5 DE ABRIL DE 1952 673
tido de que a proposta que afinal veio a ser votada era inconstitucional, porque, se tivesse sido resolvido pela Comissão nesse sentido, não poderia deixar de ser trazida aqui a solução adoptada - e não o foi.
O que se passou então? O que se passou foi o que vou dizer e a que já ontem tive ocasião de aludir.
Conhece-se a interpretação por mim dada ao texto do artigo 97.º O Sr. Dr. Sá Carneiro já ontem abordou aqui e continuou hoje a desenvolver uma outra interpretação.
A minha é esta: só é inconstitucional a proposta de alteração que envolve aumento de despesas quando esse aumento resulte directamente da (proposta de alteração.
É boa? É má? É uma interpretação de jurista, que aqui tem de ceder à fixada pela Assembleia, que, como se sabe, reputa inconstitucional tanto a proposta de alteração que importa aumento de despesa directamente como indirectamente.
Outra interpretação é a que o Sr. Dr. Sá Carneiro apontou ontem e hoje também de alguma maneira tocou, mas sem a desenvolver completamente. É a opinião segundo a qual seriam inconstitucionais tanto os aumentos de despesa que resultam directamente de uma proposta de alteração, como os que dela resultam indirectamente. Simplesmente, esta proposta de alteração, em vez de se referir à proposta de lei em discussão, refere-se ao regime de direito existente antes da proposta de lei em discussão. E outra solução.
Podem buscar-se ainda outras. Por exemplo, esta, que é da Câmara Corporativa, como consta do parecer relativo à reforma constitucional votada em 1945: é inconstitucional o aumento de despesa directo ou indirecto, mas não é inconstitucional a diminuição de receita desde que esta - a receita - não resulte de direito preexistente. É também outra solução.
Não quero cansar VV. Ex.ªs continuando com este desenho; mas outras soluções são ainda possíveis ou, como diria quem estivesse em contacto com as retortas de um laboratório, outras hipóteses de solução são experimentáveis.
Aqui têm VV. Ex.ªs o ambiente do problema na Comissão de Legislação e Redacção. Foi com base nele que a Comissão resolveu: não se ponha a questão da constitucionalidade.
Disse-se aqui, realmente, não ficar bem, deste que o problema tivesse acudido, que ele não tivesse sido posto.
E eu pergunto a VV. Ex.ªs se é menos correcto e menos leal para com a Assembleia ter procedido como procedeu a Comissão de Legislação e Redacção?
Não tendo tomado posição definitiva, na hipótese, sobre o problema da constitucionalidade, e dada a multiplicidade de soluções possíveis e o ambiente de dúvidas que se suscitaram, resolveu a Comissão que o melhor era o problema não ser posto.
Sempre acreditei que isto era um motivo para a Assembleia olhar com olhos discretos e amáveis para- a posição da Comissão de Legislação e Redacção, que, tendo sugerido solução diferente da que afinal veio a triunfar na Assembleia, não quis pôr diante dos olhos da Assembleia uma questão que, tendo sido posta, talvez tivesse conduzido a que a solução da outra questão - da de fundo - fosse diferente: precisamente aquela que tinha sugerido.
E no entanto castiga-se a sua atitude ...
E agora, para concluir, peço muita desculpa por ir referir-me a uma matéria que está fora propriamente do desenvolvimento da questão que o aviso prévio do Sr. Deputado Sá Carneiro suscitou. É a questão da lei da amnistia.
Outras matérias passaram por aqui e não vale a pena estar a referir cada uma. Suponho, porém, que vale a pena não deixar sem um apontamento a referência que foi feita àquela.
A lei de amnistia criou um certo regime e instituiu uma determinada possibilidade. Instituiu um regime sobre a matéria no domínio da competência da Assembleia. No resto apresentou-se como uma lei de autorização, por constituir domínio que não era da sua competência constitucional. Lei de autorização em que se apontava para certos critérios, mas em que se não ligava o Governo a proceder de acordo com esses critérios. Nem podia constitucionalmente ligar-se.
Não pode, portanto, segundo creio, quanto a essa lei, afirmar-se que o Governo deixou de executar o que foi votado pela Assembleia, porque aqui votou-se um conjunto de soluções de conteúdo impreciso, deixando-se ao Governo, por dispositivo da própria lei, que preenchesse ele, que precisasse ele o conteúdo propositadamente deixado impreciso.
O Sr.. Botelho Moniz: - Propositadamente deixado impreciso não, mas sim necessariamente deixado impreciso.
O Orador: - Está bem, se V. Ex.ª quiser. Não se podia ir, no momento, mais longe, e a verdade é que se fizeram os maiores esforços para se atingir o resultado que se atingiu - muito mais do que aquilo que inicialmente era pedido.
O Sr. Botelho Moniz: - Muito bem!
O Orador: - Não deixou de reconhecer-se que, só aquilo correspondia a uma espécie de aspiração geral, não tinha, entretanto, o problema sido suficientemente estudado e analisado para que das soluções para que se apontava não resultassem injustiças relativas, clamorosas.
Não suponham VV. Ex.ªs que a comissão que trabalhou no projecto não viu essas injustiças. Viu-as, mas não pôde determinar a medida a que conduziriam soluções que em abstracto eram fáceis de organizar - a que conduziriam essas soluções, justas em abstracto, desde que convertidas em lei e quando consideradas no momento da aplicação prática. E então, como não tinha tempo - VV. Ex.ªs recordam-se das condições em que se trabalhou- de fazer uma análise demorada de toda a projecção na prática de certas disposições, como não tinha tempo de buscar um sistema equilibrado, foi para aquilo que já sabemos, na convicção de que já: dava satisfação a uma certa ansiedade; foi para isso depois de informada de que os encargos da execução, honesta, daquilo que era o &eu pensamento não ultrapassariam 3:500 a 4:000 contos. O Governo procurou executar a lei na. medida do que julgou possível, e do modo como a executou resultou para o orçamento um encargo que anda à Toda dos 7:000 contos.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Nem que fosse o duplo ou o triplo, desde que se tratava de cumprir » que estava estabelecido e de fazer justiça e dar uma reparação. Isso é que revolta. O critério é que foi errado!
O Orador: - Quando o problema é posto no terreno da justiça em abstracto é uma coisa, agora quando é posto no terreno da justiça em concreto a primeira coisa a considerar é a medida em que é possível fazer justiça.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Poupasse-se noutras coisas, como no improdutivo, no supérfluo e nos luxos.
O Orador: - Eu não estou a discutir esse problema, estou a dizer a V. Ex.ªs, já que estamos a pôr problemas de justiça, que não suo justas as palavras em que se afirma que o Governo não executou uma lei votada pela