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668 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 149

competência e entusiasmo, intervieram no debate e defenderam o ponto de vista do Governo sobre a matéria que originou este incidente.
Usaram largamente da palavra, não só o Digno Deputado que é aqui o intérprete do pensamento do Governo, mas também outros jurisconsultos em evidência, e tenho a certeza de que SS. Exas. e V. Exas, Sr. Presidente, se porventura vissem nas disposições que se discutiam e que originaram o incidente qualquer ofensa ou agravo aos preceitos constitucionais o teriam revelado à Assembleia.
Salvo o devido respeito, considero as explicações que ouvi ler insubsistentes e absolutamente contraditórias com a realidade doutros actos e com atitudes precedentes do Governo.
Podia limitar-me a perguntar ao Governo, que agora sente tantos melindres constitucionais, se não está em vigor o artigo 109.º da Constituição, que regula e limita a sua competência; ou podia limitar-me a perguntar-lhe só não está em vigor o artigo 123.º, que atribui só à Assembleia Nacional e ao Poder Judicial, e não ao Poder Executivo, a apreciação da constitucionalidade dos diplomas legislativos.
Que inversão é esta de funções?! É o Poder Legislativo que fiscaliza o Executivo, ou é o Poder Executivo que fiscaliza o Legislativo ?!...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sim. De que serve o preceito do n.º 2.º do artigo 91.º, estabelecendo a competência da Assembleia Nacional para vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo?
Era natural que na exposição dissesse qual o preceito que lhe dá a atribuição que se arroga sobre uma foi votada na Assembleia Nacional, promulgada pelo Chefe do Estado e publicada no Diário do Governo.
E não tem o Governo, ele próprio, infringido negligentemente o preceito constitucional, bem expresso no § 4.º do artigo 109.º, que manda publicar, quando necessários, os decretos regulamentares no prazo de seis meses?
O caso em discussão, em si, é dos menos graves e talvez não se justifique o ruído feito à sua volta, quando o comparamos com os precedentes. Era um caso 'de mais ou menos cartórios notariais, embora seja legítimo que, para comodidade dos povos, se mantenham as regalias que eles já possuíam.
Tem, na verdade, havido factos muito mais graves.
Já ontem aqui foi referida a Lei n.º 2:039, de amnistia o reintegrações. O Governo, se entendia que ela precisava de ser regulamentada, devia publicar o respectivo regulamento no prazo de seis meses, e todavia só cerca de um ano depois veio com um decreto, em parte regulamentar, que alterou profundamente essa lei e que originou - posso afirmá-lo terminantemente injustiças clamorosas, de que são eco reclamações e protestos que tem chegado ao Governo e a todos nós às centenas ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... e por completo alterou o texto e desvirtuou o pensamento generoso de uma lei que tanto nobilitara a Assembleia Nacional.
Facto mais grave é também o de terem sido publicadas há muitos anos leis nunca regulamentadas - como a da fiscalização das sociedades anónimas e a que se ocupa da presença de menores nos espectáculos públicos, cuja regulamentação o ilustre Deputado Mons. Santos Carreto há muito vem reclamando baldadamente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, Sr. Presidente - repito -, o caso em referência,, se não fora o grave aspecto especial que o revestiu, podia quase ser considerado tempestade num copo de água, em confronto com os outros que acabo de exemplificar.
Terminando: recuso-me a atribuir ao Governo o propósito de agravar a Assembleia Nacional. Não, não temos este direito, porque, se assim não sucedesse, era caso de clamarmos bem alto: ou ele ou nós, porque não podíamos jamais trabalhar juntos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: não há em mim o menor azedume, mas apenas profunda tristeza, ao subir hoje a esta tribuna. Faço-o, porém, por um dever de consciência e porque mais de uma vez protestei aqui contra a asserção frequente de que esta Assembleia não é mais do que uma simples chancela do Poder.
Várias vezes afirmei a independência de critério que nos é garantida na nossa acção parlamentar. Não me movem antipatias ou divergências fundamentais contra quem quer que seja dentro desta Casa e nas instâncias governativas. Pelo contrário, orgulho-me de ter dado, em várias emergências, uma colaboração que é modesta, mas serena, consciente e bem intencionada.
Operou-se, uma inversão de poderes constitucionais, com as mais sérias repercussões políticas. Pelo § 2.º do artigo 91.º da Constituição compete à Assembleia Nacional vigiar pelo cumprimento da Constituição e apreciar os actos do Governo.
O n.º 4.º do artigo 109.º atribui ao Governo o dever de fazer executar as leis e as resoluções da Assembleia Nacional, não havendo na competência constitucional do Governo nada que o autorize a sobrepor-se às decisões da Assembleia ou a apreciá-las.
Assim, é anticonstitucional aquilo que ontem se leu nesta Casa emanado do Sr. Ministro da Justiça.
Como Deputado e como português, protesto contra u atitude dum membro do Governo pretendendo julgar da constitucionalidade duma deliberação da Assembleia, e vejo, não apenas na revogação que se fez de disposições legais quarenta e oito horas após a sua promulgação, mas também no documento que foi lido aqui, mais do que um agravo à Assembleia e, individualmente, aos Deputados, mais do que uma ofensa de preceitos constitucionais - um erro político de sérias consequências, pois, se todos desejamos um Governo forte, não cremos que essa força se adquira no desprestígio ou amesquinhamento dum órgão da soberania nacional, duma instituição em que assenta a actual estrutura política do Estado.
Tenho como certo que nenhum parlamento do Mundo aceitaria esta situação. Se folgamos deveras em que entre nós os Governos não estejam à merco de frequentes votações parlamentares, também não queremos que o Parlamento se converta numa simples fórmula, em mera aparência.
No documento aqui lido poderiam existir expressões de acatamento e deferência que atenuassem a gravidade do ocorrido. Preferiu-se reduzir a representação nacional à condição de escolares, aos quais, indulgentemente, se aponta um lapso ou um erro.
Por mim, não aceito essa situação. Protesto vivamente e, para bem da situação política a que dei a minha modesta cooperação, apelo para os chefes do Estado e do Governo no sentido de que se encontre a solução satisfatória do assunta, nos termos constitucionais.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.