444 DIARIO DAS SESSÕES N.º 132
A coluna «Outros países» engloba Curaçau, Berntu das, Aruba, Hawai, Austrália, Nova Zelândia, Afica do Sul, Congo Belga, toda essa pulverizada sorte de destinos que o emigrante dos Açores, e, no geral, o emigrante português, busca hoje, não digo já para tentar fortuna, mas para tentar viver.
Quando tratei da situação da Madeira referi os esforços feitos para remover dali o excesso de população válida, designadamente através de contratos de trabalho devidamente celebrados com a Curacaosiche Petroleum Industrie Maatschappij para colocação de 1:000 trabalhadores, além dos 1:000 que já prestavam serviços naquela empresa petrolífera, ou seja, ao todo, 2:000, contingente que se tem mantido com uma útil e frequente renovação de unidades.
Vou agora dar notícia do que se fez e se está fazendo a favor de S. Miguel:
Dada a acentuada gravidade do problema na ilha de X. Miguel - sublinho por serem os termos usados pela , própria «Junta da Emigração-, em presença das dificuldades de saída de gente para o estrangeiro, pensou-se em promover a partida de 300 ou 400 trabalhadores para Angola e Moçambique, a fim de se empregarem ali, a título transitório, em trabalhos públicos., findos os quais regressariam à ilha desde que não fossem assimilados .pelo meio.
Posta de Lido esta ideia de deslocação transitória, por aqueles trabalhos terem sido orçamentados para mão-de-obra indígena e por rejeição, in limine, da parte dos peritos em assuntos- do ultramar, chamados a pronunciarem-se, opinou-se pela fixação definitiva do referido número de trabalhadores, como elementos de qualidade, iniciadores do povoamento nas zonas escolhidas do Moic-hico e Alto-Zambeze, em Angola, e Mavita, circunscrição de Manica, em Moçambique.
A linha geral da sugestão vinha já do relatório do Dr. Mário Matias, de 18 de Fevereiro de 1948, e a que já fiz referência, como um dos. remédios apontados com mais interesse, e que não indicava só «o recrutamento excepcional de colonos micaelenses para Angola e sua colocação oficiosa, nos primeiros tempos, em sociedades agrícolas ou em serviços públicos», mas aã elaboração de um vasto plano de colonização d>e Angola por famílias açorianas».
Não obstante a mobilização das vontades assistidas pela perfeita compreensão da urgência na resolução do ouso micaelense, os serviços de informação e inspecção do ultramar foram de parecer, e com autorizada razão, de que Angola, no momento, não estava em condições de receber aquele número de trabalhadores micaelenses, anteolhando-se «uma solução momentânea», que seria a de os agrupar transitoriamente em região planáltica e salubre com um salário mensal de 1.000$, alojando-os em acampamentos de trabalho, com alimentação em comum, até serem absorvidos gradualmente pelas entidades públicas ou privadas da província.
Arrumada também esta sugestão no monte das esperanças mortas, a Junta da Emigração enviou ao Brasil, em fins de L950, um dos seus inspectores, com o fim de estudar, em ligação .com as nossas autoridades consulares, a possibilidade de colocação na agricultura de algumas família» micaelenses.
Verificou-se então ser possível colocar ali 300 famílias, mas sem quaisquer contratos ou acordos escritos. Iriam trabalhar e viver para junto de agricultores já estabelecidos e Suficientemente idóneos.
A título experimental foram escolhidas 40 famílias, das quais partiram já 26, compostas de 178 indivíduos. Não temos curadores a vigiarem o andamento da experiência. São os cônsules os encarregados desse serviço.
Só duas famílias abandonaram o destino que levaram. As restantes estão satisfeitas com a sua situação.
Embora o movimento de emigrantes tenha em 1950 atingido um número maior, a verdade é que está longe de corresponder às necessidades actuais, ainda que transitórias na sua premência, pelo menos até que sejam aproveitados ao máximo os recursos da metrópole e elevada ao- possível a corrente migratória para o ultramar.
Esses emigrantes clandestinos, de quando em quando enviados aos tribunais -fora os que se escapam-, são uma. amostra de que a drenagem, de uma maneira geral, está .abaixo do que as circunstâncias reclamam. Mas, no que respeita à ilha de S. Miguel, já não é bem a vulgar necessidade que se sente, oprimindo e abafando vidas; são «-s próprias vidas que se lançam no caminho da aventura, temerárias, heróicas, jogando tudo por tudo.
Narro estes dois casos:
Tomei conhecimento do primeiro no tribunal de Ponta Delgada. Tratava-se de um rapaz de 19 anos, «serralheiro mecânico, e ide um outro jovens, contínuo de profissão, com 17 anos,- ambos presos no dia 15 de Abril de 1950, quando dormiam sobre a Rocha da Relva, descansando antes de se fazerem ao mar num simples barco de borracha, do modelo usado nas forças aéreas americanas.
Parece incrível, mas o apetrechamento do irrisório batel constava de uma bomba manual para enchimento de câmaras-de-ar; quatro coletes de salvação, de borracha; uma pequena vela talhada e feita de pano ou cotim de riscado; um delgado mastro, com o seu cordame; três leves e frágeis remos; uma rudimentar bússola de algibeira; uma lanterna de sinais marítimos, sem carga; uma faca de mato; uma carta hidrográfica da ilha de S. Miguel; um caixa de comprimidos de sacarina cristalizada, com 500 unidades; uma mala que continha um tosco receptor, de pilhais, de unia lâmpada, ao qual faltava a respectiva lâmpada.
Esta simples enumeração aumenta o tamanho da aventura.
Levavam ainda uma; bandeira nacional, e o rumo pretendido e confessado era o da América do Norte.
Procurando na lei- todos os motivos de absolvição e encontrando-os na inidoneidade dos meios para a consumação do crime de emigração clandestina -além do barco velho e frágil, com o fundo ameaçando descolar-se,, sem quilha e sem leme para governo, tudo o anais era rudimentaríssimo, precário, ineficaz-, deixei no processo estas impressões* que reproduzo aqui:
Ao cabo de uma batalha de três anos pela ideia de emigrarem para a América do Norte, os dois arguidos representam o drama de milhares de almas que se debatem no círculo apertado desta ilha, sem espaço para viver.
Exaustos, dormiam sobre ia racha dura quando a "polícia os prendeu.
A seus pés as ondas batiam, a embalar-lhes a miragem.
Não tinham esquecido a bandeira da Pátria. Levavam-na para timbre de glória na hora do triunfo ou para mortalha de honra na hora da morte.
O povo a mais que para aí se atropela e esmaga, na atribulada ânsia de conseguir um palmo de chão para verter o suor do rosto, é assim: adormece por vezes, cansado de lutar. Quando acorda sente-se preso. É o mar que o cerca. Também luta e sofre, também sonha e desperta, também nunca esquece a Pátria; o seu sangue enche metade da