14 DE MARÇO DE 1952 509
crise económica que teve início em 1929 nos Estados Unidos. Durante a prolongada crise, de que o Mundo se não havia ainda reconstituído quando rebentou a segunda guerra mundial, ela voltou a cair para 11:900.
Nos anos da guerra baixou outra vez para 5:600 e nos subsequentes, até 1950, fixou-se em KJ: 100, e não foi mais por causa da enérgica acção restritiva exercida até recentemente pelo Estado, a qual teve a sua aparente justificação no Decreto-Lei n.º 36:199, de 29 de Março de 1947. A emigração tem, neste momento, irresistível tendência a aumentar. Em 1951 atingiu possivelmente 30:000, e não seria de estranhar que este ano ela se fixasse em 40:000 ou, porventura, em número mais elevado.
A nossa experiência centenária como país de emigração põe-nos à vontade, ao rever o passado, para ajuizarmos da conveniência de mantermos a tradição emigratória ou de reconsiderarmos a política nacional neste sector, em face das condições inteiramente novas que à nossa emigração se têm deparado nos últimos sessenta ou setenta anos com a concorrência das poderosas correntes de italianos, alemães, sírios, eslavos e japoneses, orientados para as regiões tradicionais de povoamento português, de facto, o Mundo Português.
Esta invasão estrangeira das nossas terras e a sua ocupação levantou novos problemas que requerem novas soluções.
Põe-se aqui a questão de como barrar o passo a tais correntes, concorrendo vantajosamente com elas. E isto levanta, por sua vez, o duplo problema da quantidade e da qualidade dos nossos emigrantes. Com efeito, a insuficiência do número e a deficiente preparação técnica abriram caminho franco às migrações estrangeiras!. Elevar o número e promover a valorização profissional do emigrante português constitui, por isso, o problema que nos defronta.
Isto implica a definição da nossa política migratória dentro do complexo da política nacional. Teremos de ver até que ponto o emigrante, partindo, contribuirá para elevar o nível de vida dos que ficam mais do que permanecendo no País; teremos de decidir até que ponto nos convém mecanizar a economia rural e. modificar as culturas para libertarmos mão-de-obra; até que ponto nos convém levar a industrialização e, consequentemente, a absorção por este sector de uma maior ou menor parte do saldo fisiológico; ate que ponto estamos dispostos ou até onde a produção de novos capitais nos permite colonizarmos os nossos territórios do ultramar, a fim de sabermos qual é, no fim de tudo, o excedente que fica para a emigração externa, e teremos ainda de decidir para onde convém à nação (portuguesa, no respeito pelo seu passado e na consideração do seu futuro como potência mundial, encaminhar esse excedente. Parece-me que este aspecto do problema não se apresenta duvidoso. O excedente deverá fixar-se, sobretudo, no Brasil. Resta-nos assentar em que condições a emigração para o Brasil melhor serve a nação portuguesa- mais útil é ao Brasil e mais conveniente é para Portugal.
O Brasil carece de portugueses, porque português é o «eu fundo étnico, porque com o nosso emigrante não se põe o problema, da adaptação ou assimilação, porque' necessita preservar e defender a sua fisionomia nacional contra influências exóticas que a deformem e descaracterizem. A função assimiladora que determina a unidade cultural da nação ficou, assim, reservada à nossa raça. Fundindo as tradições, sentimentos e atitudes dos estrangeiros, determina a sua imersão gradual no grupo luso-brasileiro. E precisamente neste campo misterioso da interpenetração das almas que se encontram os mais sérios obstáculos à assimilação. Por isso é de tão grande importância a afluência de portugueses ao Brasil.
O Brasil também tem o seu patriotismo, que se alimenta das suas tradições, e este sentem-no melhor do que ninguém os portugueses de Portugal, que beberam o próprio amor à Pátria na fonte pura da história comum.
Mas a função assimiladora que o~ Português exerce, importante e fundamental como é, não constitui, não pode constituir, a única função da emigração portuguesa. O Brasil carece também de técnicos, de profissionais, de artífices especializados de vária natureza. Não podemos abandonar este campo inteiramente à emigração estrangeira. Quanto mais alto situarmos o nível qualitativo da emigração portuguesa mais elevado será o ponto de partida na vida do nosso emigrante, e, portanto, mais depressa e com maiores probabilidades de sucesso atingirá as zonas hierárquicas superiores, evitando neles excessivas concentrações de estrangeiros. E isto convém à nação portuguesa, que o mesmo é dizer ao Brasil e a Portugal.
Quanto mais favorável for para nós a comparação, que não deixará de fazer-se, entre o nosso emigrante e o estrangeiro no plano profissional, tanto maior será o nosso prestígio, e isto importa a Portugal.
Também por isso o nosso rural não de ir para o Brasil perpetuar a agricultura das- queimadas e da enxada, mas sim preparado a dar o seu contributo a reconstituição do campo brasileiro, que não pode ficar sendo exclusiva glória de alemães, italianos, holandeses e até norte-americanos, como aquele célebre grupo de planters que, desiludido com a sorte do Sul depois da Guerra da Sucessão, emigrou para o Brasil, onde foi o primeiro a chamar a atenção para o uso da máquina agrícola.
Em extensas zonas do campo brasileiro existem fortes concentrações de estrangeiros da primeira e segunda geração, tornando premente o eficaz funcionamento do processo assimilatório a que antes me referi.
A valorização técnica do nosso emigrante, que é um objectivo de urgente realização, não deve, porém, entorpecer enquanto se não efectiva em larga escala a corrente migratória para o Brasil, pela iminência do perigo que nos defronta.
Diz-se que os salários e as condições de vida ião interior do Brasil não suo de molde a atrair o nosso trabalhador do campo. Contudo, a imigração alemã, por exemplo, não só deixou vencer pelas circunstâncias prevalecentes nas regiões onde ainda se praticam processos primitivos de amanho e de colheita, com a preponderância da velha enxada nacional e do rudimentar carro de bois, num dispêndio esgotante de energias humanas. Ela criou para si as próprias condições de uma vida melhor, na conveniente escolha dos locais de fixação e na aplicação ao meio dos seus conhecimentos técnicos. Desenvolvendo uma agricultura racional, amplamente mecanizada, os imigrantes estrangeiros tornaram possível o progresso agrícola que se verifica sobretudo no estado de S. Paulo e nos estados do Sul e que de ano para ano se acentua e tomou expressão nos últimos tempos no crescimento vertiginoso do número de tractores em uso no- campo, que passou de 8:600 em 1949 pura 14:400 em 1950 e para cerca de 24:000 em 1951. Cito como exemplo deste surto agrícola a próspera comuna de Londrina, na zona nova do Paraná, planeada e organizada há vinte e cinco anos por um grupo cie homens da City. Onde em U930 era o sertão está hoje uma cidade moderna de 50:000 habitantes, centro urbano das mais ricas plantações de café do Brasil.
Nestes tempos, em que o intervencionismo parece não ter limites, não se compreende bem como é que num sector tão importante como o da emigração ainda se não tenha tratado a sério, entre nós, da valorização do homem, em cujas mãos está, afinal, o engrandeci-