778 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 155
O Orador: - Diz-se no seu preâmbulo, com optimismo exagerado e generalização menos certa, que as províncias ultramarinas estão a atravessar período de prosperidade excepcional. Acrescenta-se que se torna recomendável evitar perturbações que possam resultar de imperfeitas aplicações de ganhos inesperados e, ao mesmo tempo, acautelar, empregando-os para fins estáveis, uma parte dos lucros presentes.
Promulga-se a necessidade de aproveitar os excessos dos lucros, retirando deles pequena parte (este e pequena parte», apesar de escrito a sério, parece-o no sentido irónico) com a qual o Estado possa realizar obras de «fomentos» (no plural para reforçar a ideia), deixando o restante para o proprietário, embora com fracção sujeita a ser aplicada segundo planos aprovados pelo Governo.
Apresso-me a fazer justiça às boas intenções do legislador. Contudo, em matéria de administração de empresas agrícolas, industriais, comerciais ou mineiras - de boas intenções andam cheios os tribunais de falência.
Teorias, doutrinas e planos aliciantes, ideias sedutoras que iluminam estudiosos, não resistem, muitas vezes, à aplicação prática.
Fala-se muito em certos meios nos lucros mirabolantes realizados em café, sisal e outros produtos ultramarinos.
Há quem os inveje e quem os ache óptimos. Apesar de nunca ter ganho um ceitil naquelas mercadorias, honro-me de pertencer ao grupo de pessoas experientes e ponderadas que considera útil e justa uma retribuição, mesmo inesperada, mesmo aparentemente excessiva, àqueles que estão colonizando verdadeiramente e heroicamente a nossa África.
A alta de cotações não representa maná celestial caído por acaso sobre determinadas pessoas que não o merecem. É aguardada ansiosamente há muitos anos, como condição indispensável do progresso económico e fruto de todos os trabalhos realizados no passado..
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os homens dinâmicos e ousados que os realizaram mereceram o prémio que hoje, e talvez por pouco tempo, estão recebendo. Forque?
Pelo simples facto de terem aplicado o seu esforço e arriscado os seus capitais em plantações ou explorações mineiras, lançando-se na colonização ou desenvolvendo as suas iniciativas em épocas de crise, de depressão, de desânimo ou de estagnação - exactamente quando os invejosos, os indiferentes, os cépticos e os preguiçosos dormiam o sono dos bem-aventurados.
Estão ganhando uma vez na vida, depois de muitos anos de sofrimento. Não lhes roubemos dos lucros mais do que o Estado já lhes leva. A existência daquele prémio constituirá incentivo forte a que sejam imitados, e fornecerá naturalmente às províncias ultramarinas novos colonos, novas energias, que se aplicarão e desenvolverão por forma gradual, à medida que o meio o aconselhe e o permita, sem sobressaltos, sem emigrações em massa ou excessivas, que tem sido sempre origem de desilusões e retrocessos.
Existem em Portugal muitos economistas teóricos e sonhadores. Gostaria que algum destes últimos se recordasse da história das vacas gordas e das vacas magras. E que a interpretasse como neste caso deve ser, isto é, partindo das vacas magras para as vacas gordas.
As nossas províncias ultramarinas agora atingidas, designadamente Moçambique, Angola e S. Tomé, sofreram crises económicas. Grande parte dos lucros ultimamente realizados tem servido para remediar as consequências dessas crises. Outra foi investida em novos empreendimentos, sem necessidade de patrocínio do Estado.
E graças a isso estava a fazer-se colonização. A população activa branca ia em aumento crescente. Angola passou de 44:083 europeus em 1940 para 78:903 em 1950. Moçambique contava 48:910 europeus em 1950, contra 27:438 em 1940.
Ainda com outra parte das receitas começavam a constituir-se reservas livres, voluntárias e prudentes, para quando voltar o tempo das vacas magras.
E só parcela insignificante se desperdiçou em melhoria do nível de vida, ou artigos de luxo, se acaso pode classificar-se luxo ou desperdício o colono português usufruir, finalmente, e talvez a curto prazo, aquelas regalias que se conquistam com a iniciativa e o esforço. Regalias que, afinal, se traduzem em trabalho concedido e remunerado a outrem. Porque convém não esquecer a velhíssima e exactíssima definição de que o luxo constitui imposto que os ricos pagam aos mais pobres.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas acaso não recebia já o Estado a sua quota-parte, e bem avultada, destes lucros?
A reforma tributária de Angola rendeu, em 1951, além das receitas previstas, um excesso de 350:000 contos sobre a previsão orçamental. Porque não aumentar o Fundo de Fomento e Povoamento com estes saldos orçamentais, que são directa e indirectamente resultantes da sobrevalorização dos produtos?
Para que criar novos impostos contra a promessa categórica então feita pelo Estado?
As taxas aduaneiras de exportação para o estrangeiro são muito altas e estabelecidas ad valorem. Portanto, o Estado sempre tem ido a beneficiar com a maior valia dos produtos.
Mas nem toda esta sobrevalorização constitui lucro. Além do agravamento dos impostos já assinalado, houve enormes aumentos de encargos; visíveis e invisíveis. Em Angola - afirmam-no os organismos económicos da província - o custo da mão-de-obra, principal encargo da produção, é hoje três vezes superior ao de 1949. Este acréscimo de custo da mão-de-obra representa aumento do poder de compra do indígena, de que beneficiam largamente, não só o comércio local, mas também, e principalmente, a indústria metropolitana que o abastece. E, lá como cá, vamos matar a galinha dos ovos de ouro. Por isso, a solução do problema também interessa à metrópole.
Por outro lado, porque as cotações em 1949 de alguns produtos, como, por exemplo, o cacau, eram excessivamente baixas, a comparação com os preços actuais, conforme o podem certificar todas as pessoas que ainda não esqueceram a aritmética, torna-se nitidamente desfavorável aos produtores.
Em relação ao cacau, o preço de 1949 era de franco prejuízo ou pequeníssimo lucro, sob condição de se levarem em conta umas coisitas que certos economistas oficiais quase nunca consideram, e que se chamam «encargos de capital» e «amortização de instalações». Por consequência, há que deduzir à sobrevalorização aparente, não só o acréscimo de impostos, mas também o prejuízo anterior da mercadoria.
Claro está que, em presença destas alegações, logo os ilustres defensores do Decreto-Lei n.º 38:704 exigem, com ar superior, fero e tremebundo:
Indique custos de produção!
E pedem curvas de preços, paralelas, divergentes ou em ziguezague, aquelas curvas muito emaranhadas que usam os estatísticos para que ninguém os entenda, tão emaranhadas como carapinha de preto e outras coisas que VV. Ex.ªs adivinham.
Pois não faço a vontade aos ilustres arguentes. Não indico custos de produção, porque nem eu, nem SS. Ex.ªs,