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20 DE MARÇO DE 1952 571

interessa para o problema em discussão. A mim interessa-me apenas focar a minha posição neste debate.
Duas ordens de razões me levam a não perfilhar a doutrina da proposta governamental, bem como a da Comissão de Defesa Nacional, preferindo a estas a proposta apresentada pelo ilustre Deputado Botelho Moniz, se bem que esta ainda não satisfaça inteiramente a minha consciência de português.

O Sr. Botelho Moniz: - Muito bem!

O Orador: - E porque assim penso? Porque na alma de todos os portugueses existe o sentido do mar, a tentação do mar, a vocação do mar.

O Sr. Botelho Moniz: - Muito bem!

O Orador: - E foi esse sentido, essa tentação e essa vocação do mar que nos deram um Império e é a razão de ser da nossa existência nacional.

O Sr. Botelho Moniz: - Muito bem!

O Orador: - Deram-nos também esse sentido, essa tentação e essa vocação uma epopeia como outra não possuem as nações modernas.
Esta é a razão sentimental que me leva, incondicionalmente, a pôr-me ao lado daqueles que defendem uma aviação naval autónoma, independente.
Eu não compreendo que um organismo amputado possa viver uma vida absolutamente normal.
Toda a amputação representa uma coisa dolorosa, e a amputação dum órgão torna o organismo amputado defeituoso. Mas há mais, e como disse de princípio, eu não conheço nada do técnica; todavia, na primeira grande guerra, e isso são realidades, surgiu um poder novo, o poder submarino. Ele mostrou toda a sua eficiência, porque as forças dos diversos Estados estavam até aí reduzidas ao exército de terra e à Marinha. O aparecimento desta nova arma de combate veio criar problemas novos e mostrar que, além do Exército e além dos navios de superfície, outras armas podia haver que inutilizassem esta.
Com a segunda grande guerra surgiu o poderio aéreo. São factos que toda a gente conhece, até leigos como eu, pelo que se tornava indispensável ao navio do superfície a protecção aérea de uma aviação, da sua aviação.
Pode dizer-se, e eu já ouvi aqui discutir, que havia talvez um equívoco ao confundir poder naval com poder aéreo. O poder naval está Intimamente ligado ao poder aéreo, II força aérea, para poder exercer a sua função, função essa que é a de defender as zonas focais dos portos para que neles possam .entrar ou sair os barcos que os demandem, e essa protecção havia de abranger a cobertura das rotas marítimas que é preciso assegurar.
Eu sei (disse-o o ilustre leader desta Câmara) que nós não temos uma força aeronaval para cobrir, para defender ou proteger eficientemente os nossos barcos, mas temos talvez aquela que é indispensável para acompanhar os nossos barcos até às zonas em que outros navios ou barcos os hão-de defender pela força dos tratados internacionais a que estamos ligados. De resto, eu disse que não concordava com a proposta do Governo porque afinal, por exemplo, na alínea 3.a do artigo em referência, ficam dependentes e à disposição do Subsecretariado todas as forças e meios de defesa contra aeronaves, orgânica e administrativamente dependentes dos Ministérios do Exército e da Marinha. A questão moral está no facto de se saber quais os objectivos que devem ser submetidos à protecção das forças navais. À Marinha não interessa a sua defesa própria, mas sim a defesa da
função que lhe está confiada e sem a qual ela não tem razão de ser.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, a proposta de alteração da Comissão de Defesa Nacional não representa outra coisa que não seja um empréstimo, um generoso empréstimo à Marinha.
Põe-se à disposição dela forças aéreas. Para quê?
Para o seu emprego em tempo de guerra; e, em tempo de paz, para efeitos de instrução. Fora disso, a Marinha fica amputada da sua aviação.
Nestas condições, declaro que não posso votar nem perfilhar a opinião da proposta governamental, como não posso perfilhar a opinião da Comissão de Defesa Nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Sousa Rosal: - listava muito longe de supor que teria de falar novamente sobre as propostas em discussão. Porém, parece-me que o problema tem sido deslocado do campo onde devia ter sido discutido para se encaminhar profundamente no sentido do emocional e do técnico, o que acentuadamente se está a verificar na discussão deste artigo 7.º e é o que me leva a dizer ainda duas palavras. Quanto a mim o problema é, no fundo, um problema de administração o de comando: o técnico tem nele o seu lugar, mas não de maneira preponderante.
As razões emotivas são talvez as mais aliciantes, mas elas perturbam completamente toda a nossa vida funcional e tocam subtilmente o pensamento.
Estou neste momento a lembrar aquilo que disse uma vez Clemenceau, o homem que foi um dos construtores da vitória aliada na primeira guerra mundial. Tendo-lhe alguém perguntado porque é que queria ser enterrado de pé, respondeu: «Porque- quero, mesmo depois de morto, conservar a cabeça acima do coração».
Neste momento, em que temos de deliberar, mantenhamos a cabeça bem acima do coração.
O problema técnico, que tem apaixonado quase todos, não é argumento único e decisivo a ser respeitado- nas nossas deliberações.
Temos de nos pôr um pouco mais acima e procurar ver quais foram as intenções que o Governo teve em vista colocando no Subsecretariado da Aeronáutica Militar todas as forças de aviação.
Concentrar, para ser mais eficiente no dirigir e mais económico no administrar, os recursos materiais e humanos, como norma geral de governo, no esquema pensado para a defesa nacional nas presentes circunstâncias.
Não podemos deixar de considerar o Exército, no seu aspecto administrativo, como uma grande empresa, a maior das empresas do Mundo, não só em volume e intensidade, mas também em complexidade. Basta lembrar que no Dia da Vitória o exército americano tinha em pé de guerra 8.300:000 homens e a maior empresa conhecida no Mundo, a General Motors Corporation, dispõe apenas de 500:000.
Henri Faiol, no seu livro Administratton Industrielle et Générale divide toda a acção de uma empresa em actividades administrativas, técnicas, comerciais, financeiras, de segurança e de contabilidade, concluindo que no escalão directivo a administrativa é da ordem dos 50 por cento do labor total.
Este ângulo do problema parece que passou despercebido ao ilustre Deputado Botelho Moniz, que tem estado a apreciar as propostas com tanta paixão e entendimento.
Pois sendo um homem com os pés bem assentes em terra e no seio de uma grande empresa, não o teve na devida conta no seu entusiasmo de voar.