14 DE MARÇO DE 1962 513
Durante muito tempo a questão da nacionalidade de origem dos imigrantes parece não ter preocupado os homens do Império. O problema só começou verdadeiramente a alarmar por altura da abolição da escravatura, quando Sílvio Romero, num -desabafo em que ia muito desalento patriótico, ao ver esquecido o ubérrimo Norte e os territórios imensos a ocidente, abandonado ao próprio definhamento étnico o Brasil intermédio, «o velho Brasil, o Brasil português e histórico», enquistadas nos estados do sul poderosas concentrações de outros povos, exclamava: «O Brasil futuro será de outra raça que não a nossa e o papel do povo português aqui terá sido simplesmente o do primeiro desbravador do terreno; terá sido o de uma população provisória, que veio limpar o caminho para os outros».
Os tempos passaram. No Mundo sucedeu muita coisa imprevista e o vaticínio de Sílvio Romero não se verificou em toda a extensão do seu cruel pessimismo. Mas a ameaça existe e o perigo será real se continuarmos em grande minoria na imigração brasileira. Em 66 anos, de 1884 a 1949, o Brasil recebeu 1.250:000 portugueses em 4.272:800 imigrantes, menos de terça parte, precisamente 30 por cento, uma perigosa minoria, que a partir de 1904, por circunstâncias diversas, em que conta muito a política imigratória brasileira, sofreu salutar correcção, tendo a nossa posição passado no período de 1904 a 1949 para 36 por cento. Mas ainda estamos longe de ocupar uniu posição suficientemente forte para a conveniente protecção dos interesses comuns de Portugal e do Brasil.
O grito de alarme foi dado por Sílvio Romero, mas terá ele, ao menos, sido ouvido? No Brasil, decerto. Mas por nós? Que fizemos nós no plano político ou no campo prático para proteger os nossos irmãos do Brasil, ameaçados de serem subvertidos pela maré alta das imigrações nórdicas, mediterrâneas, levantinas e asiáticas? Primeiro, abandonando-nos a Natureza, e não foi o pior; .depois, abandonando a Natureza em busca de um condicionamento, por certo bem intencionado, que não realizamos, mas que quase paralisou a corrente emigra-tória durante este perigoso pós-guerra, contribuindo a enfraquecer a1 defesa étnica- do Brasil.
Se não fosse o novo rumo dado à política emigratória italiana, orientada, agora, no sentido do Norte de África, teríamos perdido, por certo, muito terreno nos últimos mios.
No Brasil o problema emigratório tem sido objecto de uma vasta legislação, que culmina no Decreto-Lei de 4 de Maio de 1938 e disposições regulamentares de 20 de Agosto cio mesmo ano e adquire a sua derradeira forma no Decreto-Lei n.º 7:967, de 1945, que refunde a lei anterior, verdadeiro Estatuto da Imigração e Colonização, e imprime ao movimento migratório uma «orientação racional», cuja definição precisa se encontra nas instruções de 12 de Março de 1948 do Conselho de Imigração e Colonização:
A política imigratória do Brasil - dizem aquelas instruções - obedece primordialmente a dois princípios fundamentais:
1.º Conservar e desenvolver na composição étnica da população brasileira os característicos mais convenientes da sua ascendência europeia;
2.º Defender os legítimos interesses da economia « do trabalhador nacional.
O Brasil tem e deve ter preferência acentuada pelos factores humanos e culturais, que, em associação secular, já comprovaram a sua capacidade de adaptação proveitosa ao meio brasileiro ... e restringe inevitavelmente o ingresso de elementos que, por sua origem, índole e costumes, se revelaram inassimiláveis.
Mas foi na resolução n.º 34, de 22 de Abril de 1939, do Conselho de Imigração e Colonização, que ficaram expressos em toda a sua diáfana precisão os princípios fundamentais da política imigratória brasileira.
Merece ser lida aqui essa resolução, cujos considerandos constituem a mais forte e patriótica expressão do lusismo feita nos tempos modernos no Mundo Português.
Diz assim:
Considerando que a defesa, a segurança do Brasil e a formação da nacionalidade indicaram novos rumos à nossa política imigratória, impondo-nos a dosagem das correntes alienígenas de forma a assegurar a sua assimilação às instituições sociais, políticas e económicas do país;
Considerando que o fundamento dessa orientação podia atingir o elemento português, que tem sido o factor primordial e a força cooperante mais idónea na formação do povo brasileiro;
Considerando a identidade de religião, de idioma e de costumes, bem como as afinidades raciais e históricas entre portugueses e brasileiros;
Considerando que a actual política imigratória brasileira, que visa concorrer para a solução do problema do aumento da nossa densidade demográfica, deverá ter em vista o sentido da formação histórica da nacionalidade, que é luso-brasileira;
Considerando que o Português, pelo facto de representar uma étnica que foi também a nossa até ao primeiro quartel do século XIX, é um elemento sociológico de incontestável valor eugénico, com um poder de adaptação que lhe é característico, assimilando-se rapidamente ao nosso povo e ao nosso país, como se este fora um prolongamento da própria pátria ;
Considerando que os (portugueses tem aqui colaborado pacificamente durante mais de quatro séculos e que em todo o território nacional se encontram vestígios do génio criador da raça atestando sua civilização, cultura e sentimentos, de perfeita solidariedade connosco;
Considerando que, «por esses motivos, vínculos profundos ligam os portugueses aos brasileiros, identificando-os perfeitamente;
Considerando que o Decreto-lei. n.º 3:010, de 20 de Agosto de 1938, equipara os portugueses aos brasileiros, com o objectivo de ser evitada a concentração de estrangeiros nos núcleos coloaniais;
Considerando que a supressão de qualquer limitação-numérica, em se tratando da entrada de portugueses no território nacional, só poderá contribuir para. o fortalecimento da nossa formação étnica:
O Conselho de Imigração e Colonização resolve considerar os .portugueses, para efeitos do Decreto n.º 3:010, de 20 de Agosto de 1938, isentos de qualquer restrição numérica quanto à sua entrada no território nacional.
E assim terminou para os portugueses o regime de quotas pouco tempo depois de ter nascido, numa elevada afirmação de princípios, como que uma excusa da raça a raça, da nação à nação, por haverem os nossos sido inadvertidamente abrangidos pelas restrições quantitativas estabelecidas «pela nova lei com relação a imigrantes estrangeiros.
A política assim formulada dá decidida preferência á imigração portuguesa e justifica-a.
A apoiar esta orientação estão as opiniões publicamente manifestadas pelos homens mais representativos ou por entidades politicamente responsáveis no Brasil.