14 DE MARÇO DE 1952 507
É natural que nem todas as medidas tenham alcançado o resultado previsto; é compreensível que haja mesmo erros e injustiças a corrigir. A experiência irá fornecendo os elementos de correcção que convém ir introduzindo com prudência e decisão na vasta máquina desportiva.
Na fase pioneira dos clubes o entusiasmo pelo desporto era visível, ingénuo e sincero. Daí o amadorismo que se criou, com a vantagem da extensão do exercício desportivo ao maior número.
À medida, porém, que o futebol ia alastrando e de certo modo aperfeiçoando-se, nasceu e cresceu o VII interesse das competições rendosas, com todo o cortejo do falseamento da- finalidade educativa, que parecia ser o principal objectivo a alcançar.
Do amadorismo puro ao profissionalismo mal disfarçado foi um passo, e um passo infeliz, que está na base do sistema ruinoso dos clubes e na base do descalabro educativo a que assistimos, confrangidos e alarmados.
Não sou autoridade na matéria no que respeita à orgânica clubista.
Julgo-me, porém, com muita autoridade para encarar o agudo problema como educador que sou por profissão, que não pode ficar indiferente perante o gravíssimo panorama que se desenvolve à volta das exibições de futebol por esse país fora.
Vou tentar concretizar o meu pensamento: marcar uma divisória inconfundível entre amadorismo e profissionalismo é imprescindível e urgente. Ser este devidamente regulamentado e limitado aos clubes dos grandes centros com a necessária capacidade financeira para a manutenção dos temas profissionais.
Fomentar e desenvolver o amadorismo puro nos clubes regionais, de forma a que estes regressem à intenção primitiva de se tornarem focos de educação física e social.
Talvez assim se reduzissem ou eliminassem os males que as exibições futebolísticas estão a produzir em todas as camadas sociais.
Os desportistas da velha guarda e o público em geral tiveram a doce ilusão de que o desenvolvimento dos clubes e do futebol traria extraordinárias vantagens sociais, pelo intercâmbio das terras, sem excluir o valor turístico das deslocações em larga escala das chamadas massas associativas e dos aficionados.
O Sr. Délio Santos: - Era apenas para acrescentar, Sr. Presidente, que concordo inteiramente com o que acaba de dizer o Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho, mas quero, além disso, acentuar um outro ponto, que considero muito importante: houve, por assim dizer, um desvio na finalidade dos exercícios físicos. Perdeu-se de vista que os exercícios físicos desempenham um complemento da educação do homem e derivou-se quase completamente para a competição atlética, que é contrária à educação física. O erro não resido na falta de educação do povo, reside também no desvio da finalidade dos exercícios físicos.
O Orador: - Estou inteiramente de acordo com V. Ex.ª Ao invés, criou-se e acirra-se cada vez mais a animosidade entre as localidades, outrora em amistosas relações; fomenta-se e sustenta-se o ódio entre os associados dos vários clubes que se enfrentam. E o tão desejado intercâmbio turístico e recreativo das populações que se deslocam para ver os desafios transformou-se em viagens-relâmpago de agressividade e distúrbios, que se, estão a tornar perigosos e indesejáveis para os poucos pacatos aficionados, que desejariam ver um espectáculo de destreza, de lealdade e de luminoso movimento.
O Sr. Elísio Pimenta: - A polícia não tem sabido distinguir onde acaba o desportivo e se torna necessária a intervenção do agente da ordem pública.
O Ministério da Educação Nacional está a fazer uma obra notável através da Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, mas a polícia é que, muitas vezes, nos campos de futebol, assiste impassível a autênticos crimes públicos, porque não pode entrar nesses campos. Todos os que assistem aos domingos, por esse Portugal fora, a desafios de futebol são testemunhas de ofensas corporais, arremesso de pedras, ameaças e injúrias, que noutros locais dariam lugar a imediato procedimento criminal.
Parece-me, portanto, que o problema neste momento é de ordem pública, e não de desporto.
O Orador: - O problema não é só policial, mas muito mais profundo. É o falso profissionalismo que tem facilitado aquilo a que estamos assistindo.
Hoje é preciso terem coragem e arriscarem-se a incómodos sérios os que, ilusoriamente, tentam gozar o que dantes se chamava uma boa tarde desportiva. O que se passa no rectângulo entre jogadores - que por vezes são mais da violência que da bola -, o que se observa entre a assistência e quase sempre no rescaldo do jogo, dentro e fora dos campos, é de tal modo desconcertante e grave que urge encarar de vez a possível solução para os males, que toda a gente conhece de sobejo, para eu ter de os citar em pormenor.
É possível que na massa do nosso sangue estejam resquícios dos espectadores dos circos romanos.
E talvez tenha razão o autor de recente revista quando explicava que o espectador de futebol aproveita essas horas domingueiras para despejar a bílis acumulada pelas contrariedades da semana.
Np fundo, realmente, o que há é em larga escala falta de educação cívica, que não é 30 de atribuir, e nisto é que está o pior, apenas às pessoas menos educadas, mas que se observa frequentemente nos indivíduos que, pela sua posição e cultura, têm maiores responsabilidades.
Tem-se, em resumo, desenvolvido uma espécie de loucura colectiva, que é degradante e que perturba o organismo social.
Questão de polícia nos jogos? E visível que não basta, lia que haver uma acção viva e intensa de reorganização e de propaganda que meta nos eixos o que anda desastradamente fora deles.
Há mesmo que adoptar medidas drásticas contra os agressores, quer entre os jogadores, quer entre o público, responsabilizando-os judicialmente pelas agressões cometidas à margem dos desastres próprios e consequentes do jogo.
Sabe-se que em muitos casos, dentro do rectângulo, há a caça visível e propositada ao. homem, em vez do jogo leal dentro das regras normais. Se qualquer agressão1 vulgar é punida pelo rigor das leis, porque não responsabilizar os jogadores severamente pelos desmandos cometidos contra a integridade física do adversário?
O Sr. Carlos Moreira: - Creio mesmo que não é preciso criar novas disposições legais, bastando aplicar as que já existem no nosso Código Penal.
O Sr. Elísio Pimenta: - Bastava que a polícia pudesse entrar nos campos de jogos.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Nas nossas normas de direito geral, como nas normas de direito desportivo, há sanções para esses desmandos, e eu estava a ver se era possível num desporto de homens evitar que muitos desmandos ocorram...
Desmandos há-os, dada a fraqueza da pobre humanidade, em qualquer sociedade organizada. Este é o facto; o importante é que eles não passem em julgado e, ao