidades metropolitanas não estiver a modos de ir pegando na parte do acréscimo populacional que lhe cumpre absorver e a extensão ultramarina não se mostrar preparada para o escoamento principal, acho bem que se tentem os rumos possíveis. Mas depois não.
A emigração para o Hawai, que chegou a ser grande, hoje é nula.
Na Argentina temos um pequeno núcleo relativamente próspero, que se dedica, principalmente, à floricultura, mas não se vê margem para uma intensificação emigratória.
A Venezuela, que no começo, há poucos anos, parecia um Brasil, com o ouro de outras eras substituído pelo petróleo, que é o ouro da nova idade, já se queixa de gente arribada de todos os mares.
Em 20 de Abril de 1950 o jornal O Século dava a conhecer um telegrama, vindo de Madrid, em que se dizia ter o diário Pueblo publicado uma crónica do respectivo correspondente em Caracas sobre estrangeiros na Venezuela e o que eles começavam a sofrer em consequência dos sucessivos desembarques de novos emigrantes.
Não deixa de ser cruel - observa o cronista - atrair seres humanos, que chegam cheios de ilusões, de sonhos e de esperanças e que acabam arrastando-se pelas ruas, mendigando e morrendo lentamente.
As vezes aparecem sugestões e facilidades aliciantes, mas nem sempre tudo o que luz...
Por alturas de 1950 o director do Departamento de Emigração e Naturalização do Canadá declarou à United Press que trataria de remover todos os entraves, de maneirada aumentar as quotas de emigração de vários países. O Canadá -acrescentou - propõe-se, de acordo com o seu novo projecto de emigração, receber anualmente 150:000 a 170:000 emigrantes. Pois uma notícia vinda de Montreal, com a data de 10 de Fevereiro último, referia-se a incidentes no campo de concentração de emigrantes em Ajax, Ontário, parecendo que o sucedido - diz a notícia - reflectia o descontentamento por causa das dificuldades em arranjar trabalho.
Com referência às Bermudas, as condições de trabalho oferecidas aos nossos emigrantes não têm sido muito de aceitar. Chegou-se mesmo, em consequência de um inquérito oficial a que se procedeu há tempos, a proibir transitòriamente a emigração para aquelas ilhas.
Estes quadros convencem; mas, ainda que as portas do Mundo se abrissem todas e a vida em toda a parte se tornasse fácil, teríamos de rever a nossa política de emigração. Não nos interessa derramar o sangue por tanto destino ao mesmo tempo. Assim nunca o poderíamos refrescar e avivar. Era uma tarefa imensamente multiplicada e imensamente dispendiosa. Para que o nosso sangue se não aliene ou se não perca temos de limitar as correntes de emigração, derivando-as e doseando-as para os grandes e mais convenientes destinos. Quanto a mim, só nos serviria o Brasil e a América do Norte. A pouco e pouco - depois de realizados os necessários acordos de emigração com aqueles dois países o ressalvados os raros casos especiais de emigrantes que pretendam juntar-se a suas famílias - as saídas para os restantes centros de emigração deveriam ser canceladas de uma vez para sempre.
O Brasil, porque estamos na raiz da sua formação moral, porque estamos no seu fundo étnico, porque adiantamos até lá o nosso espírito, a nossa cultura, a nossa língua.
Não sei se foi Guerra Junqueiro que num daqueles seus rasgos de inspiração viu o Brasil nado e criado com torrentes de vida - o nosso sangue; com um hino de aurora - a nossa fé; com estrelas de dor - as nossas lágrimas.
Pois não podemos abandonar o sangue, nem a fé, nem as lágrimas, que se juntaram ao sal do mar e orvalharam a secura dos sertões, regando conjuntos de almas e estradas de epopeia.
A América do Norte, porque temos lá mais de meio milhão de portugueses, entre os que foram e os que por lá nasceram; porque estamos hoje irmanados com a grande nação nas boas e difíceis cruzadas do Mundo; porque o interesse é recíproco; porque tivemos na última grande guerra, em todas as frentes, milhares de soldados de sangue português - 40:000, afirma-se - a combater por essa América onde vivem; porque temos nomes da nossa gente gravados nalgumas praças e ruas da poderosa nação, como sinal dos feitos que comete-